sábado, 5 de abril de 2014

"ENQUANTO MALHÃES LANÇAVA CORPOS EM RIOS, MINO CARTA BATIA BUMBO PARA MÉDICI"

Quando Mino Carta fez de sua revista um house organ no pior sentido da palavra, infestando-a de textos panfletários e lobbistas que secundavam a caça a Cesare Battisti deflagrada por Silvio Berlusconi, cansei de desafiá-lo para defender sua postura inquisitorial numa polêmica.

Adivinhava que se acovardaria, como sempre se acovardou. 

Já amarelara em 2004, quando uma repórter da Carta Capital me entrevistou sobre o 25º aniversário da Lei da Anistia e ele ordenou, na enésima hora, que fossem suprimidas todas as referências ao meu nome. 

Também naquela ocasião mandei uma veemente contestação da atitude despótica que, com a mesma prepotência dos censores da ditadura, ele tomou.

Em vão: não deixou que publicassem, nem respondeu. Estava ciente de que todo seu poder de nada valeria num confronto de textos, pois eu pulverizaria facilmente sua algaravia pomposa. 

A que se devia tal antipatia gratuita? É simples: ele odeia os contestadores de 1968. Sempre nos detestou. Como boa parte dos comunistas da velha guarda, naquele ano decisivo ele se posicionou, junto com os partidões da Itália e da França, do outro lado da barricada. Entre as forças da ordem e os jovens rebeldes, ficou com as primeiras. 

E contraiu ódio eterno pelos verdadeiros esquerdistas, que expuseram a cumplicidade dos PC's com a burguesia (o PC francês tudo fez para minar o apoio dos operários à revolução que já estava nas ruas, enquanto o italiano compartilhou o poder com ninguém menos que a Democracia Cristã, podre até a medula).

Então, mesmo sem ter identificação ou simpatia pelo Demétrio Magnoli, não posso deixar de aplaudir as estocadas certeiras que ele deu no Mino Carta, na Folha de S. Paulo deste sábado (5).

Começa citando a ode ao golpe de 1964 que o próprio Mino fez publicar na Veja de 1º de abril de 1970 (ou seja, o editorial que ele assinava com suas iniciais, MC), ajudando os milicos a soprarem as seis velinhas:
"Propostos como solução natural para recompor a situação turbulenta do Brasil de João Goulart, os militares surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção (...). 
Mas, assumido o poder, com a relutância de quem cultiva tradições e vocações legalistas, eles tiveram de admitir a sua condição de alternativa única. E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair da sua humilhante condição de subdesenvolvido. Perceberam que havia outras tarefas, além do combate à subversão e à corrupção --e pensaram no futuro"
Hoje, muitos companheiros desavisados mostram deferência e respeito por esse sujeitinho que via os Ustras e Curiós como "único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção" (exatamente a desculpa esfarrapada que utilizaram para a usurpação do poder); atribuía-lhes relutância em incidirem nas práticas hediondas (todos que passamos pelas câmaras de tortura podemos afiançar que, sádicos como eram, eles extraíam visível prazer do que faziam); louvava a preocupação deles com o futuro (qual, a de assegurarem a própria impunidade antes de serem enxotados?) e a firmeza com que botavam "a casa em ordem" (nela impondo a paz dos cemitérios!).
Espero que doravante passem a ser mais seletivos em suas devoções, não engolindo gato por lebre.

Enfim, está certíssimo o Magnoli ao jogar na cara do Mino o seguinte:
"Enquanto Paulo Malhães lançava corpos em rios, Mino Carta batia bumbo para Médici. 
A censura não tem culpa: os censores proibiam certos textos, mas nunca obrigaram a escrever algo. 
Os proprietários da Abril não têm culpa (ou melhor, são culpados apenas pela seleção do diretor de Redação): segundo depoimento (nesse caso, insuspeito) de um antigo editor da revista e admirador do chefe, hoje convertido, como ele, ao lulismo, Carta dispunha de tal autonomia que os Civita só ficavam sabendo do conteúdo da Veja depois de completada a impressão".
Desta vez, mesmo que encontre uma insuspeitada e até agora inexistente coragem, de nada lhe adiantará. Não existe resposta nem justificativa possível.

