Ele é jornalista, começou na esquerda, percebeu que não tinha consistência intelectual nem carisma para voos maiores, guinou à direita, foi endireitando cada vez mais, até que, finalmente, obteve os sonhados 15 minutos de fama e as sonhadas 30 moedas.
Fez uma opção realista: seus limitados dons eram insuficientes para destacarem-no entre os que travam o bom combate, mas bastavam para que, ao menos, se tornasse rei de um inferno (título brasileiro de um ótimo filme que Bryan Forbes dirigiu há meio século, mas o original cairia igualmente bem: King Rat), embasbacando iletrados com suas catilinárias raivosas, grosseiras e arquitendenciosas; e defender a desumanidade sempre foi e sempre será vantajo$o sob o capitalismo.
Suponho que eu nem precise dizer a quem me refiro. Se fosse brilhante, seria Carlos Lacerda. Como não passa de ouro de tolo, é Reinaldo Azevedo.
O pobre coitado exultou quando a Folha de S. Paulo lhe ofereceu a chance de defender o impeachment da presidenta Dilma Rousseff numa peleja com outro colunista, Ricardo Melo --tanto que fez questão de, ridiculamente, trombetear a grande novidade com quase uma semana de antecedência!
Na hora do vamos ver, não conseguiu bolar nada melhor do que, apostando no primarismo dos cuervos criados pela ultradireita tupiniquim (seus fãs de carteirinha), requentar a defesa que Ives Gandra Martins fez do impedimento de Dilma por negligência e/ou incompetência diante da roubalheira da Petrobrás, mesmo sem comprovação de que ela teria conscientemente favorecido a corrupção e/ou dela conscientemente tirado proveito.
O chato é que o RA havia sido reticente com relação à mesmíssima tese, quando lançada pelo citado porta-voz do Opus Dei. Mas, vale tudo, até plagiar quem pouco antes esnobara, para aparecer com destaque na Folha de S. Paulo, em mais uma vã tentativa de desmentir a avaliação verdadeiramente irrefutável da ombudsman anterior, Suzana Singer, a seu respeito (segundo ela, com mais estridência do que argumentos, mais espuma do que substância, RA trouxe para o jornal "a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet").
Sua tediosa algaravia acabou apenas bisando as tediosas elucubrações direitistas baseadas na teoria do domínio do fato. Cita, p. ex., o art. 85 da Constituição Federal, pretendendo que Dilma teria cometido o crime de "atentar" contra "a probidade na administração". Mas, uma rápida consulta a qualquer dicionário bastaria para RA constatar que tal verbo, neste sentido negativo, é sempre empregado para designar ações praticadas com um propósito intencional. Se Dilma ignorava a gatunagem petrolífera, não se pode imputar-lhe atentado.
Não decolou: só 1,9 milhão de adesões em 20 meses. |
Manipulador primário, RA tenta fazer crer que o impeachment seria obrigatório no caso de Dilma, ao afirmar que "a nossa Constituição é eloquente sobre (quase) qualquer assunto". Eloquente pode ser, mas inequívoca nem de longe é.
Juristas encontram argumentos legais para defender posições diametralmente opostas sobre (quase) qualquer assunto e, ademais, o entendimento dos tribunais muda com o transcurso do tempo.
Daí a importância geralmente dada à jurisprudência (as decisões anteriores sobre a mesma questão) --a qual, contudo, pode ser desconsiderada num dado processo, fincando nova tendência.
P. ex., a jurisprudência brasileira sobre refúgio humanitário era toda no sentido de que, quando o ministro da Justiça o concedesse, qualquer processo de extradição seria sustado. No entanto, os ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso conseguiram convencer o Supremo Tribunal Federal a anular a decisão de Tarso Genro no Caso Battisti, praticamente esvaziando a Lei de refúgio.
NÃO BASTA O PRESIDENTE SER DESASTROSO, É
PRECISO EXIBIR SUAS DIGITAIS EM ILEGALIDADES.
Noves fora, o que decidiu a parada foi a voz das ruas. |
O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, único até hoje, foi aprovado pelo Congresso, mas o Supremo Tribunal Federal depois concluiu pela inexistência de provas aceitáveis (legalmente obtidas) de que ele houvesse incidido em corrupção passiva, bem como de comprovação de que ele tivesse antecipado, omitido ou retardado algum ato funcional em virtude de vantagem recebida.
Ou seja, consagrou-se, ainda que a posteriori, o entendimento de que para anular-se uma escolha tão importante dos eleitores não basta um presidente da República ser desastroso, é preciso exibir suas digitais em graves ilegalidades cometidas no seu governo.
Noves fora, o fator decisivo no impedimento de Collor foi a voz das ruas, o sentimento amplamente majoritário de que ele era mesmo corrupto e precisava mesmo ser afastado; justificativas legais foram produzidas, atenderam às necessidades daquele momento e não subsistiram quando deixaram de ser necessárias.
Como inexiste tal sentimento a respeito de Dilma, o mais provável é que a direita, por meio de seus estridentes, espumantes e selvagens abre-alas, esteja apenas lançando balões de ensaio e tentando fazer o povo acostumar-se à ideia do impeachment. A tentativa pra valer ocorrerá adiante, quando o fruto estiver maduro para ser colhido.
O que Dilma tem verdadeiramente a temer, portanto, é um aumento acentuado de sua rejeição à medida que a recessão se aprofunde e o escândalo da Petrobrás produza mais estragos. Se a voz das ruas chegar a execrá-la tanto quanto execrou Collor, acabarão aparecendo os acontecimentos e/ou argumentos que justifiquem sua derrubada do poder. É simples assim.
Como evitar tal desfecho?
Cumprir as promessas de campanha, deixando de fazer o que prometeu não fazer, seria um bom começo.
Afastar Joaquim Levy, Katia Abreu, Gilberto Kassab, George Hilton e outros ministros sinistros, idem.
Ou, o tiro na mosca, resgatar o ideário do Manifesto de Fundação do PT, principalmente o compromisso de, ao lado do povo, lutar pelo advento de "uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores".
Pois aí voltaria a esperança e os melhores seres humanos teriam motivos de primeira grandeza para defender o governo atual, ao invés de estarem apenas tentando evitar um mal maior.
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