terça-feira, 16 de agosto de 2016

UM SAUDÁVEL DEBATE NO CAMPO REVOLUCIONÁRIO COM CELSO LUNGARETTI

"A troca do trabalho vivo pelo trabalho objetivado, quer dizer, a manifestação do trabalho social sob 
a forma antagônica do capital e do trabalho, é o
 último desenvolvimento da relação do valor e da
 produção baseada no valor." (Karl Marx)
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Entre revolucionários sinceros há sempre alguns pontos em comum: 
  • a crença nos efeitos deletérios do capitalismo;
  • a crença num modo alternativo de relação social;
  • a busca incansável, e até o limite das suas existências, da superação do capitalismo, que implica, sempre, numa retomada de eventuais caminhos fracassados ou lutas perdidas.
Estes são os pontos que nos unem, e a mim e ao Celso Lungaretti, embora tenhamos visões diferenciadas sobre alguns conceitos e formas de encaminhamento da luta pela superação do capitalismo. Isto não nos separa, mas nos une, porque nosso objetivo é o mesmo, e tenho a certeza que qualquer um de nós abdicará das suas verdades no momento em que verificar os possíveis enganos nos quais incidia e ver triunfar a viabilidade da emancipação dos indivíduos sociais a partir de uma saciedade fraterna; humanamente exequível; moralmente superior; e prazerosa no ócio produtivo, capaz de concretizar os mais belos voos do espírito humano.   

É justamente por este nosso propósito que vínhamos mantendo em off discussões sobre temas sociais que podem, contudo, ser publicizadas sem nenhum constrangimento, num debate público que considero saudável. Vejamos, p. ex., a questão da análise atual sobre a obra de Karl Marx.
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SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM DUPLO MARX
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Estou convencido de que há um duplo Marx, ou seja, um Marx da juventude, ainda tateando nas soluções políticas de enfrentamento do absolutismo governamental de sua época, na qual começavam os primeiros sintomas da primeira revolução industrial inglesa que viria a seguir, e outro, derivado de sua análise dos conceitos dos clássicos da economia política, que o levou à elaboração de sua crítica, cujo teor modificou o objeto de seus conceitos sobre o que deveria ser feito revolucionariamente.
   
Na primeira metade do século XIX, o mundo ocidental europeu estava convulsionado pela transição do modelo monárquico feudal para o modelo republicano como reflexo da revolução francesa. Os preceitos filosóficos iluministas, com suas bandeiras pseudo-libertárias de igualdade, fraternidade e liberdade, trazia como leitmotiv a necessidade de introdução do trabalho abstrato como forma de atendimento das exigências da emergente burguesia comercial e industrial. 

Marx, profundo conhecedor da filosofia e do direito graças à sua boa formação intelectual, e com seu sentimento de emancipação revolucionária que dividia o campo das ideias anti-monárquicas absolutistas (os socialistas utópicos e socialistas científicos; os jacobinos e girondinos; e por aí vai), interveio com ideias de aglutinação dos trabalhadores, mais numerosos, obviamente, que a classe patronal e seus representantes da política, no sentido de que eles tomassem consciência de suas próprias forças. 
É com a idade de 40 anos que têm início os estudos de Marx sobre a crítica da economia política, começando a se aprofundar na compreensão crítica sobre a natureza da forma-valor. Isto se deu a quando passou a residir em Londres, fugindo das perseguições. Teve, então, acesso ao que havia de melhor sobre economia (as obras dos economistas burgueses Adam Smith, David Ricardo, James Stuart Mill, e outros luminares no pensamento econômico e da positivação dos méritos da relação valor-trabalho) na melhor biblioteca do mundo, a British Library (hoje com mais de 150 milhões de itens), na qual passava horas e horas estudando os clássicos da literatura mundial. Assim ele pôde chegar a conclusões admiráveis.   

Os Grundrisse são rascunhos escritos por Marx em 1857/1958, com mais de 1.000 páginas, que serviram como base de estudos para a sua magnum opusO capitalEste primeiro estudo, destinado a anotações e reflexões, pela liberdade de exposição dos seus próprios pensamentos (ele não tinha a intenção de publicá-los, pois deveriam servir apenas como informações e conclusões a serem resumidas posteriormente), contém mais elementos de elucidação sobre a forma-valor do que o extrato sucinto contido nos três livros de O CapitalObserve-se que somente após a morte de Marx, em 1883, é que foram publicados os outros livros constitutivos de O Capital, graças aos esforços de Friedrich Engels, seu companheiro de lutas, e os Grundrisse já bem depois da 1ª Guerra Mundial.  

As conclusões sobre o conteúdo do O Capital geralmente excetuam a importância da primeira parte, que trata do fetichismo da mercadoria e se constitui num importante elemento da teoria marxiana do valor. O excerto dos Grundrisse, intitulado Contribuição para a crítica da economia política, pouco divulgado (apesar de publicado), é certamente um testemunho da virada de Marx no que diz respeito ao caráter político de suas obras anteriores. 

Ali, ele demonstra o quão negativa é a relação social sob a forma-valor e, consequentemente, a sua administração política sob qualquer forma. Aqui, nasce outro Marx, cuja correta interpretação nos dá uma nova concepção de luta contra o capitalismo. 

Os marxistas tradicionais que se situam no campo da crítica aos modus operandi pós-revolucionários, avaliam que houve uma deturpação burocrática do combate ao capitalismo por dirigentes como Stalin e Mao Tse Tung; já os adeptos da crítica radical à forma-valor e à dissociação de gênero, adeptos das teses marxianas da crítica da economia política, admitem que o capitalismo de estado praticado pelos revolucionários marxistas-leninistas não poderia gerar outra coisa senão uma inevitável abertura para o capitalismo liberal, graças à necessidade de expansão que os fundamentos capitalistas exigem como forma de sobrevivência. Esta é a divisão de concepções no campo marxista.

A compreensão de Marx sobre a natureza da forma-valor fê-lo compreender que a questão principal não é a luta pela justa distribuição do dinheiro, coisa impossível de acontecer graças à sua essência autotélica, tautológica, e de necessidade de uma eterna acumulação na qual, tal qual um moloch insaciável, ele transforma a riqueza material (o objeto em si) em riqueza abstrata (a mercadoria) e assim encaminha a destruição da sociedade a partir de seu modo de relação social destrutivo e autodestrutivo; fê-lo compreender que a questão é a superação da própria forma-valor (dinheiro e mercadorias) como modo de relação social e não a sua administração. 

Esse entendimento muda completamente todas as concepções marxistas tradicionais (e suas variantes trotskistas, anarquistas, etc.) de luta política, que entronizou e endeusou o trabalho e o trabalhador como sujeitos da emancipação. A crítica à forma-valor defende um modo de relação social de produção livre das amarras fetichistas do sujeito automático dessa mesma forma-valor, mensuração abstrata da riqueza material. Tal concepção altera totalmente os métodos de luta revolucionária, sem abdicar dela, mas, ao contrário, tornando-a consistente no longo prazo, ainda que mais difícil de ser compreendida. 

A teoria crítica da forma-valor e sua luta revolucionária, embora seja de mais difícil compreensão teórica, agora vê seus postulados se aproximarem da realidade, no momento em que o capital, cujo Deus é o trabalho, nega-o aos seus súditos. 

Estamos mais próximos da aurora da emancipação humana, e esperamos que isio ocorra antes de sucumbirmos na barbárie capitalista; e, se assim for, terá sido Marx quem mais contribuiu teoricamente nesse sentido. 
Por Dalton Rosado

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