segunda-feira, 25 de julho de 2016

O PRESIDENTE TEMERÁRIO E A ESQUIZOFRENIA DA LÓGICA CAPITALISTA

Por Dalton Rosado
"As coisas são tão fortes! Mas eu
não sou as coisas, e me revolto."
(Carlos Drummond de Andrade, Nosso tempo)
Os políticos governantes obedecem ao comando fetichista da lógica do capital; nós também agimos da mesma forma enquanto conceitos e modo de vida, enquadrados que estamos à vida mercantil. Trata-se de uma lógica reificada, de coisas que ganham vida e comandam as nossas vidas. Um tipo especial de esquizofrenia social.   

Todos os governantes, dependentes que são da lógica capitalista (na qual a mediação social é feita pela forma-valor: mercadoria e dinheiro), agem de acordo com os conceitos da ciência social econômica. Não seria diferente disto com o governo do Presidente Temerário, da mesma forma como não seria com qualquer governo de esquerda. 

Vale, neste sentido, lembrarmos a boa vontade dos recentes governos petistas para com os detentores e mantenedores do capital, numa tentativa de conciliação com Mefistófeles (os dirigentes do partido já deveriam estar carecas de saber que, como Goethe explicou, tais pactos sempre terminam mal!).  

E, quando há uma exceção a isto, como na administração popular de Maria Luíza Fontenele em Fortaleza (1986/1988), ela é sufocada pela direita, pela própria esquerda, pelos poderes constituídos, pelo poder econômico, pelo sistema financeiro oficial e privado. Termina isolada e expulsa como um vírus estranho ao organismo.  

Se perguntarmos a qualquer pessoa medianamente informada ou àquelas que tenham pretensões de dar pistas sobre a saída da crise social, principalmente aos ditos cientistas políticos (expressão inventada pela mídia para dar uma aparência de sapiência a palpiteiros sociais acumpliciados com o sistema), que respostas obteríamos? 

Apenas e tão somente as muitas e diferenciadas propostas que se circunscrevem ao universo da ciência econômica (cada economista ou cientista político dá seu douto pitaco e, parafraseando o delicioso Coco Praieiro de Marcus Accioly e Cussy de Almeida, "um mais um é igual a zero/ tire a prova se restar"...). 
Cientistas políticos: "palpiteiros acumpliciados com o sistema".

Nenhuma dessas teses se aventura a fazer como Cristóvão Colombo, que saiu do universo das regras pré-estabelecidas da impossível exigência de colocação do ovo em pé, quebrando a sua base e resolvendo o impasse. É que todos os raciocínios partem do pressuposto básico e equivocado de que a vida social somente é possível a partir das teses econômicas e sua mediação social pelo dinheiro e mercadorias. É a prisão do pensar pela matriz fetichista. 

Quais as medidas sociais aplicadas às atividades privadas e às finanças públicas ditadas pela ciência econômica, visando uma pretendida retomada do desenvolvimento econômico e preservação do Estado? São sempre as mesmas, geradoras de impasses sociais decorrentes do receituário tradicional. 

