domingo, 30 de julho de 2017

O BRASIL É COMO UM PIÃO: RODA, RODA, RODA E NÃO SAI DO LUGAR.

Recado do editor
Bati os olhos num texto que escrevi em julho de 2009 e avaliei que sua repostagem (abaixo) seria oportuna, pois serve perfeitamente para os dias atuais. Não por eu ser algum ás da literatura de antecipação, mas, simplesmente, porque o Brasil não avança, apenas patina sem sair do lugar. É o país do eterno retorno.

Então, há oito anos nossos vilões eram Fernando Collor, Renan Calheiros e alguns outros que bem poderiam ser colocados todos juntos no saco de mais do mesmo; hoje, nossos vilões são Fernando Collor, Renan Calheiros e alguns outros que também não passam de mais do mesmo.

De realmente novo, só o Rodrigo Janot, pois há oito anos não havia nenhum procurador-geral da República envolvido nas tramoias golpistas das Organizações Globo.

O Brasil consome nossas energias e nossos sonhos, o tempo nos escorre dentre os dedos e a revolução, cada vez mais necessária, distancia-se até seus contornos ficarem indistintos como os de uma miragem.

Resta a esperança de que a transformação represada irrompa de repente, tal qual em 1968, que começou timidamente, sem roteiro prévio nem lenta acumulação de forças, com um acontecimento levando a outro em dinâmica acelerada até acabar se constituindo no ano mais importante da história recente da humanidade, o ensaio-geral de uma revolução de novo tipo.
Junho/2013: esquerda velha na contramão da revolta jovem.

Algo assim poderia até estar se iniciando nas manifestações de protesto de junho de 2013, mas as forças repressivas da sociedade atualmente estão bem mais atentas contra tal possibilidade e conseguiram impedir que os ventos de mudança se avolumassem. 

E, se em 1968 o Partido Comunista Francês, cerrando fileiras com De Gaulle, desempenhou papel fundamental na derrota dos jovens revoltosos de lá, em 2013/2014 o Partido dos Trabalhadores brasileiro deu sinal verde até para lei antiterrorismo, no afã de intimidar os jovens revoltosos de cá e assegurar a realização do Mundial da Fifa, no qual merecidamente sofremos a maior humilhação futebolística da nossa história!

Enfim, pelo menos num ponto estamos bem melhores do que em 2009: agora não existe mais dúvida nenhuma de que, sob a democracia burguesa, os explorados jamais serão algo além de explorados. Só falta a ficha cair para a esquerda, daí o PT estar fugindo da autocrítica em desabalada carreira, como se o diabo estivesse mordendo seus calcanhares...
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NÃO SERÁ EM BRASÍLIA QUE VAI
CHEGAR O NOSSO CARNAVAL


Veja o clip...
Quando o Carnaval Chegar é a canção mais emblemática do período que vai da derrota da luta armada até a redemocratização do Brasil.

Depois que a imensa superioridade de forças do inimigo condenou ao fracasso a heroica tentativa de sairmos da ditadura pela porta da frente, só nos restou mesmo a longa espera de que ela ruísse em decorrência de suas próprias contradições.

Houve, claro, momentos fulgurantes como o do repúdio ao bárbaro assassinato de Vladimir Herzog em 1975, mas todos sabíamos que uma missa não expeliria os militares do poder que exerciam como usurpadores e déspotas.

E existia a resistência cotidiana aos abusos e atrocidades, cujo símbolo mais marcante foram D. Paulo Evaristo Arns e sua abnegada equipe, o embrião do Tortura Nunca Mais.
A missa em memória de Herzog na Catedral da Sé

Mas, não estava em nossas mãos darmos um fim à ditadura. Sentíamos-nos exatamente como Chico Buarque descreveu: Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei sambar/ Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

Lá por meados da década de 1970, quando terminou o último dos quatro julgamentos a que fui submetido em auditorias do Exército e Marinha, eu tive de fazer minha opção: permanecer ou não no Brasil?

Ao sair das prisões militares, ainda sob o impacto da via crucis que percorrera nos porões, decidi embarcar tão-logo pudesse fazê-lo legalmente, já que não tinha como montar um esquema de fuga minimamente confiável.

Mas, aos poucos, foram-me voltando os sonhos, as elucubrações sobre o que faríamos quando, findo o pesadelo, pudéssemos finalmente reconstruir este país. Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar / Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

Muito mais do que quando militava na VPR, tinha a noção exata do que precisava ser feito para o Brasil voltar a ser, pelo menos, uma nação civilizada. Nos bares, nosso refúgio, eu e os amigos discutíamos ponto por ponto as medidas a serem tomadas no glorioso day after.

Era nosso lenitivo para continuarmos engolindo os sapos de cada dia. E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar / Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.
Lula e Brizola na linha de frente das diretas-já

Mas, a classe política frustrou nossas esperanças e destruiu nossos sonhos. Com a ditadura já agonizante, manobrou para que fosse rejeitada a Emenda Dante de Oliveira, que restituiria o poder a quem de direito, os cidadãos eleitores deste país.

E o maquiavélico Tancredo Neves pôde, triunfalmente, anunciar que chegara "a hora dos profissionais". O candidato da ditadura, Paulo Maluf, não seria detonado pelo povo nas urnas, mas sim por umas poucas centenas de parlamentares no Colégio Eleitoral que se constituía num símbolo gritante da exclusão do povo na tomada das grandes decisões nacionais.

Pior: Maluf seria derrotado graças aos votos de congressistas que, como ratos, abandonaram o navio da ditadura que já fazia água, para assegurarem a manutenção dos seus privilégios na Nova República.

A indústria cultural, com a Rede Globo à frente, conseguiu vender a ilusão de que tanto dava a diretas-já quanto a vitória no espúrio Colégio Eleitoral. A longa agonia pública de Tancredo Neves era a peça que faltava no quebra-cabeças. A pieguice obnubilou as consciências. Os maus venceram, como quase sempre.

E tocada, entre outros, pelos que haviam sido sustentáculos da ditadura, a redemocratização ficou pela metade, como convinha à burguesia, que antes exercia o poder por meio dos fardados, depois passou a exercê-lo por meio de civis safados.
Ontem, hoje e sempre a serviço das más causas
Nem sequer foram punidos os assassinos seriais da ditadura. Nem sequer foram devolvidos os corpos de companheiros martirizados. Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar. E não adiantou esperar o carnaval, pois ele não chegou.

Gato escaldado, nunca mais acreditei que a redenção dos males brasileiros pudesse provir das tempestades em copo d'água da política oficial. Sabia/sei que a chegada do carnaval não depende da desgraça momentânea do Collor, dos anões do orçamento, dos mensaleiros, do Severino, do Renan, do Daniel Dantas ou do Sarney.

Esses senhores nunca determinaram os acontecimentos, apenas cumprem/cumpriram determinadas funções dentro do sistema de exercício e sustentação do poder burguês. Então, enquanto as funções em si não forem extintas, suas agruras só servirão para jogar poeira colorida nos olhos do povo.

Trata-se apenas de um sacrifício ritual para servir como catarse aos de fora. Cada vez que um desses espantalhos tomba, a indústria cultural cria a ilusão de que a justiça foi feita e as instituições funcionam. Mas, saem uns, entram imediatamente outros e a podridão continua a mesma.

Há quem me cobre engajamento na caça à bruxa da vez. Negativo. Prefiro gastar minhas energias preparando o carnaval, que só chegará quando os cidadãos assumirem a iniciativa de, eles próprios, colocá-lo nas ruas, sem se deixarem iludir pelo jogo-de-cena brasiliense.
...e assista ao filme.

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