NO ÚLTIMO CÍRCULO DO INFERNO
Se Dante Alighieri fosse um cronista da realidade brasileira diria que o Brasil chegou ao último círculo do inferno.
Eu, que conheço a realidade brasileira melhor do que ele, temo que seja possível afundar ainda mais.
É o que insinua, por exemplo, a pesquisa do Datafolha sobre a posição dos deputados a respeito do impeachment : hoje por hoje, não há número suficiente nem para aprovar o afastamento de Dilma Rousseff nem para barrá-lo.
Se essa situação se mantiver na hora da votação em plenário, ficaríamos assim: a oposição sem força para derrubar o governo, por sua vez sem força para governar, em minoria no Congresso e na sociedade.
Por si só, já seria o penúltimo círculo do inferno, mas há que se acrescentar o panorama socioeconômico, caracterizado pelo que o banqueiro Roberto Setúbal define, adequadamente, como a maior recessão em um século e suas inescapáveis consequências (aumento do desemprego e da pobreza).
Desceríamos pois um degrau no inferno.
Segundo me diz gente do governo, o impeachment passará na comissão que o avalia. É natural: nela basta a maioria simples.
Já no plenário, sempre segundo o que se ouve no governo, a coisa está "infernalmente complicada".
Meu palpite, tão bom ou tão ruim quanto qualquer outro: repetir-se-á, no caso do impeachment, o que aconteceu na votação da emenda das Diretas Já, em 1984. A maioria votou pela emenda, mas faltaram 22 votos para que ela alcançasse os dois terços necessários.
Se esse palpite estiver certo, Dilma fica e, com ela, fica o inferno.
A oposição, enraivecida até o ódio, aliás devolvido pela situação, não se conformará e continuará na rua; Eduardo Cunha liberará outras propostas pelo impeachment; o processo de cassação da chapa Dilma/Temer será apressado por um TSE agora presidido por Gilmar Mendes, chefe da oposição no Judiciário.
Enquanto isso, fora da ruína que é o universo da política, a crise continuará corroendo a vida do brasileiro, até porque "o governo da economia é um assunto morto", como escreveu na sexta-feira (8) esse excelente Vinicius Torres Freire.
Continuará morto depois da votação do impeachment, mesmo com resultado favorável, porque, primeiro, a prioridade do governismo continuará sendo evitar a sua morte política e, segundo, porque já ficou demonstrado que não tem capacidade para reverter o infernal cenário econômico.
Mesmo na hipótese de que o impeachment passe, o que produzirá algum alívio entre agentes de mercado e líderes empresariais, o inferno não ficará para trás.
Primeiro porque Michel Temer, o sucessor, também será acossado por processos legais, entre eles o de seu próprio impeachment. E, segundo, porque o seu projeto econômico soa muito como o austericídio adotado na Europa e que provocou substancial devastação social.
Repito: só eleição é o caminho. Talvez seja uma utopia, mas é sempre melhor que o inferno. (por Clóvis Rossi)
3 comentários:
Celso,
Acredito que o cronista exacerba nas cores visando dar dramaticidade ao texto.
A trajetória, se não está em aclive, é no mínimo horizontal.
O mais essencial a entender é que estamos em outro patamar de civilização e tecnologia.
Cito o articulista Dalton Rosado no seu "Marx Esotérico tinha razão" publicado aqui mesmo no blog.
"A contínua busca pelo capital da redução do tempo de trabalho necessário (...) para oportunizar o tempo de trabalho excedente (...), mas que elimina postos de trabalho graças ao uso da tecnologia, hoje exacerbada ao extremo".
A isso acresço que a velha teoria monetarista de exigir "lastro" para moeda já foi devidamente sepultada pelos Quantitative Easing aplicados no mundo.
(Até a Hungria já está deflacionária.)
Logo não será um bando de corocas sebosos e ciosos do "padrão ouro" quem fará frente a bareateação do dinheiro.
A moeda fiduciária, cujo único aval é o Estado (baseada, portanto, na violência estatal), será produzida e dustribuida a mancheias.
E os apocalípticos do deficit e de superávits não se calarão, porque nunca se calam, mesmo diante dos fatos, mas perderão todas as apostas no pior.
O capitalismo engendrou sua própria destruição, não porque as pessoas se uniram, mas por ter aumentado tanto a produtividade que só lhe resta facilitar a compra.
