A INSUBSISTÊNCIA DA RIQUEZA ABSTRATA
(Hegel,
em História da filosofia)
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As pessoas em geral
não se apercebem que o valor (dinheiro e mercadorias) é uma abstração que se
torna real.
Mas o fato de se tornar real, ou seja, de se imiscuir num sentido prático na vida das relações sociais de modo sensível (como um pão; uma cédula de dinheiro; ou um cartão de crédito) não significa que deixe de ser abstração; de ser um produto da mente que se apodera do concreto; ou ainda, e melhor dizendo, de ser uma convenção numérica valorativa (um quantitativo de valor expresso em dinheiro) que interfere num objeto concreto necessário ao consumo humano, transformando-o em mercadoria (com valor de uso, seu lado concreto e, concomitantemente, com valor de troca, seu lado abstrato, numericamente definido).
Assim, tal abstração passa a ser uma relação entre coisas valoradas e levadas ao mercado pelas pessoas, e não uma relação entre pessoas diretamente. São coisas, objetos inanimados, que ganham vida, e que passam a dominar as pessoas numa relação fetichista sem que elas sequer o percebam.
A abstração domina o concreto como forma de relação social, negativamente, na medida em que se torna mais importante do que o objeto concreto (um quilograma de alimento, p. ex.), posto que, tal objeto apenas serve como instrumento utilitário à existência da riqueza abstrata.
Mas o leitor pouco afeito a questões filosóficas perguntaria: e daí? Onde está a negatividade desse mecanismo de relação social, aparentemente um ganho civilizacional das sociedades?
Além do caráter fetichista da riqueza abstrata (expressão usada por Marx numa analogia ao fetichismo religioso dos aborígenes que adoravam os totens de pedras por eles construídos e aos quais atribuíam poderes divinais em nome dos quais faziam sacrifícios humanos) que submete os indivíduos sociais aos ditames ditatoriais de uma relação entre coisas (as mercadorias), a negatividade da riqueza abstrata se manifesta em vários outros aspectos, senão vejamos:
Mas o fato de se tornar real, ou seja, de se imiscuir num sentido prático na vida das relações sociais de modo sensível (como um pão; uma cédula de dinheiro; ou um cartão de crédito) não significa que deixe de ser abstração; de ser um produto da mente que se apodera do concreto; ou ainda, e melhor dizendo, de ser uma convenção numérica valorativa (um quantitativo de valor expresso em dinheiro) que interfere num objeto concreto necessário ao consumo humano, transformando-o em mercadoria (com valor de uso, seu lado concreto e, concomitantemente, com valor de troca, seu lado abstrato, numericamente definido).
Assim, tal abstração passa a ser uma relação entre coisas valoradas e levadas ao mercado pelas pessoas, e não uma relação entre pessoas diretamente. São coisas, objetos inanimados, que ganham vida, e que passam a dominar as pessoas numa relação fetichista sem que elas sequer o percebam.
A abstração domina o concreto como forma de relação social, negativamente, na medida em que se torna mais importante do que o objeto concreto (um quilograma de alimento, p. ex.), posto que, tal objeto apenas serve como instrumento utilitário à existência da riqueza abstrata.
Mas o leitor pouco afeito a questões filosóficas perguntaria: e daí? Onde está a negatividade desse mecanismo de relação social, aparentemente um ganho civilizacional das sociedades?
