quinta-feira, 1 de julho de 2010

...E SÓ FALO A VERDADE PURA

Quando eu tinha 16 anos e começava a engatinhar no caminho que me levaria à luta revolucionária, li uma vibrante trilogia de Jorge Amado sobre a ditadura getulista e a atuação do Partido Comunista naqueles anos difíceis: Os Subterrâneos da Liberdade.

[Décadas depois, viria a saber que se tratava de uma típica criação stalinista, a ponto de assacar as acusações mais injustas contra o personagem que era óbvio ersatz do digno jornalista trotskista Hermínio Sacchhetta. Mas, esta é outra história...]

Foi nela que encontrei, citados, estes versos lapidares do poeta maior Pablo Neruda (foto), que me inspiraram pela vida adentro: "Metida tenho a mão na consciência/ e só falo a verdade pura/ que me foi ditada pela viva experiência".

Na mesma linha, noutro livro que me marcou muito (O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler), deparei-me com esta lição do Evangelho: "Seja o vosso falar sim, sim; não, não. Pois o que passar disto, virá do Maligno." (Mateus 5:37)

Foi, ainda, nessa época de formação de caráter que, num festival de teatro amador, fiquei maravilhado com a frase que anunciava uma peça sobre Galileu Galilei: "Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade, nem mesmo em troca do sol".

Afora inspirações artísticas, também me chamou a atenção o exemplo de um colega de ginásio meio excêntrico, que nunca abria mão de suas convicções por pressões do grupo. E era forte o suficiente para arcar com as consequências de sua postura desafiadora.

Assim, certa vez, vários desafetos combinaram que lhe dariam uma lição na saída. Nem ligou.

Findas as aulas, passou a mão num pesado cano que encontrou no pátio e o saiu carregando com expressão ameaçadora. Ninguém duvidou de que utilizasse mesmo essa clava, se muitos o atacassem. Ninguém tentou.

Decidi que esses pensamentos e atitude eram os que eu queria seguir. E, em situações menores do dia a dia, comecei a agir sempre segundo o que eu achava certo, não ligando para a quantidade dos que discordavam de mim.

Mas, nada foi tão dramático, no início.

Aí, no movimento secundarista, começaram a surgir os episódios nos quais ficava em minoria e era obrigado a manter a posição.

No congresso da União Paulista dos Estudantes Secundários, em fins de 1968, p. ex. Os adversários lotaram o refeitório do Crusp de alunos do Colégio de Aplicação, que amavam conclaves e debates.

Nossa massa avançada os detestava; eram jovens bons para a ação e sem paciência para a discussão. Não compareceu quase ninguém.

Líderes sem os liderados, decidimos usar manobras protelatórias para que o congresso não chegasse aos finalmente no sábado. Assim, uma vez suspenso até o dia seguinte, tentaríamos chegar a um acordo para que fosse levada em conta a representatividade por escolas (aí a vantagem seria nossa) e não apenas a presença de uma centena de estudantes da mesma escola. Alguma solução intermediária era o que pretendíamos.

Foram horas e horas discursando para ganhar tempo, lançando provocações ao público hostil para criar confusão e retardar ainda mais os trabalhos. Só eu e outro companheiro, alternando-nos nas intervenções o tempo todo. Não cedendo sequer às ameaças de agressão física, que acabavam sendo contidas.

Um ano depois, na luta interna da VPR, a situação se repetiu. Ficamos eu e o José Raimundo da Costa sendo atacados injustamente por adversários políticos que estavam em maioria, durante o dia inteiro, num encontro preliminar para o Congresso de Teresópolis (outubro/1969).

Atribuíam-nos as falhas de um companheiro morto, revolucionário devotado mas péssimo organizador, que nos legara uma situação caótica. Era desonestidade pura.

Resistimos, embora aquilo nos afetasse muito: que faríamos nós, procuradíssimos, se obrigados a deixar a VPR?