Delas inevitavelmente resulta a imposição de maiores sacrifícios a uma população já exaurida economicamente. Restringem-se a dois campos:
a) no campo privado seguem-se as regras de mercado, com a migração dos meios de produção para áreas de mão-de-obra barata ou sobrevivência com o uso de alta tecnologia na produção e reserva de mercado (direito de patentes), tudo ajustado à busca do enquadramento aos ditames da concorrência internacional de mercado a partir de medidas consentâneas com as ordens ditatoriais da lógica do sistema produtor de mercadorias. 
E no fã-clube do Henrique Meirelles...
A tônica é a redução de custos de produção via aumento da produtividade per capita (maior produção de mercadorias num mesmo tempo de trabalho abstrato e exacerbação da extração de mais-valia relativa) ou trabalho escravo, que é o que determina quem vai viver e quem vai ser considerado supérfluo, e assim, sentenciado à morte como pária social; 
b) no campo estatal e das finanças públicas seguem-se os sacrifícios sociais da compatibilização entre receitas e despesas (com os indispensáveis mimos aos políticos), de modo a que o estado seja preservado como instrumento indispensável à regulação da vida social mercantil. 
Aí se incluem até os atendimentos às demandas sociais vitais. Não é por menos que profissionais competentes nesse ofício, como Henrique Meireles, o ex-executivo mor do grupo Rockfeller para a América latina, vem servindo igualmente a vários governos que supostamente têm pontos de vista diferenciados, como o de Lula e o de Michel Temer. 
Temos, hoje, dois exemplos flagrantes dessa postura que está sendo comum a todos os países, na corrida desesperada pela sobrevivência na lógica mercantil em decomposição. Hoje, na França, a principal causa das greves no governo socialista de François Hollande é a desregulamentação dos direitos trabalhistas visando à redução de custos de produção de mercadorias.
A agonizante CLT poderá ser mais precarizada ainda

No Brasil do Presidente Temerário, ele tenta dourar a pílula com o discurso de salvação nacional e, estabelecidas as condições de consenso parlamentar, se revigora a tese da desregulamentação da Convenção Coletiva do Trabalho (CLT), arguindo-se a inevitabilidade de tal medida em decorrência da necessidade de se restabelecer a competitividade nacional mercantil diante da concorrência mundial, que imporia tal condição. 

Isto, aliás, não deixa de ser verdade, mas expõe a negatividade inerente ao sistema e as vísceras de sua natureza segregacionista. E é um sofisma alegar que as regras continuarão sendo as mesmas, mas com a flexibilização das negociações entre o empresariado e os trabalhadores.

O diretor da Confederação Nacional da Indústria, Alexandre Furlan, lembrou que a reforma trabalhista e a regulamentação da terceirização fazem parte da agenda do setor produtivo, entregue a Temer. Ele afirma que o debate em torno desse tema não pode ser ideológico, e se deve levar em conta o aumento da produtividade. Segundo ele, “se simplesmente proteger o trabalhador, esquecendo a sustentabilidade das empresas, a competitividade e a produtividade no ambiente de trabalho, você não conseguirá avançar para uma relação de trabalho mais moderna”. Ou seja, o trabalhador tem de se sacrificar para salvar o seu emprego e a empresa. 

Perguntamos nós: não seria melhor acabar de vez com o trabalho e a empresa produtora de mercadorias, substituindo-os por outra forma de produção social, ao invés de insistir na aceitação do cadafalso como forma de sobrevivência? 
"Liberdade de a raposa negociar com as galinhas"
Obedecendo a orientação sistêmica, o líder do governo na Câmara Federal, Deputado Júlio Lopes, depois de conversar com o Presidente Temerário, apresentou no mês passado um projeto de lei (4.962) que altera o artigo 618 da CLT que trata das convenções coletivas de trabalho. A proposta está sendo avaliada pela Comissão do Trabalho em caráter terminativo. 

O texto, que tem tudo para ser aprovado na Câmara Federal, seguirá depois para o Senado, no qual deverá receber apoio consensual. Tal projeto tem, inclusive, o apoio do presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Trata-se da defesa institucional da liberdade de a raposa negociar com as galinhas a sobrevivência destas últimas, na arena livre do galinheiro.    

Fica cabalmente demonstrado que a única saída para o trabalhador é:
a) negar o próprio trabalho e se desvencilhar da própria condição de trabalhador, trocada pela de homem livre e consciente do seu papel na sociedade enquanto produtor de bens e serviços indispensáveis à vida; 
b) negar a política, os partidos, o voto, o Estado, e todos os seus construtos opressores; 
c) negar o dinheiro e a produção de mercadorias, convertendo os seus esforços físicos (que hoje estão enfeixados numa categoria capitalista denominada mercadoria força de trabalho) em atividades naturais e socialmente contributivas.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails