"É tempo de sermos mais duros com os chineses... a China será taxada a cada mau passo, e se eles continuarem, vamos taxá-los ainda
mais!" (Donald Trump)
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A vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses adveio do profundo sentimento de inconformismo da majoritária população branca e pobre dos EUA (pejorativamente designada como white poor trash), ávida pela volta do pleno emprego e dos salários que outrora lhe permitiam manter estabilidade financeira e razoável poder aquisitivo. É uma ilusão, mas terá significado e consequências mundiais.
O que acontece com os Estados Unidos é que, de um modo geral, os salários caíram nos últimos anos, fenômeno decorrente do nível da concorrência mundial de mercado. Artigos mais baratos do que os produzidos nos EUA com eles competem vantajosamente por força das remunerações inferiores de países como China e Índia, bem como do uso da tecnologia de ponta na produção de mercadorias, dispensando cada vez mais a mão-de-obra humana.
Os Estados Unidos vivem, hoje, não da produção de mercadorias (apesar de serem os maiores produtores nos setores primário e secundário da economia mundial), mas da manipulação financeira graças à sua condição de emissor da moeda internacional, o dólar estadunidense, e da emissão de títulos públicos que são (ainda) aceitos no mundo inteiro. A dívida pública dos EUA (de mais de 100% do PIB, atesta esse fato).
Vale lembrar: "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas". |
Há uma absoluta incompatibilidade entre a produção de valor válido (da produção) e os números estratosféricos da economia estadunidense. É graças a isto que, na crise do subprime de 2008/2009, o tesouro dos EUA, socorreu o sistema financeiro e o salvou da bancarrota, adiando o crash internacional que se prenuncia.
Neste contexto, o discurso populista (e, ao mesmo tempo, nacionalista, xenófobo e belicista) de Donald Trump caiu como luva para a parcela majoritária do eleitorado estadunidense.
O personagem que os marqueteiros, orientados por pesquisas de opinião pública, criaram para ele não corresponde exatamente àquilo que será Trump na Casa Branca, uma vez que as amarras de um presidente na atual estrutura de poder institucional não permitem a repetição do aconteceu na Alemanha dos anos 30 (quando Hitler, dando voz aos mesmos ressentimentos, alçou-se ao poder).
Assim, p. ex., as medidas que Trump defende para o soerguimento da economia estadunidense vão trombar com a realidade do capitalismo mundial decadente. A roda da história não anda para trás por muitos quilômetros.
"O protecionismo é arcaico dentro da própria lógica capitalista" |
O Governo Trump tende a ser protecionista, numa visão arcaica dentro da própria lógica capitalista. É uma fuga para frente que não vai dar em nada de positivo. Pelo contrário, certamente vai expor a inconsistência da economia dos EUA, que, apesar de ainda ser a maior do mundo, não tem correspondência econômica com o real poder de compra americano privado e estatal. Os Estados Unidos vivem um artificialismo financeiro cuja inconsistência bem cedo se tornará evidente, causando uma decepção profunda entre os estadunidenses que elegeram Trump.
Mas o mundo é capitalista e globalizado; então, a previsível debacle dos EUA afeta a todos. A eleição de Trump deve, p. ex., estar deixando muito apreensiva a China capitalista, com seu corredor de exportação de mão única. Não apenas por temer a acentuação da crescente queda de percentagem de crescimento do seu PIB, mas, principalmente, pelo destino da moeda estadunidense que abarrota as suas reservas cambiais.
Qual a razão de o mercado internacional ter reagido negativamente à eleição de Trump? É porque, caso se confirme pelo menos parte de suas promessas eleitorais, haverá uma desarrumação tal num mercado já depressivo que as consequências serão imprevisíveis. Afinal, o que o mercado mais detesta é a incerteza.
"até que esbarre na realidade trágica e definitiva" |
Mas nós afirmamos que não há saídas sustentáveis no longo prazo para o capitalismo, constituindo-se a estapafúrdia eleição de Trump apenas na explicitação de um impasse maior, que o estadunidense comum não tem condições de captar em toda a sua profundidade.
E, para o frágil capitalismo brasileiro, a eleição de Trump complicará ainda mais o que já está complicado. Isto porque, com o capitalismo one world em maré de incerteza, há uma tendência de fuga dos capitais para portos (aparentemente) mais seguros; aí, as absurdas taxas de juros praticadas pelo Brasil já não poderão conter a saída de dinheiro, que deve emperrar ainda mais a difícil tentativa do presidente Temerário de retomada do crescimento econômico brasileiro.
A crise do capitalismo tende a agravar-se, pois foi eleito um presidente que se insere entre os 1% dos privilegiados que detêm parcela simplesmente escandalosa da riqueza mundial; e ele, demagogicamente, promete que promoverá a retomada da grandeza econômica dos Estados Unidos usando as mesmas ferramentas capitalistas que são causadoras da atual depressão econômica mundial.
Não é de estranhar-se que o eleitorado aja como vem agindo ultimamente, ao escolher políticos que se fazem passar por apolíticos (João Dória, em São Paulo, é um exemplo disto) e que se propõem a trazer de volta um passado que, se não foi bom, é melhor do que o presente.
Por Dalton Rosado |
Trata-se de um corolário da inconsciência do povo sobre as reais causas de seu infortúnio; e assim caminha a humanidade, para trás, sempre para trás, até que esbarre na realidade trágica e definitiva. Se a resultante disso tudo vai ser a barbárie ou a emancipação humana, caberá a nós decidirmos.
Um comentário:
Trump foi eleito pela minoria estridente. Embora tenha sido a mais acirrada disputa das últimas décadas, o atual vitorioso teve menos votos que o anterior. Aliás, menos até que a derrotada, o Satã de saias. Em 2012 B. H. Obama recebeu três milhões de votos a mais que Donald. Killary derrotou a si mesma, com uma grande ajuda do Wikileaks. Os e-mails vazados foram importantes na desconstrução da imagem da candidata. Bela vingança do Assange contra a perseguição comandada pelos democratas.
Parece que desta vez muitos que não compareciam as seções foram, e quem regularmente votava deixou de ir. Boa parte do eleitorado do Trump o escolheu acreditando em melhores empregos e maiores salários, coisa impossível de acontecer. Até por questões práticas. Não adianta querer que a Apple (por exemplo) fabrique os seus produtos nos EUA e continue também com a mesma participação no resto do mercado mundial. Marcas mais baratas já dominam as vendas de smartphone e ficarão ainda mais baratas se a produção migrar para os EUA. A decepção desta parcela grande dos seus apoiadores é certa, resta saber se já ocorrerá no primeiro ano de mandato.
Mesmo querendo a derrota de Mrs. Clinton, pelo conjunto da sua obra, vejo o Trump como o pato que irá mancar com menos tempo ocupando a Casa Branca.
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