Num país em que os direitos do cidadão fossem respeitados pelo Estado, certamente causaria estupefação a série enorme de irregularidades e abusos de poder que vêm desestruturando a minha vida há nada menos do que 11 anos e 8 meses. Depois de suportar durante tanto tempo a privação de recursos financeiros que têm feito imensa falta a mim e aos meus entes queridos, vejo-me obrigado a trazer o assunto a público.
A portaria nº 1.877 do ministro da Justiça, datada de 30/09/2005, estabeleceu que eu deveria receber uma indenização retroativa por conta dos danos físicos, psicológicos, morais e profissionais que a ditadura de 1964/85 me causou com torturas e outras práticas ilegais.
E não foram poucos: desde uma lesão permanente sofrida em junho de 1970, que me compromete a audição além de causar crises periódicas de labirintose, até danos à minha imagem que desde então me dificultaram o convívio social e a trajetória profissional. Quando meu caso foi julgado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em 2005, o relator declarou que, dentre milhares de anistiandos cujos processos já haviam passado pelo colegiado, o mais atingido em seus direitos havia sido eu, pois, além das consequências habituais das torturas, a ditadura me tornara alvo de estigmatização.
A pensão vitalícia que a União então me concedeu sempre foi insuficiente para cobrir todas as despesas com minha família atual e dependentes de uniões anteriores, mas, para compensar, a indenização retroativa correspondente me permitiria sair do aluguel e obter um equilíbrio financeiro. Só que a União simplesmente desobedeceu a Lei nº 10.559/2002, cujo artigo 18º estabeleceu o prazo de sessenta dias para o pagamento do retroativo.
Ou seja, se os agentes do Estado cumprissem tal lei, desde 30 de novembro de 2005 eu estaria tendo uma maturidade tranquila, após uma vida inteira de lutas. Não a tenho até hoje.
Minha pensão começou a ser paga em janeiro de 2006 e nenhuma satisfação foi dada, a mim e aos demais anistiados, sobre o calote do retroativo. Então, em fevereiro de 2007, entrei com mandado de segurança (nº 0022638-94.2007.3.00.0000) para fazer valer meu direito.
Nem uma quinzena depois, a União enviou aos anistiados um documento para assinarem e devolverem, no sentido de que estariam abrindo mão voluntariamente do recebimento imediato do retroativo, aceitando que fosse diluído em parcelas mensais, a serem integralmente pagas até o último dia de 2014.
Nenhuma justificativa. Nenhuma explicação. Nenhum pedido de desculpas. Um ultimato implícito, como se continuássemos sob uma ditadura.
Para quem aos 17 anos decidira arriscar a vida numa luta desigual contra os poderosos e sua arrogância, uma imposição impossível de acatar aos 56 anos. Suportei os piores tormentos porque a auto-estima sempre me impeliu a sobreviver para continuar lutando; não conseguiria viver sem ela, então mantive o mandado de segurança. E há mais de 10 anos venho sendo retaliado por isto.
A AGU (Advocacia Geral da União), que, além de sua incumbência de defender a União, tem também um compromisso com a realização da justiça, preferiu encarar-me o tempo todo como um inimigo impossível de derrotar, mas ao qual poderia impor uma verdadeira via crucis alongando os trâmites e evitando indefinidamente o desfecho do caso.
Assim, em fevereiro de 2011, a AGU perdeu por 9x0 o julgamento do mérito da questão. Entrou com dois embargos de declaração, rechaçados por 8x0 (novembro de 2014) e 8x0 (abril de 2015). Finalmente, mediante recurso extraordinário, conseguiu em agosto de 2015, que a decisão do meu caso ficasse pendente do veredito do Supremo Tribunal Federal em processo semelhante (2007/99245), suscitado por outros anistiados, que vinha tramitando paralelamente ao meu durante quase todo esse tempo, já que iniciado quatro meses depois .
