segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A ECONOMIA MUNDIAL EM RITMO DE CONSTANTE BLACK FRIDAY

"A teoria revolucionária é, agora, inimiga de toda ideologia
revolucionária, e sabe que o é (...). No mundo realmente
invertido, o verdadeiro é o momento do falso"
(Guy Debord, A sociedade do espetáculo)
.
A chamada Black Friday, evento com o qual o comércio tenta se livrar dos estoques encalhados, pode ter, em termos mais amplos, um significado (e leitura) oposto: a dessubstancialização do valor das mercadorias, ou seja, a deflação mundial do valor e dos preços.

Isto porque, conforme explicou Marx, o capital é uma contradição em processo. Então, a mecânica da mediação social pela forma-valor (relação social indutora do capitalismo) não pode ter vida perene e seu desfecho será catastrófico, o que já se faz sentir pelos sintomas que ora nos afligem, com intensidade cada vez maior.

A dessubstancialização do valor das mercadorias é o fenômeno da economia política que mais evidencia o seu aspecto contraditório e, portanto, prenunciador de uma situação falimentar futura e do colapso social sob suas bases, caso não seja superada em tempo. Daí a crítica à sua perenidade se comprovar como consistente ao longo do tempo.   

Tudo se resume à compreensão de que máquina não produz valor, embora aumente circunstancial e episodicamente o lucro localizado do capital industrial que a introduz na produção industrial de mercadorias.

Quando um único operador é suficiente para controlar a produção de grandes máquinas (ou do conjunto de grandes máquinas de uma seção ou linha de montagem), há uma exacerbação da extração de mais-valia.  

O dito cujo pode receber um salário bem maior que a média individual de sua profissão no passado, mas foi substancialmente reduzido o número dos explorados a fornecerem mais-valia para o capitalista. Portanto, isto provoca uma queda da massa global de valor e de mais-valia.

Os leigos (e os economistas burgueses também) geralmente consideram que a redução do preço das mercadorias no mercado, decorrente da queda do valor das mesmas na produção, proporciona aos trabalhadores assalariados um maior poder de compra e consequente melhora das suas condições de vida. Henry Ford, há 110 anos, via nisto uma grande virtude do capitalismo. Mas quem sempre esteve certo é o velho Marx, ao afirmar o contrário nos Grundrisse, quase meio século antes.  

Trocando em miúdos: a queda do valor na produção de mercadorias proporcionado pela introdução da tecnologia que dispensa esforço humano (leia-se trabalha abstrato, assalariado), quando atinge uma proporção maior do que a criação de novos empregos, esbarra no limite de sua indispensável expansão e entra em colapso. É o que ocorre hoje, em escala mundial.

Aí, ao contrário da compreensão equivocada, o aumento do lucro localizado não provoca mais riqueza abstrata global e correspondente aumento da massa global de valor e de mais valia. Isto porque a queda dos custos de produção reduz o valor global das mercadorias e, consequentemente, trava uma expansão da produção que compensasse tal queda. Assim, definha todo o organismo econômico por falta de renovação aumentada e vital do seu sangue: o valor. 
Por outro lado, o aumento da capacidade de compra dos poucos trabalhadores agora incumbidos da referida manipulação das máquinas na produção não compensa a massa de salários dispensada (quanto mais qualificada é a mão-de-obra, mais se agrava o problema, diferentemente do que se ouve diariamente da boca dos políticos demagogos).

Tal fenômeno acarreta o desemprego estrutural que atinge hoje grande parte da população e reduz a zero a capacidade de compra desse contingente, provocando um fenômeno inverso àquele afirmado por Henry Ford e seus adeptos.

