Claramente se pode observar que vivemos no Brasil (e no mundo) um impasse político-social decorrente da inadequação do conteúdo da produção social e da sua forma social às exigências da vida social atual.
Falo da falência da chamada economia real, que provoca a crise irremediável do processo eleitoral como instrumento de legitimação, e do próprio aparelho de Estado como instância institucional à qual estamos submetidos.
Somos praticamente obrigados a entrar num Fla-Flu eleitoral; induzidos a escolher entre os ruins para evitar o pior; e tangidos pelo medo a aceitar o que não presta, no afã de escapar de um mal maior.
Diante de quadro tão desalentador, temos mais é de afirmar que outro pensar é possível.
Não podemos deixar de considerar que podemos sair dessa camisa-de-força que vem guiando o processo de implantação e consolidação do republicanismo burguês há mais de dois séculos, mas que agora encontra o seu limite existencial na questão do conteúdo (mediação e produção sociais) e que implica a evidência da saturação da questão de forma (processo político-eleitoral democrático-burguês).
Há quem sustente que, fora desse processo, qualquer forma de produção social ou organização social é ditadura. Tal visão se assemelha ao conteúdo do que nos está sendo colocado pelo processo político-eleitoral: vote do menos ruim para evitar o pior.
Como sabemos; o modo de produção social é aquilo que determina o conteúdo da organização social.
Assim, o anacronismo do nosso atual modo de produção social encontra correspondência no modo de organização social, daí a evidência da saturação do nosso modelo político eleitoral democrático-burguês; e, embora o aceitemos com o dedo no nariz, terminamos por acatá-lo e legitimá-lo.
É que vivemos o impasse provocado pelos moderníssimos saberes tecnológicos. Eles vão desde a área da comunicação até a nanotecnologia da microeletrônica, tendo causado profundas modificações na vida social (quem tem mais de 50 anos e viveu no modo social anterior ao atual, sabe do que estou falando).
Um novo modo de produção implica a exigência de um novo modo de organização social, e isto é algo completamente diferente da falsa dicotomia entre projetos fascistas ditatoriais modernos como os de Trump e Bolsonaro (legitimados pelo voto do desespero ou do sentimento supremacista xenófobo, racista, misógino, homofóbico dos defensores do apartheid social) e aquilo que aparentemente é o seu oposto (os projetos socialistas burgueses).
Uma organização social horizontalizada e descentralizada (diferente da divisão republicana por departamentos de poderes obedientes ao comando estatal-burguês) corresponderá e se coadunará com um modo de produção que esteja voltado para a satisfação das necessidades de consumo social e não ao objeto teleológico autotélico e vazio de sentido social do lucro.
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ENTRE O ABISMO E O VOO LIBERTÁRIO,
A VERDADEIRA DICOTOMIA
A VERDADEIRA DICOTOMIA
Vivemos, hoje, no Brasil, uma bilateralidade de pensamentos políticos que representa uma falsa dicotomia entre dois projetos idênticos na base, ainda que pareçam profundamente diferentes na superfície e que um ou outro projeto tenha implicações diferenciadas no andamento da nossa vida político-social mais imediata.
Há um projeto explicita e assumidamente fascista, que se sente legitimado pelo apoio recebido (fruto do conservadorismo e/ou desesperança popular irrefletida). Seu representante é candidato Boçalnaro, o ignaro, que quer que o capitalismo decadente seja mantido a qualquer custo, independentemente das evidências de sua insustentabilidade.
Tal projeto é apoiado pela tradicional elite brasileira informada e detentora de privilégios e riqueza abstrata. temerosa das mudanças que a própria dinâmica do capital e sua decadência vêm apresentando; e, de outro lado, por segmentos marginalizados convencidos de que a barbárie em curso se resolve na porrada, anunciada e defendida pelo discurso militarista.
Boçalnaro, o ignaro, sabe que as suas bravatas, mesmo inconsistentes, calam fundo nesse último segmento; e que a elite brasileira se identifica com o seu recado repressor aos que se aventurarem aos voos libertários.
Há outro projeto, da esquerda legalista, institucional, eletiva, que quer que o capitalismo seja bonzinho, sem compreender que já não se pode fazer o bolo crescer para distribuir as tradicionais míseras fatias ao segmento dos formadores de opinião mais esclarecido ou aos coitadezas, por absoluta falta de ingredientes.
No debate político-eleitoral não vemos nenhum desses dois projetos aludir à incompatibilidade entre o modo de produção social atual e a estrutura política que lhe dá sustentação. Todos creem, ou querem fazer crer, que o problema se restringe à esfera da boa governabilidade e das suas boas ou más intenções.
