terça-feira, 1 de novembro de 2016

O QUE É A TAL 'ONDA CONSERVADORA QUE VARRE O MUNDO'?

"Vivemos em plena cultura de aparências. O contrato 
de casamento importa mais que o amor; o funeral, 
mais que o morto; a roupa, mais que o corpo; e
a missa, mais que Deus." (Eduardo Galeano)
Um provérbio popular diz que as aparências enganam. Ainda que, muitas vezes, a aparência condiga com o conteúdo, devemos ter cuidado com aquilo que aparenta ser o que não é. Neste sentido, o que significa mesmo a tal onda conservadora que varre o mundo

As crises de viabilidades sociais havidas nos últimos cinco séculos sempre apontaram para rupturas com o modelo exaurido, ainda que isto não representasse emancipações humanas no sentido de práticas sociais horizontalizadas e equânimes do ponto de vista da produção e distribuição de bens e serviços indispensáveis à vida social. Mas, representaram mudanças profundas com marchas e contramarchas (vide décadas iniciais da Revolução Francesa). 

É que, a cada alteração substancial do modo de produção dos bens e serviços produzidos socialmente, modificam-se as estruturas jurídicas e sociais de poder. 

A onda conservadora que hoje grassa mundialmente não significa exatamente aquilo que aparenta. Como num tsunami, em que a praia fica primeiramente deserta de água em razão do recuo do mar, tal momento apenas representa a inundação iminente e violenta. 

Faço tal comparação para dizer que a onda conservadora pode preceder a uma exigência de transformação social impelida pela própria realidade, pela necessidade, o que necessariamente não significa que teremos avanços sociais. Estes só virão a partir de uma práxis orientada por uma teoria que saiba para onde irmos. 

Vivemos sob um modo de mediação social baseado na produção de mercadorias e de valor através do trabalho abstrato (questão de forma) que não se adequa ao conteúdo dessa mesma produção, hoje fundada na alta tecnologia e cujos níveis de produtividade se tornaram incompatíveis com a exigência de produção de valor (questão de conteúdo). No organismo social mercantil falta sangue,– ou seja, dinheiro válido, advindo da produção. 

A História nos ensina que, ao alterar-se um modo de produção, muda também a forma de sociabilidade. Esta incompatibilidade exige uma que a forma se modifique para adequar-se aao conteúdo da produção. Este é o xis da questão. 

Evidentemente, as escolas, as academias, os teóricos dos partidos políticos (são poucos os que ainda os possuem!) e a grande mídia deixam de explicar isto para o grande público, que assim não tem como sabê-lo. Trata-se de uma negação proposital de acesso à informação, para que os donos do poder continuem controlando as suas precárias rédeas, prestes a se romperem. 

A onda conservadora, antes de confirmá-los no poder permanentemente, apenas lhes dá um alerta: Consertem tudo isso aí, sob pena de não conseguirem conter a avalanche de insatisfação que sobrevirá!. Como tal conserto é impossível dentro da lógica de reprodução do capital sob a qual governam e se beneficiam, as turbulências são inevitáveis.

Há indícios claros do tsunami:
– a rejeição aos candidatos a prefeito por parte de expressiva parcela do eleitorado das cidades mais politizadas do País (abstendo-se, anulando o voto ou votando em branco) é um exemplo da incredulidade de todos com relação aos políticos e suas instituições (digo suas porque elas não representam o interesse do povo); e 
– a tentativa de venderem o ajuste fiscal como única opção para salvar-se o Estado da falência (mediante a imposição de impostos escorchantes a uma população exaurida, visando satisfazer os credores da dívida pública), sob a alegação de que medidas draconianas são indispensáveis para a retomada do crescimento econômico, não passa de um canto de sereia, um mero engodo oficial. 
Logo os eternos logrados e lesados se decepcionarão com os conservadores assumidos e migrarão para os conservadores disfarçados seguindo o pêndulo da ineficácia. Vale perguntar: até quando assistiremos à alternância de governantes que representam apenas um eterno retorno ao ponto de partida? 

Cabe a nós, revolucionários, desmascararmos as mudanças superficiais que existem para que realmente nada mude, propondo, em seu lugar, transformações transcendentais.   

O Presidente Temerário, discursando na abertura de um encontro de países de língua portuguesa em Brasília, resgatou a triste memória da primeira ministra inglesa Margaret Thatcher, a ultra-neoliberal conservadora falecida há três anos, elogiando a defesa que ela fazia do ajuste fiscal –o qual, na verdade, não passa de uma tentativa de solucionar por via administrativa problemas cuja gênese se situa fora da administração pública, pois advêm do esgotamento de um modo de produção tornado anacrônico. Trata-se do discurso de volta a um passado que já deveria estar sepultado.  

Para governantes de países que podem financiar a dívida pública com juros baixos e a longo prazo, fica fácil dar conselhos de austeridade fiscal a países como o Brasil, que, embora tenha uma dívida pública relativa (em relação ao PIB) e absoluta (números concretos) ainda menor do que a deles, paga juros altos e de curto prazo como forma de sobrevivência. 

