TRUMP E O MAL-ESTAR CONTEMPORÂNEO
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Donald Trump não é um sintoma norte-americano. É um sintoma mundial. Sua vitória revela o quão profundo é o mal-estar decorrente da crise de representatividade nas democracias liberais. É a vitória da rejeição à política.
Que as pessoas, mundo afora, não vejam nas alternativas políticas tradicionais uma perspectiva de mudança; que percebam algo de farsesco na disputa entre os grupos políticos, frequentemente a cargo dos mesmos interesses; que se desencantem ao não sentirem suas demandas representadas, tudo isso é bastante justificado, em especial com o agravamento da crise econômica.
A questão é onde este sentimento deságua. O mal-estar social pode produzir novas alternativas ou monstros. Pode se materializar em movimentos contra-hegemônicos, com a proposta de democratizar a política e enfrentar as desigualdades sociais. Assim foi com o Podemos, na Espanha, após o movimento dos Indignados. Foi também com a pré-candidatura de Bernie Sanders nos Estados Unidos.
Ou pode se expressar na construção de figuras supostamente outsiders, que personificam a negação da política, frequentemente encampando um discurso de ódio contra minorias, tratadas como bode expiatório. Berlusconi foi o exemplo mais conhecido e nefasto deste caminho. Políticos até a medula, mas que tomam a antipolítica como estratégia de convencimento.
Donald Trump se insere nesse registro. Um bilionário bem sucedido, de origem humilde –Donald Trabalhador–, que não vem dos quadros tradicionais do Partido Republicano, enfrentando inclusive sua oposição. Fala disparates, demonstra extravagância, toma atitudes jamais recomendadas por nenhum marqueteiro eleitoral. Enfim, alguém que parece de fora da política.
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Mobiliza as paixões mais agressivas contra os imigrantes, que roubam os empregos, e os tratados de comércio, que roubam as indústrias. Discurso fácil, aplausos na certa, votos aos montes. Especialmente em regiões dos Estados Unidos tomadas pelas carcaças da desindustrialização, com altos índices de desemprego e com a memória de uma idade de ouro. Nesse caso, o alvo preferencial foram os imigrantes, mas poderiam ser os negros, ou os gays, ou todos eles juntos.
É verdade que Trump não conseguirá –e provavelmente sequer tentará– cumprir a maior parte de suas promessas aberrantes de deportação em massa ou do muro na fronteira com o México. Mas sua vitória, por si só, empodera os intolerantes.
O fato de ter se enfrentado com Hillary Clinton facilitou sua vida. Hillary representa a imagem da política tradicional, com histórias mal explicadas e com conexões íntimas com Wall Street. Contra Sanders, teria provavelmente mais dificuldades, pois ainda que em direção oposta, o democrata seria capaz de disputar com ele o voto da desilusão com o sistema político.
A vitória de Donald Trump deixa como lição inescapável a gravidade da crise de representação política e os caminhos perigosos que ela pode tomar.
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No Brasil, um tipo como Bolsonaro deve ser visto com mais atenção. O extravagante, agressivo, machista, homofóbico, caricato, que tem 3,5 milhões de seguidores no Facebook e que aparece com quase 10% de intenções de voto para presidente da República. Não é demais lembrar que Trump chegou à Casa Branca porque foi subestimado.
Não se pode mais subestimar a desilusão com a política e suas consequências. O futuro dependerá da disputa do sentido deste fenômeno. Se a esquerda, no Brasil e no mundo, não conseguir apresentar alternativas contra-hegemônicas, capazes de dialogar com este desencanto que alavanca a antipolítica, Trump fará escola nos cinco continentes. (por Guilherme Boulos)
Um comentário:
Não posso concordar com a ideia, cantada em verso e prosa aí pelo Boulos e por muitos na atualidade, de que o que está triunfando é um estranha "antipolitica"? Como, "antipolítica"? Isto não existe.
Trump é um POLÍTICO até bastante conservador, a despeito do cabelo engraçado, acostumado aos movimentos do capital e da sociedade, eleito pelo partido mais tradicional dos EUA. E não é particularmente "nacionalista", como andam por aí berrado: TODOS os dirigentes estadunidenses são extremamente nacionalistas, assim como todos os dirigentes canadenses, franceses, alemães, britânicos, belgas, dinamarqueses... Provavelmente Bill Clinton era muito mais protecionista quanto aos negócios, mais intervencionista e militarista, e é este certamente o caso de Obama -- tão agressivo contra o Oriente Médio, por exemplo, quanto o governo anterior, ou ainda mais. O protecionismo de Trump, com relação a China, é provavelmente propaganda. Na nossa época, a política segue a propaganda e nós queremos que seja o contrário.
Mas Trump elegeu-se com uma plataforma bem menos "imperial", mesmo sendo de direita. Houve uma discussão política ali, em alguns aspectos espalhafatosa e passional segundo a má qualidade da política neste momento, mas isto de maneira nenhuma significa a "morte da política", como diz esse pessoal que a tudo precisa dar um tom catastrofista, senão a mensagem não cola. É provável que o Nero americano, George W. Bush, tenha sido muito mais perigoso e pernicioso que qualquer Trump, foi posto lá por meio de manobras uma vez que a maioria dos votos foi para o adversário, e ninguém àquela altura dizia que a política tinha morrido, ou que havia alguma "negação da política".
Os sistemas políticos que conhecemos estão longe de "morrer". Seria melhor para nós deixar esta conversa de lado, ou tratá-la com ceticismo. O mundo vai acabar na semana que vem, o capitalismo também, a política morreu, etc. São hipóteses, bem pouco interessantes, ou bem pouco mobilizadoras. Parece que gostamos muito de nos definir por meio de hipóteses.
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