Utilizando a mesmíssima argumentação legal que fora derrotada três vezes por unanimidade no STJ, a AGU sofreu em novembro de 2016 nova derrota unânime no plenário do STF, em julgamento presidido pela ministra Carmen Lúcia, cuja decisão foi das mais contundentes, vindo ao encontro do que eu sempre sustentara, conforme se constata nos trechos que grifei:
1) Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.599/02, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo;
2) Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias;
3) Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.
Ainda que a disputa haja tido o desenlace correto, é importante observarmos que o mandado de segurança é um instrumento jurídico que deveria sanar rapidamente os abusos de poder cometidos por autoridades contra pessoas físicas ou jurídicas, tanto que tem prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus.
No entanto, o julgamento do mérito da questão só se deu 4 anos e 9 meses após o início do processo. A sentença foi tão categórica que até um leigo percebia que seria inexoravelmente mantida, mas a AGU fez questão de consumir mais 3 anos e cinco meses com embargos de declaração sem a mínima possibilidade real de prevalecerem; depois, por meio de um recurso extraordinário, conseguiu fazer com que tudo praticamente voltasse à estaca zero e fosse julgado de novo no STF, no qual o entendimento acabaria sendo idêntico ao do STJ, mas lá se foram outros dois anos.
Perdendo, a AGU obteve uma vitória de Pirro: infernizou minha vida no limite extremo. Ganhando, sofro e vejo os meus entes queridos sofrerem. A justiça está sendo desvirtuada.
O pedido de que fosse respeitado o Estatuto do Idoso, por mim feito em 2012, também não produziu efeitos práticos e os trâmites continuaram letárgicos. Assim, chegando aos 67 anos, continuo sem receber a indenização que me foi concedida em função de abusos que sofri quando tinha 19 anos. Quanto tempo ainda precisarei sobreviver para tê-la em mãos e poder não só livrar-me das preocupações que ora me tiram o sono, como também encaminhar o legado que quero deixar às minhas crianças?
E, em algum ponto do caminho se extraviou a igualdade de todos perante a lei, assegurada pelo art. 5º da Constituição. Pois, tendo a União se comprometido a zerar até o final de 2014 os débitos que tinha para com os anistiados que aceitassem o parcelamento, não poderia jamais insistir em, depois disto, continuar dificultando de tudo que é jeito o pagamento aos que recusaram o parcelamento. Era o momento de, em nome da justiça, desistir dos procedimentos que objetivavam apenas protelar o desfecho juridicamente inevitável.
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Não sei quanto tempo ainda levará até que a sentença favorável do STF produza seus efeitos (a ata foi publicada no ano passado, mas a sentença ainda está por ser redigida); daí minhas dificuldades atuais, com risco cada vez maior de insolvência.
Estou, portanto, invocando a solidariedade dos companheiros de ideais e dos cidadãos que ainda se indignam com as injustiças e os abusos de poder, que poderão ajudar, dependendo de seus contatos, disponibilidades e possibilidades, das seguintes formas:
1) dando-me oportunidade de voltar a exercer meu ofício de jornalista, seja na imprensa propriamente dita, seja na comunicação empresarial ou governamental, pois continuo plenamente apto para tanto e tenho no passado uma longa e vitoriosa carreira nessas três áreas de atuação, antes que preconceitos com relação a idade e posicionamento ideológico me afastassem do mercado;
2) colocando meu caso em evidência na imprensa e nas redes sociais;
3) intercedendo junto a autoridades que possam abreviar o desfecho, até para compensar as infinitas delongas que têm marcado a tramitação;
4) concedendo-me empréstimos para pagamento quando receber o retroativo ou, pelo menos, sair do sufoco atual; ou
5) com depósitos de qualquer valor na conta corrente nº 001-00020035-2, agência 2139, da Caixa Econômica Federal (banco 104), em nome de Celso Lungaretti (CPF 755.982.728-49).
Mais informações: lungaretti@gmail.com - cel. (11) 94158-6116.
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