Mas, a falência de todos se aproxima cada vez mais. Será quando a onda conservadora vai transformar-se em tsunami.
. 
Por Dalton Rosado

4 comentários:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Muito interessante este texto, Dalton.

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Não sei se este comentário é muito pertinente a este texto, Dalton; creio que poderia estar mais adequado a outros artigos que você publicou aqui no Náufrago. Mas quis escrever este comentário e penso que será do seu agrado.

Imagino que alguns leitores do blogue conheçam a obra de Jeremy Rifkin, eu a conheci um dia desses, e me tornei um leitor entusiasmado. O mérito dele é fazer aquilo que a esquerda em geral parece ter esquecido (parte dela anda agora mais interessada em fazer propaganda em torno a questões de gênero, as "opressões", no plural, o louvor da diversidade sem quase nenhum lugar para a ideia tão elementar da igualdade entre as pessoas), que é ver o mundo real das forças sociais a partir das forças produtivas. Na opinião do economista, o capitalismo ruirá assim como ruíram todos os sistemas sociais antes dele, isto é, segundo o desenvolvimento e a modificação das forças produtivas, que engendrará o processo social e político para uma nova transformação do mundo, não linear, contraditório, violento como não pode deixar de ser embora nós preferíssemos que a transformação do mundo fosse pacífica.

Segundo esse autor, a revolução que virá a certa altura, no séc.XXI, será feita por uma classe social em gestação, filha da classe trabalhadora apenas assalariada, muito maior e mais numerosa do que esta, mais "rica" em alguns aspectos, à qual ele chamou "os prossumidores", uma confluência entre o produtor, o que transforma as matérias primas ou manufatura pordutos tão diversos quanto os que existem hoje, e o consumidor, aquele engajado na distribuição, e não somente como comprador. Eu precisaria escrever um comentário imenso para entrar realmente neste assunto, mas, para fazer a suma, tratar-se-ia de uma nova grande geração do povo a partir, por exemplo, da impressão tridimensional, dos novos rumos da automação (a impressão em 3D corresponde a isto, mas não somente ela), do trabalho de baixo custo que as pessoas possam realizar livremente associadas, em todo este universo a que Rifkin chamou "a internet das coisas".

Rifkin não é um marxista, embora o grande horizonte de humanidade que ele enxerga, como Marx, seja o da libertação das forças produtivas. Ele aposta em que o capitalismo será deixado para trás em favor de uma sociedade cooperativa, cooperativista, em consonância com as forças produtivas próprias da "internet das coisas". Tal sociedade cooperativista se tornaria muito mais atrativa em dado momento da presente etapa da Revolução Industrial, porque o trabalho em termos associativistas e cooperativistas se tornaria barato e rápido, plenamente satisfatório em termos de hardware e software, adaptável, maleável, e horizontal. A revolução anticapitalista, então, viria pela experiência do trabalho em outras condições, viabilizada integralmente pela alta tecnologia de informação e produção da nossa época, em rede, com uma nova cultura para trabalhar e viver, isto é, para produzir e distribuir. Se é verdade que a classe "prossumidora" nascerá, é certo que produzirá a sua ideologia.

Todo este assunto compõe um tema do maior interesse, que tenho procurado estudar.

celsolungaretti disse...

RESPOSTA QUE O DALTON ENVIOU POR E-MAIL:

Caro Eduardo Rodrigues Vianna,

acho importante a contribuição que você deu ao blogue com os seus artigos anteriores e com os comentários de agora. É da pluralidade de pensamentos de quem não quer reproduzir o que está posto e que nos infelicita, e está a clamar por alternativas fora da lógica capitalista (independente de ser marxista ou não), o que pode nos conduzir a um mundo melhor e diferente e, principalmente, nos livrar da hecatombe da guerra e ecocídio anunciados.

Acho que Marx, pelo seu grau de acerto sobre a implosão da forma-valor por seus próprios fundamentos, previstos com impressionante lucidez há 158 anos, deve nos ajudar, e sobre os seus ombros obtermos o impulso para compreensões atuais, pois a partir de muitos pontos da teoria marxiana do valor, pouco conhecida, podemos obter ensinamentos sem termos que reinventar a roda. A leitura do alemão é sempre de difícil compreensão, mas quando conseguimos penetrar no entendimento dos seus argumentos e deduções vemos como ele foi uma mente brilhante, e que os economistas burgueses jamais conseguiram contrariar.

O sistema de cooperação entre consumidores e produtores é fundamental, desde que se tenha clara a ideia de que somente com a eliminação da mercadoria (que é valor, dinheiro, hipostasiado num objeto e dele fazendo uso para a segregação social) poderemos obter sucesso.

Obrigado pelo incentivo e vamos em frente que o momento está a reclamar o aprofundamento de ideias comprometidas com a emancipação humana.

Um abraço, Dalton Rosado

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Obrigado pela sua resposta, Dalton. Há este pensamento, de que gosto: "Comunistas não pertencem a partidos políticos; são todos aqueles que trabalham constantemente por um futuro distinto do que anuncia o capitalismo."

Abraços.

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