segunda-feira, 12 de junho de 2017

PARA DALTON ROSADO, A DECISÃO DO TSE FOI UM RETRATO SEM MÁSCARAS DA REPÚBLICA BURGUESA.

"Não se substitui um presidente da República a toda hora. A constituição valoriza a soberania popular,
a despeito dos valores das nossas decisões.
Mas, é muito relevante. A cassação de
mandato deve ocorrer em situações
inequívocas" (Gilmar Mendes)
Deu a lógica no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral: quando a questão é manter o capitalismo de pé, ainda que isso represente inauditos sofrimentos para o povo, as instituições do Estado passam por cima dos mais elementares postulados jurídicos e protegem a sua funcionalidade. Nunca essa verdade se tornou tão explícita como no julgamento que considerou improcedente o pedido de anulação da chapa Dilma-Temer no TSE. 

O resultado do julgamento era o pretendido por partidos que compõem a hegemonia do poder político do estado: PT, PSDB e PMDB; pelas entidades patronais de classe (tipo Fiesp); pela Febraban, que congrega os banqueiros nacionais e representantes estrangeiros no país, etc. Então, sem a menor desfaçatez, chegou-se ao veredicto de que as eleições de 2014 foram legítimas e não houve abuso do poder econômico. 

É incrível como os acontecimentos políticos são capazes de demonstrar a identidade mais profunda entre pretensos contendores superficiais.  

Como sói acontecer, o bem fundamentado voto de ministro relator Herman Benjamim acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Rosa Weber, apenas serviram para dar legitimidade a um julgamento eminentemente político, tal o abandono e negação de pressupostos processuais comezinhos. 

Este julgamento está servindo de senha para o que está por vir. 

O frágil governo do Presidente Temerário e a mais desmoralizada bancada parlamentar federal da história, justamente por esta condição, representam o cenário perfeito para a consecução de todas as maldades restritivas de direitos de que o capitalismo, em seu momento de agonia, necessita implementar para poder continuar sobrevivendo, na esperança de que haja uma retomada do desenvolvimento econômico (que não virá ou virá apenas episodicamente, sem fôlego de longo prazo).

Graças à Operação Lava-Jato, juízes federais de primeira instância, apoiados por representantes do Ministério Público e Polícia Federal, puderam expor à nação todo o vergonhoso processo de corrupção entranhado no sistema eleitoral brasileiro e na administração pública. Sempre se soube que havia corrupção, mas não se sabia de seus números estratosféricos. 

A corrupção com o dinheiro público é um subproduto do capitalismo (este último, a corrupção em si), nocivo aos seus interesses sistêmicos porque retira do Estado a capacidade de cumprir os seus múltiplos papeis auxiliares e, em especial, aquele de atender minimamente as demandas sociais básicas que justificam aos olhos do povo a cobrança tão extorsiva de impostos. É neste sentido que se deixou fluir, com o apoio do grande mídia (todas as operações policiais e jurisdicionais têm sido transmitidas em horário nobre da televisão) as atividades de combate à corrupção. 

Mas, acontece que o feitiço virou contra o feiticeiro. O abalo foi tão grande que colocou em xeque a própria existência das instituições do Estado, sem as quais o capitalismo não pode existir. Assim, chegou a hora de se colocar panos quentes em tudo isso e acabar com a farsa de seriedade. A Lava-Jato e todo o processo de delações premiadas que permitiu o desmascaramento dos bandidos da esfera empresarial, conluiados com seus asseclas do mundo político, têm os seus dias contados.          
O lado positivo de tudo isso é que podemos tirar lições educativas que antes eram obnubiladas (e ainda o são) por uma massiva contrainformação que:
  • deseduca;
  • inverte o sentido virtuoso de conceitos humanistas e transforma a virtude em defeito e vice-versa;
  • que bestializa o ser humano. 
Talvez a mais importante dessas lições esteja endereçada à esquerda aferrada ao poder estatal e às categorias capitalistas (no sentido da revisão dos seus postulados). 

Será que vale à pena à esquerda participar de um parlamento sempre em minoria (o processo eleitoral dominado pelo poder econômico jamais permitira à esquerda uma maioria parlamentar), legitimando-o como instituição democrática onde todos têm assento pela livre vontade do povo

Valerá à pena ter que vender a alma ao diabo via conciliação com o mundo empresarial capitalista para o custeio do absurdo custo eleitoral democrático? Ou se iludir (em troca de algumas benesses proporcionadas pela convivência com o poder de Estado) com uma participação minoritária nas muitas instâncias institucionais?