5 comentários:

David Emanuel disse...

O próprio Mino Carta diz, em entrevista à revista Caros Amigos, que ele tinha total autonomia na Veja e que fazia o que queria.

AF Sturt Silva disse...

Os proprietários não tiveram culpa? Vale tudo p/ detonar o Mino Carta mesmo?

Mesmo que ele fosse o diretor, ele ainda continua sendo empregado.

Menos, bem menos!

celsolungaretti disse...

Silva,

nesse mesmíssimo período estávamos arriscando a vida e vendo companheiros morrerem.

Um diretor de Redação pode inventar mil desculpas para não redigir e assinar ele mesmo um editorial tão nojento como o do 6º aniversário de uma quartelada.

Como diria o Jânio Quadros, fê-lo porque qui-lo. E merece todo o nosso desprezo.

Anônimo disse...

Celso, grato!!
jamais saberia (ou só com o decorrer dos anos...) sobre Mino Carta.
Eu já não gostava do jeito pedante, sempre pondo-se acima da imprensa tupiniquim que é péssima, mas... ele vive justamente dos leitores da imprensa, cada qual com seu gosto, claro).
O Caso Battisti e a obssessão durante meses, acho até que varou ano, isso se não vier novamente com a cantilena,
junto com Maierovitch
me enojaram,
e nem tinha lido todo o livro de Lungarzo!
Sua nota de falecimento de Romeu Tuma , tendo um dos filhos de Tuma como colunista... foi outra...
Concordo inteiramente com você:
nem tudo que um adversário ou com quem não concordamos (Magnoli, p ex) faz ou diz é de se jogar fora.
Dizem que Marx tinha uma citação em latim que era sua preferida,
mais ou menos assim:
"Duvidar sempre"
(claro que ninguém vai cair no absoluto ceticismo ou descrença, claro).
Acho que você não vai aceitar a sugestão de reproduzir esse post (e como seria penetrar no quase absoluta boicote a teu nome? ). De qualquer forma, não custa tentar: reproduza!!! Acrescente alguns dados (sim, há)
Um abraço,
Humberto, Recife.

celsolungaretti disse...

Prezado Humberto,

há muita gente que joga sujo contra mim, sem dúvida! Minha linha de conduta, traçada desde aqueles tempos em que pouquíssimos se colocavam ao meu lado, é de me importar apenas com minha coerência.

Ou seja, seguia meus princípios e isso me bastava. Não dava importância a juízos errôneos, fossem quantos fossem os que neles acreditavam.

Sou revolucionário por convicção e fui jornalista por profissão. Sigo as éticas e valores de ambos.

Por isso, várias vezes já bati pesado no Mino, porque, como revolucionário, jamais o perdoarei por tudo que fez para ajudar o Berlusconi a obter a cabeça do Cesare. Mas, como jornalista, fiz sempre isso nos momentos em que algum acontecimento em evidência o justificava.

Quando o Magnoli desencavou aquela ode ao Médici que o Mino fez como editor da Veja, havia todo motivo para eu repercutir a notícia. Se eu a repetisse agora, seria uma provocação gratuita.

Acabo de lançar um texto contundente contra o Antonio Roberto Espinosa porque ele, sem quê nem pra quê, insultou-me no meio de uma entrevista que não era sobre mim, respondendo a uma pergunta que nada tinha a ver comigo. Além de ser uma agressão rasteira, foi uma tremenda forçação de barra.

Nem contra o Mino eu agirei da mesma maneira. Mas, quando houver gancho jornalístico que justifique eu escrever algo sobre ele de novo, serei implacável de novo.

Até porque não quero de nenhuma maneira me igualar a alguém tão inferior, seja como jornalista, seja como ser humano.

O Mino passou umas oito edições seguidas da Carta Capital colocando sempre um ou dois textos hostis ao Cesare, numa tentativa desesperada de colocar a opinião pública a favor da extradição. O Wishful thinking era tão gritante que parecia coisa de jornalzinho de bairro. Eu jamais deixarei meus sentimentos em relação a ele me transtornarem a ponto de me portar como um panfletário de enésima categoria.

Um forte Humberto.

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