terça-feira, 27 de junho de 2017

VENEZUELA: SOB AMEAÇA DE GUERRA CIVIL E PRENHE DE UMA REVOLUÇÃO DE NOVO TIPO.

"Claro que estou disposto a entregar o poder em cinco anos. Já disse que
até mesmo antes" (Hugo Chávez,
 às vésperas de eleger-se presidente)
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Quando estivemos no Fórum Social Mundial de 2006, que teve lugar na capital venezuelana, pudemos observar a presença militar ostensiva contra os que se colocavam à esquerda da chamada Revolução Bolivariana Indigena, denunciando as práticas capitalistas tanto do governo de George W. Bush como de Hugo Chávez. 

Denunciávamos que tal revolução, ao mesmo tempo em que vituperava o imperialismo estadunidense, era dependente de suas importações de petróleo (que, naquela altura, ainda tinha altos preços no mercado internacional). Criticávamos o capitalismo de estado que se instalara na Venezuela.

Quando hasteamos as nossas faixas contra Bush, mas também contra Chávez e outros ditadores sul-americanos e internacionais, fomos fortemente hostilizados, sob a indiferença da esquerda tradicional. Parecíamos uns ET's em meio a uma esquerda cujas bandeiras ultrapassadas se limitavam a defender o capitalismo de estado como contraponto ao capitalismo liberal burguês. 

Era como se existissem apenas dois campos: o imperialista e o socialista; o mal e o bem; os burgueses e os trabalhadores. Como se uns e outros fossem diferentes na essência de suas formas de produção social. Afinal, para haver luta de classes é preciso existirem classes; consequentemente, a proposição de abolição radical das classes sociais, revolucionária pela raiz, é herética para os militantes tradicionais.  
Bem-vindos... desde que repetissem os slogans mais batidos.

Posicionarmo-nos contra a mediação social feita pelas categorias capitalistas presentes da Venezuela soava, para muitos, como se estivéssemos contrariando a lei da gravidade. Apenas alguns grupos indígenas, que sempre desconfiaram da relação social mediada pelo dinheiro e pelo trabalho abstrato que lhes foi imposto desde que aqui chegaram os colonizadores europeus, é que nos ouviram com um pouco de atenção (e, de certa forma, convergiram com o que explanávamos.

Pois bem, o tempo passou e o preço do petróleo despencou; o grande capital que não gosta de conviver com intervenção estatal, fugiu com seu capital como o diabo foge da luz; e a revolução bolivariana viu frustrada a tentativa de domesticação do capital, sem superá-lo. 

Diante da miséria, o povo, na sua grande maioria sem compreender as razões profundas de suas agruras (a manutenção do sistema produtor de mercadorias sob uma economia estatizada, portanto capitalista na essência), foi ficando cada vez mais insatisfeito à medida que a escassez de tantos gêneros e o colapso de tantos serviços se acentuava. E como a fome é má conselheira, a Venezuela é hoje um barril de pólvora, numa falsa dicotomia de disputa de modelos políticos. 

A oposição venezuelana de direita, com suas bandeiras capitalistas tradicionais e com o eterno discurso democratizante da liberdade (a raposa e as galinhas podendo interagir livremente no mesmo galinheiro), não representa saída sustentável, mesmo porque não passa de ilusão sua promessa de volta aos bons tempos do petróleo venezuelano em alta. 
O ruim deste expediente para governo impopular manter-se no poder...
A saída também não está na continuidade do governo bolivariano, que está Maduro para cair e só consegue sustentar-se atualmente graças à repressão militar ostensiva. 

Assim, o que está maduro mesmo é a necessidade de transcendência dos dois modelos em disputa e a adoção de práticas de produção que visem à satisfação das necessidades de consumo sem a mediação do Estado cobrador de impostos nem a produção de mercadorias destinadas ao mercado, mas sim de bens e serviços que possam satisfazer as demandas sociais do bravo povo venezuelano. 