Mas há outro projeto que representa uma verdadeira dicotomia à essa mesmice política. Trata-se do projeto de emancipação popular que nega as categorias capitalistas, a partir de uma compreensão teórica que, ou escapou aos revolucionários de antes, ou tais categorias foram por eles entendidas como possíveis de serem paulatinamente superáveis dentro de uma coexistência na qual se saberia que o inimigo fora convidado para o jantar no qual lhe seria servido o veneno capaz de mantê-lo neutralizado e, por fim, superado (caso do programa da Nova Política Econômica de Lenin, p. ex.).
O tiro dado pelos muitos antigos e sinceros revolucionários saiu pela culatra, ainda que se deva prestar as homenagens devidas a quantos deram seu quinhão de esforços (às vezes, a própria vida) para que tal parto ocorresse. Infelizmente, a criação dele decorrente foi, ao final, mal sucedida.
Nunca antes neste país (que me perdoem o fraseado tão falacioso, repetido desde Color de Mello até hoje) se apresentou a possibilidade de uma postura revolucionária que representasse a verdadeira dicotomia entre projetos até então diferentes nas espécies, mas idênticos no gênero, como as que temos à disposição, ambos capitalistas.
De um lado os defensores do capitalismo nas suas várias vertentes (de direita e de esquerda); e do outro lado os emancipacionistas e suas estranhas propostas aparentemente utópicas, mas que assim o são apenas até o momento da exigibilidade de suas práticas pelo próprio instinto de sobrevivência social-humana alicerçada por uma reflexão teórica consistente.
É que, qualquer que seja o vencedor das eleições brasileiras de 2018, evidenciar-se-á a impraticabilidade de um governo a partir dos pressupostos capitalistas de produção social e da obsolescência de sua forma política de organização social.
Tal impasse, que inevitavelmente apresentar-se-á para o eleito, implicará a necessidade de uma tomada de posição diante da incapacidade político-social de satisfação das necessidades de consumo e das demandas sociais.
Será a hora na qual os fatos sociais impelirão os indivíduos sociais a uma conclusão que até então não era perceptível, mas que a partir desse momento se tornou óbvia: precisamos de uma nova forma de produção social e de uma organização social que lhe seja correspondente!
Karl Marx, nos Grundrisse, que mais não eram que anotações reflexivas pessoais para conclusões a serem publicadas, mas que explicitam a profundidade do seu voo teórico, foi profético e mais contundente do que viria a ser sua obra magna, O capital. Disse que:
"O próprio capital é a contradição em processo, pelo fato de que procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, ao mesmo tempo que por outro lado, põe o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza. Por essa razão, ele diminui o tempo de trabalho na forma do trabalho necessário (trabalho remunerado, produtor de valor, esclarecemos) para aumentá-lo na forma de trabalho supérfluo (hoje cada vez mais dispensável, causador do desemprego estrutural, refletimos); por isso, põe em medida crescente, o trabalho supérfluo, como condição – questão de vida e morte – do trabalho necessário.
Por um lado, portanto, ele traz à vida todas as forças da ciência e da natureza, bem como da combinação social e do intercâmbio social, para tornar a criação da riqueza (relativamente) independentemente do tempo de trabalho nela empregado.
Por outro lado, ele quer medir essas gigantescas forças sociais, assim criadas, pelo tempo de trabalho e encerrá-las nos limites (requeridos) para conservar o valor já criado como valor.
As forças produtivas a as relações sociais – ambas aspectos diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – aparecem somente como meios para o capital, e para ele são exclusivamente meios para poder produzir a partir de seu fundamento acanhado. De fato, porém, elas constituem as condições materiais para fazê-lo voar pelos ares".
Este vaticínio marxiano, feito há 160 anos, é mais atual do que nunca. Atingimos o estágio no qual a única fonte produtora de valor (o trabalho abstrato) se tornou supérflua; com isto, toda a lógica da reprodução do valor e de sua acumulação indébita por parte do próprio capital se torna incompatível com a necessidade exigida pelo organismo econômico social.
Vem daí que a própria política, submissa ao capital, evidencia a sua incapacidade de se tornar soberana e minimamente factível no que diz respeito à satisfação mínima das demandas sociais a partir da administração do aparelho de Estado.
Esta é a razão do desespero dos Boçalnaros ignaros da vida, os quais, por mais belicosos que sejam e por mais dispostos que estejam a conter a chegada da primavera pela força, não podem bater em algo que é puramente abstrato, ou seja, uma lógica abstrata tornada real e que se tornou anacrônica a partir os seus próprios fundamentos.
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