Ademais, definha a necessária irrigação de outros setores da economia em razão da falta do tal sangue monetário (valor válido, advindo da produção de mercadorias) graças à redução da massa global de valor, prenunciando:
a) a falência do Estado, que vê reduzida a arrecadação dos impostos extraídos da própria economia; e
b) a falência do sistema financeiro, que aufere juros da venda da mercadoria dinheiro (
capital fictício, Marx) para a chamada economia real em depressão, e vê o capital emprestado virar fumaça graças ao aumento insuportável do nível geral de inadimplência. 
A redução do valor e do preço das mercadorias, duas coisas distintas que se correlacionam, não beneficia os assalariados de baixa renda, posto que a concorrência de mercado exige permanentemente uma diminuição dos salários reais, que se dá: 
  • por meio da inflação (nos últimos 50 anos o dólar estadunidense, moeda internacional, desvalorizou 600%);
  • pela demissão e admissão de novos trabalhadores para as mesmas funções, com salários menores; ou 
  • pela transferência da produção para regiões de baixos salários substitutivos, como a China, Índia, Indonésia, Brasil, etc.
É, portanto, ilusória a ideia de que a queda dos preços melhora a vida da maioria dos trabalhadores. Em Detroit, berço da indústria automobilística estadunidense, os bisnetos dos fundadores da Ford Co. estão desempregados, desesperados e votando no Trump, desejosos da volta a um passado que o vento levou. Querem apagar o fogo com gasolina.  

O motivo, claro, é que o capital necessita de constante margem de diferença entre o trabalho necessário (pago ao trabalhador) e o trabalho excedente (não pago ao trabalhador na sua faina diária); daí retira o lucro necessário à sua acumulação permanente, sem a qual ele morre. Como há uma redução do valor e preço das mercadorias, opera-se uma forçosa redução dos salários como forma de manutenção da atividade produtiva. Um jogo matemático corrupto cuja lógica aponta para o colapso.

Este é um dos entraves que está ocorrendo na produção de mercadorias, de vez que nem sempre tal equação (redução de salários necessários e manutenção do trabalho excedente) se viabiliza no mercado. 

A produção trava quando não há viabilidade econômica da produção, fato que é cada vez mais constante e que causa depressão econômica. Somente se produz o que tem viabilidade econômica de mercado, não interessando ao patronato se isto provoca fome e desespero social. Assim é o capitalismo.

Tudo conspira contra a estabilidade das relações mercantis.    

O limite interno de expansão do capital foi previsto por Marx, quando vaticinou que a redução do trabalho abstrato a uma base miserável em quantidade (desemprego estrutural) e qualidade (capacidade do poder de compra em valor), devido à sua substituição preponderante pela máquina, faria voar pelos ares todo o sistema produtor de mercadorias. E tal limite foi atingido agora.
Por Dalton Rosado

Vivemos o momento de uma Sexta-feira Negra mundial diária, a qual, longe de auspiciosa, é sintoma de deflação sistêmica do valor e sinal dos últimos suspiros da sociedade mercantil capitalista, apesar desse moribundo demandar tempo para descer à sepultura (e de querer nos arrastar juntos para a tumba!).

3 comentários:

Anônimo disse...

A foto é da linha de produção do caça F35. Escolheu mal a foto, claramente não é uma linha robotizada e nesta foto aparecem dezenas de técnicos, basta colocá-la no tamanho normal. Provavelmente instalando os circuitos elétricos e eletrônicos do avião.

celsolungaretti disse...

Obrigado pelo toque e desculpe a nossa falha. A foto foi substituída.

celsolungaretti disse...

COMENTÁRIO QUE O DALTON ENVIOU POR E-MAIL E PEDIU PARA EU COLOCAR NO AR:

Caro Lungaretti,

Não posso deixar de dizer e agradecer a citação da frase do Betinho, que talvez nem tivesse maior domínio sobre economia política, mas que tinha grande sensibilidade humanista, e conseguiu formular uma frase genial, que nos mostra que basta essa lucidez para desvendarmos a verdade contida em questões complexas. Um primor de frase que você pinçou e que eu não conhecia , mas que vou guardar como bom exemplo de explicação sucinta para uma questão complexa.

Muito obrigado. Dalton Rosado

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