Por Luís Francisco Carvalho Filho |
LICENÇAS PARA MATAR
Os “meios empregados” não são dos mais “confessáveis”, mas “surtiram excelente efeito”. Nem sempre é “possível proceder de modo irrepreensível perante a lei”. As frases recolhidas pelo historiador Flavio dos Santos Gomes, de despacho de ministro da Justiça (1877), sintetizam a tradição brasileira de abuso de poder.
Era fundamental “suprimir esse valhacouto de ladrões” –os quilombos. “Há casos policiais em que os fins justificam os meios.” É assim desde a colônia.
O general Ernesto Geisel (1974-79) não é o único presidente com uma perturbadora história de licença para matar.
Geisel deu seguimento à política de extermínio de banidos, terroristas e guerrilheiros instituída no governo de seu antecessor, general Emílio Garrastazu Médici (1969-74). Geisel foi sucedido pelo general João Batista Figueiredo (1979-85), participante da roda de assassinatos noticiada pelo memorando da CIA.
Terá Geisel autorizado... |
Além de reprimir a vadiagem nas cidades, a República enfrentaria rebeliões e batalhas. Rui Barbosa menciona o paradoxo em 1913: “Abolida a pena de morte, mata-se agora sem pena”.
O segundo presidente do Brasil, marechal Floriano Peixoto (1891-94), tem na biografia texto de telegrama supostamente assinado por Antônio Moreira César, lido no Senado em 1896: “Romualdo, Caldeira, Freitas e outros foram fuzilados segundo vossas ordens”.
Para defensores do Marechal de Ferro, é estúpido imaginar o envio de mensagem de tal teor. Mas Moreira César fez o ajuste de contas com Desterro (depois Florianópolis), capital de Santa Catarina, para onde convergiam movimentos da Revolução Federalista e da Revolta da Armada, implantando regime de terror e fuzilamentos sumários.
Além de investir na polícia política, Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) reinstituiria a pena de morte para subversivos e homicidas fúteis ou perversos (1938), a rigor nunca aplicada.
O mais longevo governante do período republicano, Vargas havia decretado a expulsão da mulher judia e grávida do líder comunista Luís Carlos Prestes, Olga Benário, entregando-a para a Alemanha de Hitler.
...a chacina da Lapa, em 1976? |
A morte da militante (1942) na câmara de gás, em campo de concentração nazista, já situa o Estado Novo e seu chefe no incômodo território dos crimes contra a humanidade.
Diminui a autoestima saber que documentos capazes de explicar lacunas históricas do Brasil permanecem secretos por normas de sigilo dos EUA e que, aqui, a documentação militar desapareceu.
O que dizem os dois parágrafos com tarja preta do memorando recebido pelo secretário de Estado Henry Kissinger? Outras fontes de informação esclarecem o contexto do relato produzido pela CIA?
São desconcertantes as estatísticas da letalidade policial no Brasil, assim como são assombrosos os números de homicídio, estupro e assalto.
A licença para matar está entranhada na cultura policial, particularmente da Polícia Militar, e também na cultura de delinquentes. O círculo vicioso parece infinito.
A decisão do governador tampão de São Paulo, Márcio França, de homenagear a cabo da PM que matou ladrão armado com três disparos diante de uma escola foi imprópria, leviana e oportunista.
Se a soldado agiu em legítima defesa, se a reação ao assalto não expôs outras mães e crianças a riscos adicionais, isso deve ser declarado por autoridade judicial. Violência gera traumas. O policial que mata –o inocente, – deve permanecer nas ruas como se nada tivesse acontecido?
O governador é candidato, mas o eleitor não o conhece. A oportunidade surge. O discurso da linha dura não tem dono. As enquetes encorajam.
Mais impulso político, mais licença para matar.
2 comentários:
Como se explica o amor da esquerda (mídia, universidade, justiça e toda sorte de parasitas “letrados e sabidos” ) pelos bandidos: Herbert Marcuse, pensador marxista alemão e guru da turma letrada pregava que o proletariado, antiga base revolucionaria do marxismo, havia perdido seu ímpeto revolucionário pq tinha se aburguesado com o sucesso do capitalismo na Alemanha e todo o ocidente (sabe como é: melhor ficar em casa vendo futebol e series americanas na enorme Tv de tela plana que ir pra rua gritar contra o capitalismo).
(Os que adotam essa crença no banditismo como vetor de redenção da humanidade geralmente nem sabem de onde vem isso, assim como nada sabem sobre quase tudo que acreditam.)
…então só restava recorrer ao lumpemproletariado que são justamente bandidos, estudantes ociosos, ladrões, viciados, mendigos, loucos (por isso a doutrina de esvaziamento dos hospícios e liberação dos malucos liderada por agente da KGB italiano chamado Franco Basaglia, por orientação direta de Moscou ao tempo da guerra fria) e psicopatas em geral…o resultado é esse que vemos.
Valmir, releia o Marcuse sem o viés tendencioso: o que ele disse é apenas que aqueles que foram capturados pela engrenagem de produção & consumo nos moldes capitalistas estão perdidos para a defesa dos interesses superiores da humanidade, pois só querem obter melhoras para si próprios e o mundo que se f...
Bandidos, ladrões, malucos, viciados, mendigos, etc., são meras caricaturas que vc está utilizando para desqualificar um pensador sério.
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