terça-feira, 26 de abril de 2016

PARADOXO: A ESQUERDA CHORA POR UM GOVERNO QUE NÃO FOI DE ESQUERDA.

LÁGRIMAS DA ESQUERDA
O que me surpreende nessa novela do impeachment é que a esquerda ainda defenda a desastrada gestão de Dilma Rousseff.

O governo do PT meteu-se com esquemas pesados de corrupção e mostrou-se administrativamente incompetente. Alega-se que Dilma, como pessoa física, é honesta –com certeza mais honesta do que muitos dos que agora a condenam. Não duvido. Mas isso é muito pouco para transformá-la num modelo de virtude cívica. 

Ou bem a presidente é uma tonta, que não viu que pessoas ligadas ao partido e ao governo estavam se locupletando, ou então foi conivente com a corrupção. É verdade que os esquemas já existiam antes de ela chegar ao Planalto, mas a posição virtuosa aqui teria sido a de detoná-los publicamente, não tolerá-los em nome da governabilidade.

Para tornar o quadro ainda mais dramático, acho complicado até mesmo afirmar que as administrações do PT buscaram implementar políticas de esquerda. Parece mais preciso descrevê-las como populistas. Enquanto os ventos sopraram a favor, elas distribuíram benesses para todos –muito mais dinheiro foi destinado para empresários do que para os pobres, registre-se.

Em 13 anos de governos petistas, pautas históricas da esquerda, como o direito ao aborto e a descriminalização das drogas, foram tratadas como tabu pelo Executivo. O PT tampouco hesitou em sacrificar bandeiras que lhe eram caras, como a educação sexual nas escolas, sempre que seus aliados religiosos chiavam.

O caso do sindicalismo chega a ser grotesco. Nada foi feito pra implementar a convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada no longínquo ano de 1948, que estabelece a liberdade sindical e que era defendida com unhas e dentes por Lula e pela CUT até chegarem ao poder.

Se há alguém que não deveria derramar nenhuma lágrima pelo governo Dilma, é justamente a esquerda.

MEU COMENTÁRIO  Desta vez, o filósofo Schwartsman acertou na mosca. Não há nada, absolutamente nada, a contestar. Permito-me, apenas, acrescentar una cosita y otra cosita...

O pecado original do Partido dos Trabalhadores, do qual derivaram quase todos os outros, foi cometido em 2002, quando o Zé Dirceu se reuniu com os donos do Brasil e, em nome do Lula, pactuou com eles: se dessem o consentimento e as bençãos para o PT finalmente chegar à Presidência da República, a política econômica que os favorecia seria mantida e seus interesses sempre priorizados. 

João Goulart fez concessão semelhante em 1961: como vice, tinha o direito de assumir a presidência com poderes plenos quando da renúncia do titular (Jânio Quadros), mas aceitou que estes fossem limitados pela introdução do parlamentarismo em setembro daquele ano. Depois, contudo, convocou um plebiscito e o presidencialismo foi restabelecido em janeiro de 1963.

Lula, pelo contrário, resignou-se a ser presidente pela metade até o último dia dos seus sucessivos mandatos: obedecia ao grande capital na tomada das decisões macroeconômicas  e só tinha autonomia para gerir as miudezas do varejo.

Isto explica a postura, bizarra para um partido de esquerda, de possibilitar que os bancos lucrassem como nunca ao longo dos seus governos. E o pior foi que ele próprio o reconheceu, na cara dura, ao queixar-se da ingratidão dos banqueiros!

Mesmo sendo um período bom para as commodities brasileiras, não havia o suficiente para satisfazer a gula insaciável dos ricaços, dar algumas migalhinhas a mais para o povão e melhorar a vida da classe média. Lula optou pelos extremos: agradou àqueles a quem deveria servir para continuar no poder e àqueles que enchiam as urnas com votos para o PT. Mandou a classe média às urtigas.

A consequência foi esta, segundo o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad: 
"...os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram".
O que Lula não levou em conta, com seu tosco pragmatismo, é ser a classe média o contingente do qual brotam os formadores de opinião (além de ser também importante para os partidos de esquerda como celeiro dos seus quadros dirigentes). O preço de haver colocado a classe média acentuadamente contra si foi a perda das ruas a partir de 2013 e o gradativo convencimento dos mais pobres, de que o governo não prestava.

O estelionato eleitoral de 2014 e a agudização da crise econômica deram aos novos líderes da classe média os argumentos que lhes faltavam para moldar a opinião do povo, no sentido de que a grande culpada por sua penúria era Dilma. Isto feito, a consumação do impeachment se tornou mera questão de tempo.

Mais do que qualquer tramoia sinistra ou golpe inverossímil (pois o episódio atual é idêntico ao de 1992, que não foi considerado pelo povo nem passou à História como golpe), a queda iminente de Dilma se deve à descaracterização do PT, que quis porque quis gerenciar o Brasil para os capitalistas, mesmo que isto implicasse sua total descaracterização como partido de esquerda.

De que outra forma podemos avaliar o abandono da luta de classes, trocada pela conciliação de classes? Ou o fato de ter deixado de encarar a burguesia como a grande inimiga a ser derrotada, enquanto a vacilante classe média poderia, pelo menos em parte, ser conquistadaPara qualquer marxista digno deste nome, é totalmente estapafúrdia a proximidade maior com o inimigo de classe do que com os segmentos intermediários da sociedade.

Mas, se o petismo é inescrupuloso e desastroso em termos estratégicos, tem enorme habilidade para manipular seguidores por meio da mais falaciosa propaganda enganosa, seguindo as pegadas de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Reich nazista. Foi o que se viu na eleição presidencial de 2014 e é o que está se vendo agora.