Só lhe resta o fetiche da mercadoria e ilusão de ganho nas trocas comerciais...
Um fim bem menos emocionante, do que preconizavam os exaltados líderes revolucionários de antanho.
Líderes esses que, a história mostra, não viviam (e nem vivem) em harmonia com o que pregaram ou pregam.
Como já disse uma vez, os tempos são sombrios (sombras de mau-caratismo generalizado, nunca de condições objetivas de melhora), mas não tenebrosos.
Os políticos e a políticagem atual são como exrementos no monturo. Depois de fermentarem bastante darão um bom adubo.
Afirmo sereno que dias cada vez melhores virão.
SF,
você está brincando? A trajetória é quase um ângulo de 270º! Você não dá uma checada nos índices econômicos de vem em quando? Salta aos olhos que o empobrecimento da população e o aumento brutal do desemprego explodirão na nossa cara ainda neste ano, se não houver um fato político capaz de restituir alguma esperança ao povo.
Eu não vou concordar com banqueiro, mas é o banqueiro que afirma agora o que eu já vinha afirmando há meses: atravessamos a pior recessão do século.
Se nada for feito, acabaremos 2016 sob depressão econômica. Para quem não tem ideia do que seja isso, basta dar uma pesquisada no que aconteceu na década de 1930. E, como nosso país é muito mais pobre do que os EUA de então, algo semelhante faria brasileiros morrerem como moscas.
Mas, conhecendo o Brasil como conheço, não tenho dúvida nenhuma de que, aos primeiros sinais de convulsão social, a elite chegará a um acordo para evitar o pior. É o que sempre acontece.
Se tivéssemos uma esquerda de verdade, haveria chance de forçarmos a realização de uma nova eleição.
Como a esquerda que temos é colecionadora contumaz de derrotas, vai naufragar junto com Dilma, sem chance nenhuma de reverter o rumo dos acontecimentos e sem proveito nenhum.
Aí dependerá de nós: ou, no rescaldo desse retumbante fracasso, forjaremos uma esquerda que realmente seja capaz de oferecer uma alternativa de poder, ou vamos ficar eternamente empurrando a pedra para o topo da montanha e vendo-a desabar pelo outro lado.
Celso, confesso que não me ative ao texto.
Fala de eleições como alternativa ao cenário político atual.
Não tenho grandes conhecimentos teóricos. Nem títulos acadêmicos.
Tem necessidade de balizar meu pensamento e depurar, para meu entendimento, o que seja real, de maneira a melhorar meu processo decisório. E gosto muito que apontem as falhas do meu modo de ver as coisas.
Assim...
A luta pelo "poder", na minha visão, assemelha-se a um monturo, no qual excrementos de variados matizes e odores (sempre fétidos) fermentam até virarem adubo.
Eleições ou qualquer outra saída não alterarão o fato que o "statu quo" foi ferido de morte.
Se fará mais algumas vítimas, qual a novidade?
Quando discorri sobre a necessária facilitação monetária (os QE's), é porque ela já está sendo implantada a nível mundial.
Esse banqueiro que vc citou, é um dos que vivem no passado. Um passado de lastro monetário. De miséria necessária. De sovinice e desrespeito ao cliente.
São velharias teóricas e que demonstram a estreiteza mental de um ego doentio e parcial.
Eles querem que o governo emita dívida para emprestar barato a eles, e depois cobrarem juros escorchantes?! Coisa de agiotas.
A resposta já está dada. Os governos emitirão dívida, mas pagarão muito pouco ou mesmo não pagarão juros a quem comprá-la.
Se eles quiserem ainda vender dinheiro caro, problema deles, outros venderão mais barato.
Não temos uma inflação de demanda! Não faltam alimento ou bens. Falta dinheiro!
E isto é muito fácil de resolver com a moeda fiduciária.
Dá certo! Está dando certo.
Juros e inflação estão caindo onde essa Moderna Teoria Monetária está sendo aplicada.
A origem da nossa inflação está nos preços administrados, ou seja, no excesso de intervenção do governo.
Seria benéfica, se não fosse feita apenas para pegar propina.
Ou seja, são miasmas do monturo que é a política. E só a decomposição das excrecências resolverá o problema do mau cheiro.
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