O grande capital internacional e sua mídia denunciam com satisfação o enfraquecimento e a baixa popularidade de uma ditadura estatizante de esquerda; a esquerda marxista-tradicional procura argumentos que justifique a repressão violenta e a escassez de bens e serviços, sem encontrá-los; e o povo, atônito, vê-se entre a alternativa de escolher entre o ruim e o péssimo, sem identificar quem é o ruim e quem é o péssimo, vez que ambas as formas políticas em disputa são idênticas na essência de seus propósitos finais – o lucro. 
...é que ele não funciona para sempre.
Outros emigram, aumentando a leva de refugiados que a cada dia cresce mundo afora, como consequência de uma mesma causa original – a espoliação capitalista patrocinada pelo sistema produtor de mercadorias.
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A SAÍDA NÃO É A INSISTÊNCIA NO CAPITALISMO
DE ESTADO NEM A VOLTA AO CAPITALISMO LIBERAL
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O que agoniza não é apenas o regime de Maduro, mas o capitalismo, com reflexos mais sensíveis nos países que dependem da conjuntura econômica mundial, como é o caso da Venezuela, que apoiou a sua sustentabilidade econômica num único produto: o petróleo. 

Com as dificuldades econômicas de um país que se anuncia anti-imperialista, mas que se rege por normas capitalistas com rígida intervenção estatal, a Venezuela vive uma contradição implícita oriunda de uma dubiedade de escolha política: não é capitalista liberal, mas é capitalista estatal com pretensões de ser anticapitalista. Tal dubiedade leva a uma situação de pré-anomia social, que se caracteriza pela desintegração das normas que regem a conduta dos indivíduos e asseguram a ordem social. 
Economia venezuelana dependia demais do petróleo
Na Venezuela as regras sociais se decompõem a olhos vistos e as instituições jurídico-constitucionais funcionam ao sabor da pressão política de um lado e de outro. A lei está na cabeça de cada um e no compromisso de cada magistrado superior com o que lhe convém. 

A permanecer neste rumo, a tendência é de a situação agravar-se até a eclosão de uma guerra civil, cujos sintomas já se fazem sentir. 

Tal quadro clama por uma superação transcendente, mediante a adoção um modelo societário completamente diferente de todos os que já foram experimentados: a produção de bens e serviços que não se constituam como mercadorias e o estabelecimento de uma forma de organização social horizontalizada e contributiva. A nova era tecnológica de produção é incompatível com o capitalismo, seja de que matiz for. 

A Venezuela está inserida na lógica destrutiva da vida mercantil globalizada, inclusive para vender o seu petróleo, que antes da desvalorização no mercado mundial era responsável por 66% do PIB, razão pela qual caiu na armadilha da negatividade da disputa capitalista pelo dinheiro, sua pedra de toque

Os indicadores negativos da economia venezuelana sob o atual governo tendem a propiciar uma volta ao capitalismo liberal burguês como alívio para a situação atual. Entretanto, a volta ao passado, num momento de depressão econômica mundial, terá somente o efeito de um antitérmico que, antes de debelar a infecção, apenas anestesiará a febre atual sem atacar sua causa (os problemas sociais). 
Presidente que se diz visitado por passarinho fantasma... pode?!

Assim, a saída não pode ser uma fuga pra frente, capitalista na essência, mas sim a criação de uma sociedade na qual os seres humanos não sejam comandados por uma lógica social mercantil fetichista, reificada, que lhes dá ordens desumanas; eles têm, isto sim, de se tornarem senhores conscientes do seu destino, lutando para a superação de toda e qualquer opressão de classe. 

Tal tarefa compete aos verdadeiros revolucionários emancipacionistas e ao povo venezuelano, que deverão promover a abolição da forma-valor e de todos os seus construtos imanentes, o que implica, obviamente, a abolição do Estado arrecadador de impostos e opressor (isto nem os capitalistas tradicionais, nem os pretensos revolucionários bolivarianos aceitam, pois significa abdicarem do poder tão amado por eles);

— que não deverá temer a liberdade de imprensa, já que a informação é libertária;
— que não deverá aceitar a repressão militar em nome da liberdade;
— que não deverá aceitar a cantilena capitalista de direita e de esquerda;
— que deverá introduzir um modo de produção voltado para a satisfação das necessidades de consumo e não para a realização do lucro privado ou estatal;
— que deverá abolir o trabalho abstrato, o as mercadorias e o dinheiro;
— que deverá introduzirá normas jurídicas consentâneas com o melhor ideal de realização da justiça;
— que tornará o ser humano, por fim, solidário com seus irmãos, universalistas (ao contrário do nacionalismo xenófobo), e na construção de um mundo melhor, ao invés de tornar a todos adversários uns dos outros como ocorre na autofagia da competitividade da vida mercantil.
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VIVA O POVO VENEZUELANO! 
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(por Dalton Rosado)

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