Então, já sem esperança nenhuma de reverter a derrubada de Dilma, consegue, com a fábula do golpe, fazer passarem por tragédia as agruras de um governo que está, meramente, caindo de podre. 

É do que precisa para tentar manter sua hegemonia na esquerda face aos questionamentos que inevitavelmente advirão do seu retumbante fracasso. 

Se a empulhação colar e o processo de crítica e autocrítica deixar de ser levado às últimas consequências, não haverá o imprescindível saneamento e renovação, a chamada refundação da esquerda, mesmo que os caminhos populistas e reformistas a tenham conduzido ao fundo do poço. A opção revolucionária não será retomada e a luta de classes vai continuar sendo lembrada apenas como relíquia do passado.

Será a marcha para a irrelevância. (Por Celso Lungaretti)

6 comentários:

Valmir disse...

e pensar que toda a lambança que fizeram, segundo eles mesmos, era para preservar a, com perdão da má palavra, governabilidade...

Os petistas contestam o impeachment "argumentando" que a presidenta lá deles não foi pega com a boca na botija, ou a mão na massa nem dinheiro na cueca..
Uai sô..pelo que sei Hitler também não tinha uma multa de transito sequer..e não consta que tenha matado nem uma mosca,era vegano, nem nunca deu uns tapas na Eva Braun. Por essa "lógica" não poderia ser condenado nem a 10 cestas básicas (aliás, Joseph Mengele, o anjo da morte de Auschwitz. foi pego aqui, em 1978, pela Policia Federal. em Praia Grande/SP e mandado pra casa com uns tapinhas nas costas pela justiça federal - o Mossad foi atrás e acabou com o serviço pq nesse ponto já sabia o que esperar da justiça brasileira) ...Ahhh sim; Charles Manson condenado a prisão perpetua pela chacina na casa de Roman Polanski e do dentista azarado também não matou ninguém, nem mesmo estava na cena dos crimes. Tudo isso sem falar no caso mais notório desse tipo de situação que foi...Al Capone. Injustiça????

Valmir disse...

eles choram mesmo é pela dinheirama para UNE, os "artistas" com a lei rouanet, os cargos em comissão e toda sorte de maracutaia mais ou menos legal que usufruem...essa é praticamente a unica esquerda que existe;;;

celsolungaretti disse...

As circunstâncias desvirtuaram muito a companheirada, "o poder corrompe", etc. e tal. É por isto que coloco minhas esperanças muito mais nas novas gerações, embora tenha a certeza de que alguns idealistas sobraram do incêndio.

E, para a esquerda se reerguer, é fundamental a adoção de uma postura diferente diante dos recursos do Estado e de instituições como sindicatos e ONGs. Ter acesso a grana fácil poupa tempo e dá mais amplitude à atuação, mas o impacto é extremamente negativo junto àqueles que dão duro para garantir a sobrevivência. A esquerda terá de reaprender a prescindir desses recursos.

Valmir disse...

Se PT tivesse sido uma enorme armação da direita (como dizem certos adeptos das teorias da conspiração - Brizola inclusive - que afirmam que a própria criação do partido foi resultado de manobras do SNI via Golbery do Couto e Silva mais a CIA americana, para neutralizar o antigo PCB entre os metalúrgicos de SP, com Lula sendo um tipo de Cabo Anselmo)..se assim fosse não teria sido melhor o resultado colhido pelos conspiradores da direita conservadora, no objetivo de desmoralizar e desacreditar qqr ideia de poder popular ou de esquerda democrática. O PT cumpriu sua missão com absoluta perfeição;

celsolungaretti disse...

Valmir,

eu não iria tão longe. O Golbery tinha mesmo essa mania de estimular o crescimento do "menos inimigo" para contrabalançar o do "mais inimigo".

Então, avisou o Frias pai que o Geisel levantaria a censura, aconselhando-o a mudar a linha editorial da "Folha", guinando um pouco para a esquerda. Queria evitar que o Estadão surfasse sozinho nas águas da abertura; e conseguiu, pois quem acabou crescendo mais a partir de meados da década de 1970 foi a "Folha".

E o Golbery via como mais perigosa a liderança do Brizola. Então, como a tal abertura do Geisel não ficaria completa se não permitisse a volta do gaúcho, o Golbery tratou de inflar o Lula para esvaziar o Brizola. Isto era fácil de perceber na época.

No entanto, jamais tomei conhecimento de qualquer prova ou evidência de que houvesse algum acerto entre o Lula e o Golbery. Eram boatos e suposições, na linha de que "quem lucrou com o crime só pode ser o criminoso".

Mauro Julio disse...

O problema da esquerda é que ela é uma religião política. Como religião despreza dados fundamentais sobre a alma humana. ( Há mais no universo do que imagina a nossa vã filosofia - Shakespeare). Ela não reconhece que os humanos, como os outros animais já está pronto. Por isso quer fazer dele um objeto de sua ideologia, contrariando o sagrado: a nossa natureza. Por essas e outras, os países socialistas radicais faliram, pois neles, ao se contrariar a natureza humana, a nossa ambição, a nossa individualidade, mata-se a criatividade e a produtividade. Resultado: atraso e pobreza. Mesmo no socialismo democrático, a coisa complica para o progresso, pois nele se cria muitas obrigações e direitos, o que faz com que o estado fique muito grande, burocratizado e oneroso, tendo que se cobrar impostos demais de quem produz e gerando muita corrupção.
Enfim, no século XVIII e XIX se criou muitos mitos a partir de filosofias sociais, que ainda hoje são levados em conta por pessoas frágeis culturais e emocionais.

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