Uma farsa desmascarada é o trunfo com que a escritora parisiense Fred Vargas conta para convencer o ministro da Justiça Tarso Genro a conceder refúgio humanitário a Cesare Battisti, preso no Brasil desde março/2007 e fortemente ameaçado de extradição para a Itália, onde teria de cumprir uma pena de 30 anos de prisão (*). Vargas espera ser recebida por Genro nos próximos dias, para apresentar-lhe pessoalmente as provas que trouxe em sua bagagem.
Acusado de atos violentos praticados por seu grupo (Proletários Armados para o Comunismo) na década de 1970, Cesare foi condenado à prisão perpétua na Itália quando estava foragido no exterior. Teria, teoricamente, o direito de pleitear novo julgamento, em que pudesse exercer seu escamoteado direito de defesa.
No entanto, três cartas supostamente enviadas por Battisti a um advogado serviram para atestar que ele estaria ciente da realização dos julgamentos e até orientando a defesa.
Ocorre que ele, ao fugir da Itália, deixara nas mãos desse advogado três folhas em branco com sua assinatura. E a perita grafológica do Tribunal de Recursos de Paris, Evelyne Marganne, atestou que a assinatura de Battisti é anterior em vários anos aos textos constantes nos documentos.
Ou seja, o advogado guardou as folhas e, quando foi conveniente, acrescentou-lhes dizeres extremamente lesivos aos interesses de Battisti.
O prejuízo foi total. O escritor acabou tendo sua extradição autorizada pelo Judiciário da França, país que o abrigava (fugiu de novo, dessa vez para o Brasil). E, na Itália, seu caso está definitivamente encerrado.
Fred Vargas explica que tal advogado representava outros réus no mesmo caso e assim agiu para favorecê-los processualmente, fazendo com que as acusações mais graves recaíssem sobre Battisti.
Um dado importante: o principal beneficiário da manobra é um militante que recorreu à delação premiada (acusou os antigos companheiros em troca da redução de sua pena). Então, faz todo sentido que utilizasse meios ilícitos, além dos imorais, para se livrar da prisão.
A escritora Fred também adverte que, se Battisti for extraditado para a Itália, os grupo de extrema-direita vão assassiná-lo na cadeia: "Ele não viverá".
Ânimo rancoroso - O certo é que o ânimo rancoroso da sociedade italiana, após o bárbaro assassinato de Aldo Moro, desequilibrou os pratos da Justiça.
No afã de desarticular os grupos armados de esquerda a qualquer preço, o Judiciário da Itália incorporou a prática ignóbil e extremamente questionável da delação premiada, que acaba sempre servindo como estímulo para oportunistas fugirem às próprias responsabilidades, atribuindo-as a outros.
Passada a tempestade, houve uma volta à sensatez e ao equilíbrio característicos de um povo herdeiro das tradições humanistas. Inclusive em razão das aberrações jurídicas que macularam seu processo, Cesare acabou sendo deixado em paz na França por longo tempo.
Até que, com a chegada da direita italiana ao poder, foi aberta a estação de caça ao símbolo. Cesare, culto e articulado, é o troféu que Silvio Berlusconi sonha ostentar na sua parede.
Esperamos que Tarso Genro tenha sabedoria para discernir de que lado está a verdade e grandeza para colocar o espírito de justiça acima de quaisquer outras considerações.
* Condenado à prisão perpétua pelo envolvimento em quatro homicídios para os quais jura não ter concorrido, Battisti só terá sua extradição concedida se a Itália aceitar reduzir a pena para, no máximo, 30 anos de detenção, conforme preceito brasileiro.
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