Valerá à pena jogar para a torcida corporativa que reivindica para si direitos que não virão e que, ainda que viessem, representariam apenas mais capitalismo, mais exploração, mais do mal em si em tudo (como, p. ex., reivindicar mais emprego ou querer transformar trabalhadores rurais em proprietários rurais produtores de mercadorias, conforme propõe o MST)?
Está mais do que na hora de analisarmos em profundidade o significado das categorias capitalistas e da dinâmica do capital para podermos extrair daí uma práxis transformadora, que reabilite a esquerda como defensora dos interesses populares (e merecedora de crédito!). O conluio com o poder burguês e até o rompimento com esse tipo de poder, mas mantendo-se as categorias capitalistas intactas, somente nos conduzirá ao fracasso. 

Neste sentido, tudo que aconteceu no Brasil pode ser altamente educativo, desde que saibamos extrair dos acontecimentos uma análise correta e emancipatória. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

SF disse...

Lendo os artigos e notas do Celso a respeito do fatos que atualmente se desenrolam na cena jurídica pensei: falta o Dalton escrever algo a respeito.

Não me enganei.

Mais uma incisiva análise do momento institucional do país e do capital em geral.

Porém, tenho dúvidas quanto a como vê o articulista o determinismo que vincula o nexo causal e a responsabilidade sobre os eventos decorrentes da ação dos protagonistas de um jogo?

Será que estarão eternamente infensos de colherem o resultado de suas jogadas?

Não existiria uma justiça natural baseada na causa/efeito?

Poderiam as ações de um grupo criar as condições de sua própria derrocada?

Será uma sociedade possível se os valores que a mantém coesa forem destrutivos?

Por fim, que acha de Marinaleda na Andaluzia (Espanha)?

celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON:

Caro SF,

A sociedade capitalista desenvolvida surgiu num contexto pré-capitalista no qual as relações políticas escravagistas diretas tinham como protagonistas a monarquia, a aristocracia rural e o clero, todos dotados de soberania de vontade, absolutistas, embora isso não imunizasse essas castas dominantes das contradições palacianas de disputa do poder.

Com a consolidação da república veio a descentralização do mando e os estados modernos, divididos em esferas de poder institucional, mas sem soberania de vontade, porque submissos a um novo senhor que surgia: o sujeito autômato da forma valor. Esse novo Deus iluminista se mostrava como Impessoal, aparentemente isonômico, comum a todos e capaz de transformar até um antigo servo em capitalista.

Ocorre, entretanto, que essa aparente virtuosa liberdade, era apenas uma nova forma de escravização e a assunção de um novo senhor, que justamente por se traduzir como uma lógica insensível aos desígnios humanos, quando não vê satisfeitos os seus interesses de reprodução contínua aumentada, como agora ocorre, exige dos seus súditos as mais cruéis submissões, sacrifícios e posturas acovardadas.

Os poderes do Estado, que se formataram para dar sustentação ao sujeito autômato da forma valor, submetem-se aos ditames de uma relação social reificada, na qual coisas mortas, as mercadorias, dão ordens os homens, que muitas vezes sequer se perceberam do absurdo dessa obediência. Todas as ações emanadas dos poderes do Estado capitulam quando o que está em jogo é a sobrevida do seu senhor absolutista: o Deus-dinheiro. (O PSDB que só fala em retomada do desenvolvimento econômico, como se a causa do problema fosse a solução, e no altar desse compromisso sacrifica quaisquer compromissos éticos, que o diga).

O julgamento do TSE se insere nesse conceito de obediência sistêmica, e tudo converge para um desiderato teleológico que afinal, é catastrófico para a humanidade. Dentro desse abatedouro não há salvação.

A experiência da pequena Marinaleda, na Espanha, com seus poutco mais de 2.600 habitantes é um esforço válido, ainda que seja obrigada a viver com relações mercantis. Mas seus habitantes já conseguem desfrutar de um convívio menos fetichizado e mais humano. Espero que evolua no processo de conscientização que é a chave para a consolidação da ruptura com o fetichismo da mercadoria.

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