Em sua coluna desta 5ª feira (2), o veterano jornalista Jânio de Freitas alerta para a insegurança jurídica que o próprio Supremo Tribunal Federal cria, ao descumprir seu regimento interno no tocante a prazos.
Quando um ministro pede vista de um processo, p. ex., deve devolvê-lo duas sessões depois —e não um ano e meio depois, como fez Gilmar Mendes, quando sentou em cima do referente ao financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas.
Mas, a postergação é uma prática frequente quando o STF é chamado a se manifestar sobre questões melindrosas.
Eis, nas palavras de Jânio de Freitas, algo que interessa particularmente aos que não nos conformamos com a impunidade eterna dos torturadores da ditadura de 1964/85: se a Lei da Anistia de 1979 tinha ou não o direito de livrar a cara dos agentes do Estado que executaram resistentes e deram sumiço em seus restos mortais. São crimes que, segundo a lei comum, não prescrevem. Poderiam ser abrangidos pela anistia? Leiamos.
"O Conselho Federal da OAB, representado pelo jurista Fábio Konder Comparato, entrou no STF com um recurso chamado embargo de declaração. A causa pediu a definição do Supremo sobre a inclusão na anistia, ou não, de crimes de desaparecimento forçado de pessoas e de ocultação de cadáver. São crimes continuados ou permanentes, não se considerando encerrados até que o sequestrado reapareça ou o cadáver seja encontrado. Questão importante sobre a extensão da anistia.
Relator, o ministro Luiz Fux retém o processo há quatro anos. O RI determina que tal recurso seja julgado na primeira sessão ordinária após seu recebimento.
Diante disso, o PSOL entrou com novo recurso, para saber se a demora do julgamento representa recusa de prestação de justiça. O ministro Dias Toffoli recusou o recurso.
Mais um recurso dirige-se agora ao Conselho Nacional de Justiça. Entre advogados, não falta quem aposte em que o CNJ vai se declarar impossibilitado de decisão sobre o STF.
Se não há prazo aqui, restará o recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde o Brasil está condenado desde 2010, pelos crimes do Exército na caça à guerrilha do Araguaia. A Corte, aliás, já declarou inepta a interpretação da Lei da Anistia pelo Supremo.
Quase se pode dizer que ninguém, entre os recorrentes ao Supremo, consegue saber o que ali sucederá com o seu processo. Depende muito de quem seja o ministro sorteado para relatá-lo. Depende de quem ou o que figure na causa. Depende de qual seja a causa.
Não é assim com todos os ministros, mas seria temerário dizer que só é assim com um ou outro.
Se ministros do Supremo não cumprem o Regimento Interno do Supremo em um ponto fundamental, e os cidadãos, por consequência, não têm garantias sobre a tramitação dos seus eventuais processos, não há segurança jurídica. E a verdadeira insegurança jurídica começa no Supremo Tribunal Federal".
Mas, não nos iludamos. Mesmo que vençamos tal batalha jurídica, que se prenuncia longa, haverá bem poucos assassinos e ocultadores de cadáveres para responderem por seus crimes; a grande maioria já morreu ou morrerá nesse meio termo. Nossa justiça, infelizmente, não alcança quem está no inferno.
E, se hoje é fácil provarmos que a tortura era uma política de Estado durante os anos de chumbo e não iniciativa autônoma dos torturadores, o mesmo provavelmente não se dará quanto às execuções e sumiços de restos mortais. Certamente tal ordem não foi passada por escrito pelos superiores; provavelmente, nem sequer dada em termos explícitos. Então, tudo leva a crer que apenas lambaris seriam incriminados, com os peixes grandes permanecendo a salvo.
Temos, contudo, de levar em conta o precedente jurídico que deixaremos para o futuro. Neste sentido, seria positivo se, pelo menos, alguns dos torturadores fossem levados aos tribunais e às prisões.
E, principalmente, não podemos descansar até conseguirmos reverter a grotesca decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2010 considerou válida a auto-anistia com a qual os torturadores e seus mandantes, em pleno regime de exceção, muniram-se de habeas corpus preventivos, já pensando em driblarem a justiça depois que a ditadura terminasse.
Os argentinos acabam de condenar um ex-ditador octogenário a 20 anos de prisão. Nós não tivemos brios nem mesmo para cumprirmos a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exigiu investigação rigorosa sobre como foram exterminados cerca de 60 guerrilheiros no Araguaia (a grande maioria capturada com vida e executada a sangre-frio) e qual o destino dado a seus restos mortais.
José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff serão lembrados como presidentes que puderam, mas não quiseram (ou temeram) dar um desfecho diferente a essa página vergonhosa da nossa História.
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