sábado, 6 de outubro de 2018

68

De repente, 68 anos. Num dia nublado, com ameaça de chuva, como o céu da política.

Saudei a chegada de 2018 com a ingênua esperança de que o último grande momento revolucionário da História mundial, ponto culminante até hoje atingido pelas tentativas de construirmos, em escala global, uma sociedade igualitária e livre, pudesse ser retomado e continuado exatamente meio século depois.

Por que exatamente na efeméride? Sei lá. Talvez porque, como qualquer ser humano, eu também precise ter esperanças...

Já nem me lembro quem fez tal previsão, talvez Marx ou Engels: a de que a nova maré revolucionária sempre começa no marco em que a anterior terminou, reatando os fios da História para levar adiante a jornada da humanidade rumo à concretização de seus melhores anseios (antes impossível devido à falta do suficiente para suprir as necessidades materiais de todos os seres humanos, hoje possibilitada pelos avanços científicos e tecnológicos, desde que estes sejam voltados para o bem comum e para nossa convivência harmoniosa com o habitat natural).

Infelizmente para mim, o tempo que me foi dado para viver na Terra não coincidiu com o momento revolucionário dos meus sonhos. O mais perto que cheguei foi mesmo em 1968, mas tudo ruiu na década seguinte. E não houve mais chances, foram esmagadas no nascedouro: diretas-já, protestos de 2013.

Há 50 anos, quando completei 18, o ambiente também estava carregado. Dois meses depois viria o AI-5, fechando totalmente o Brasil e me propondo o desafio de assumir uma missão que provavelmente excederia as minhas forças ou nunca mais suportar ver minha cara no espelho. Ao avançar para o olho do furacão, sabia o que estava fazendo e sabia que nunca mais seria o mesmo.
Se faria tudo de novo? Com certeza! Diante das mesmas circunstâncias, tendemos todos a repetir a mesma opção da vez anterior, pois, em assuntos importantes, é sempre a que melhor expressa quem somos (mas, admito, torço para que a História amarga não se repita, pois me sinto um pouco velho para a clandestinidade...).

Tento encontrar algum sentido nessa jornada que percorri e constato que não é fácil. Parece que minha opção me trouxe grandes alegrias e enorme sofrimento, tudo em dose exagerada. Só sei que não conseguiria viver de outra maneira. 

Tenho duas filhas que amo muito e hoje são um sólido motivo para eu continuar tentando dar um desfecho digno àquilo que fiz até hoje. 

O jogo só acaba quando termina, dizia um folclórico cartola do futebol. E, antes que o apito final soe para mim, tudo farei para legar a minhas filhas, se não o paraíso pelo qual lutei, pelo menos algo bem diferente desse inferno em que os fascistas nos tentam aprisionar.
  

6 comentários:

Anônimo disse...

"O programa só acaba quando termina" era do Chacrinha.

Anônimo disse...

Parabéns!

Marco A.

celsolungaretti disse...

Anônimo,

grato pelo toque. Minha citação foi feita de memória e estava mesmo errada. Mas, o Vicente Matheus realmente disse algo semelhante: "O jogo só acaba quando termina". Então, corrigi o texto utilizando a frase correta do cartola

O velho guerreiro da TV realmente dizia "o programa do Chacrinha só acaba quando termina". Sua memória está boa.

celsolungaretti disse...

Valeu, Marco, um abração!

celsolungaretti disse...

MENSAGEM ENVIADA PELO DALTON POR E-MAIL:

Caro Lungaretti,

Disse o poeta português que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. É que o que mais vale nas nossas vidas é a dignidade dos nossos propósitos, que na maioria das vezes não correspondem a vitórias imediatas, mas à semeadura que fica a espera da chuva para poder brotar com o vigor necessário.

Outro dia, no meu aniversário (fiz 68 em abril), recebi de uma das minhas duas filhas uma mensagem na qual ela dizia que nunca tinha conhecido uma pessoa que se preocupasse com os outros como eu, e isso representou o maior presente que eu poderia ter recebido.

O comentário dela correspondeu ao testemunho de alguém que me conhece a fundo e me respeita não pelo que eu tenho, mas pelo que eu sou, e encheu-me de contentamento.

Os exemplos são os melhores ensinamentos que podemos transmitir aos nosso filhos, que a partir deles avaliam nossos valores morais e convicções.

Tenho certeza que as suas filhas (que são duas, como as que tenho) têm e terão por você o mesmo sentimento de respeito comum a quem transmite a certeza de possuir uma alma grandiosa como a sua.

Perdoe-me o autoelogio, mas serve para nós nesses dias de desalento com as rumos que se prenunciam, e que espero sejam apenas a dor de um parto saudável que virá dando à luz uma realidade de paz, prosperidade e fraternidade.

Parabéns, Dalton Rosado.

celsolungaretti disse...

Obrigado, Dalton.

Minhas filhas me trazem imensa alegria. Afinal, fui tê-las quando já passara da idade convencional para a paternidade, por haver percebido de repente que era uma experiência imprescindível na minha vida. Coisa de estalo, nem saberia explicar bem o porquê.

Nem tinha noção precisa de quão necessária, mas fui atrás do que parecia impossível e hoje uma é mocinha e outra uma encantadora pré-adolescente. Dão-me muita força para continuar perseguindo meus objetivos.

Mas, claro, fazer 68 anos (um número referencial para mim) quando tantos brasileiros se dispõem a eleger um fãzoca das bestas humanas que mataram companheiros queridos mexeu comigo. Não sou Cristo para me contentar com um "perdoai-lhes, eles não sabem o que dizem".

De qualquer forma, há batalhas a serem travadas, vida que segue. A primeira delas não sendo parto nenhum, mas tão somente a obrigação de lutarmos com todas as forças para evitar que o fãzoca do Brilhante Ustra chegue à Presidência da República, servindo como cavalo de Troia para uma invasão bárbara.

Para o parto de uma nova sociedade, precisamos de contingentes combativos e coesos que ainda não temos porque ainda não os formamos. Agora precisamos conquistar o tempo de que necessitamos para os formar, pois a coisa ficará muito mais difícil e demorada se deixarmos os fascistas ocuparem o Palácio do Planalto.

Se conseguirmos transpor esta etapa, começaremos a tocar as outras. Se há uma coisa que aprendi na luta armada é que só devemos aceitar travar batalhas decisivas quando há alguma possibilidade de vencê-las. Mártires já produzimos demais.

Um forte abraço!

Celso

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