Além do caráter fetichista da riqueza abstrata (expressão usada por Marx numa analogia ao fetichismo religioso dos aborígenes que adoravam os totens de pedras por eles construídos e aos quais atribuíam poderes divinais em nome dos quais faziam sacrifícios humanos) que submete os indivíduos sociais aos ditames ditatoriais de uma relação entre coisas (as mercadorias), a negatividade da riqueza abstrata se manifesta em vários outros aspectos, senão vejamos:
a) caráter insensível à realidade — o objeto teleológico da abstração valor é a sua reprodução autotélica, ou seja, enquanto capital precisa estar em contínuo crescimento de si mesmo, ad infinitum, indiferentemente a qualquer função social, para manter-se em pé. Daí o dito popular dizer, intuitivamente, que “a medida do ter nunca enche”. Isso significa que não importa se se fabricam bombas ou remédios; cocaína ou alimentos; se se agride a ecologia ou se se destrói os recursos naturais renováveis, pois o vital para sua existência é a sua reprodução contínua aumentada, que no seu desiderato insensível torna-se destrutiva e passa por cima de tudo, tornando os indivíduos sociais inconscientes dessa destruição ou impotentes para detê-la dentro de sua lógica autofágica;
b) caráter segregacionista — para atingir o seu desiderato autotélico de necessária acumulação abstrata só existe uma forma: a apropriação cumulativa de parte do valor produzido através desse ente de simultânea personalidade concreta e abstrata —a mercadoria— que por sua vez nasce de outra mercadoria, concomitantemente abstrata e concreta, qual seja a força de trabalho humana transformada em valor, e que se materializa, objetiva-se numa coisa qualquer mensurada numericamente em valor através do dinheiro no mercado (como uma cadeira vendida, p. ex.). Tudo que é concreto, nesse universo de conceitos, é transformado em abstrato, ou melhor, é essencialmente abstrato, por natureza, e o que é concreto passa apenas a servir ao objeto teleológico da abstração. Assim, a acumulação da riqueza abstrata produzida pelo capital, implica, necessariamente, na subtração social coletiva dela mesma, ou seja, implica na sua não distribuição social equitativa, razão de ser da miséria social histórica da relação social sob a égide da riqueza abstrata, também conhecida como capitalismo;
c) caráter destrutivo — a riqueza abstrata é essencialmente destrutiva porque é socialmente segregacionista, e qualquer simplório desenvolvimento de um raciocínio lógico pode deduzir que se se produz socialmente bens que são representados por riqueza abstrata (valor —dinheiro e mercadorias) e esses bens venham a ser apropriados a partir de uma lógica cumulativa crescente e excludente, uma parte cada vez maior de produtores ficará privada do acesso a esses bens, fenômeno que aponta, num ponto futuro, para a criação de um contingente humano cada vez maior por ela excluído (pela riqueza abstrata), provocando a destruição social sob sua forma (anomia e barbárie);
d) caráter autodestrutivo — a produção e manutenção da riqueza abstrata (como tudo que não é natural) é, também, contraditória em si, pois a sua necessidade de crescimento infinito esbarra na sua própria finitude, apontando para o momento da sua impossível reprodução cumulativa. A tendência de necessário crescimento da riqueza abstrata para sua manutenção em pé (tal qual a velocidade é necessária para manter uma bicicleta em pé) atinge o seu limite interno absoluto (Marx) quando o nível de produtividade das mercadorias pelo trabalho morto (das máquinas) torna a trabalho abstrato produtor de valor uma base miserável, concomitantemente ao declínio ou limite da capacidade humana de consumo de mercadorias. Este é o seu ponto de autodestruição da forma, e ele foi agora atingindo.
Já os filósofos gregos, que assistiram
ao surgimento embrionário da relação social abstrata da forma valor (dinheiro e
mercadorias) há 3 mil anos, denunciavam a sua negatividade, e foi Sófocles (1) quem
sentenciou:
Será que os instruídos seres humanos
desse início de século XXI não saberão compreender e superar a negatividade da
riqueza abstrata que ora os destrói?"Nunca houve instituição tão fatal aos homens como o dinheiro. É ele que arruína as cidades; é ele que expulsa as pessoas de suas moradias; é ele que seduz e que atormenta os espíritos virtuosos dos homens e os leva a cometer ações vergonhosas. Instiga-os sempre à vilania e à prática de todas as impiedades".
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1. citação feita por Marx, no livro Contribuição para a crítica da economia política, Edições Martins Fontes, 1983, pág. 314.
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