O certo é que a vida me preparou para a prova mais terrível, quando fui feito bode expiatório de erros da Organização e deslizes alheios, em 1970. Já criara couraça suficiente para não ceder, mesmo com o mundo inteiro contra mim (era esta a impressão que eu tinha...), uma vez que minha convicção íntima era a de estar sendo sendo vítima de circunstâncias adversas e canalhices diversas.

Levei 34 anos para conseguir trazer os fatos à luz, recusando, pelo caminho, um acordo proposto, no sentido de me contentar com meia reabilitação, calando a verdade sobre personagens engrandecidos pelo martírio.

Senti-me até tentado a sair oportunisticamente do ostracismo, voltando ao rebanho, mas... há um mínimo de dignidade que não se pode negociar.

Depois de tudo isso, o meu papel não poderia ser outro no pós-reabilitação: apresentar minhas avaliações com sinceridade, sem me preocupar em fazer média com as correntes dominantes na esquerda virtual.

Trombei várias vezes com esses consensos primários -- e, em cada uma delas, fui colocado no index de algumas tribunas e espaços mantidos por essa gente.

Mas, nada no mundo me faria colocar razões de estado à frente dos direitos humanos, endeusar meros delegados de polícia ou técnicos de futebol metidos a ditadores, etc.

E, como a mentalidade atual está mais próxima do maniqueísmo da era stalinista do que da generosidade da primavera de 1968, constato que a minha posição independente faz com que muitos se omitam face àquilo que homens de esquerda jamais poderiam ignorar, apenas por ter sido eu quem levantou a bandeira ou escreveu o artigo.

Casos recentes da exigência de que o governo do Estado suprima os elogios à ditadura militar na página virtual da Rota e da prova cabal que dei da má fé com que um procurador e o Estadão questionam as reparações às vítimas do regime militar.

Para não dizer da luta em prol de Cesare Battisti, à qual tantos só aderiram no momento culminante, depois de lhe voltarem as costas por quase dois anos.

Nada há a fazer: cada um escolhe quem é o que quer ser, a partir das opções que faz em sua prática concreta.

Continuarei dizendo o que precisa ser dito em cada instante -- como fiz nesta 4ª feira (30), aconselhando os companheiros da USP a flexibilizarem sua postura numa greve que estava sendo capitalizada amplamente pela mídia reacionária, como justificativa para os retrocessos tramados pela tucanalhada.

Sei que não foi em função do meu conselho que eles decidiram sair da greve.

Mas, o importanto é eu e o Lungarzo termos feito o que estava ao nosso alcance para evitar estragos maiores, sem medo de sermos difamados -- como já o fomos em função de nossa afinidade com a Anistia Internacional.

Agimos sempre assim. De peito aberto.

E os leitores deste blogue podem contribuir para espalhar suas mensagens, de forma que continuem chegando aos internautas, independentemente de não entrarem em certas redes sociais e nos despachos de alguns portais que funcionam como agências noticiosas.

É o que, humildemente, lhes peço.

5 comentários:

Dea Conti disse...

Caro Celso,

Continuo sua leitora diária e cada vez mais admiradora e divulgadora daquilo que você escreve e testemunha. Acabei de ler essa postagem para Leonel (Itaussu), meu marido, que me pede para lhe dizer que "sem fazer juízo de valor sobre seu passado, você tem um presente meritório e ele tem por você e seu trabalho o maior respeito".

Tenho divulgado a maior parte do que você escreve a pessoas que considero pertinentes e, inclusive, ao grupo de discussão política ao que pertenço e do qual participam vária pessoas que provavelmente você conhece (Carlos Eugênio, Ivan Seixas, Miguel Nakamura, Antonio Roberto Espinosa, Paulo Abraão, etc.). Nesse sentido, só posso desejar que você continue falando muito e apenas a verdade pura.

um grande abraço,
Dea

PS: Queremos reafirmar, com ênfase, que não só não pertencemos como repudiamos a família dos "grandes inquisidores".

Revistacidadesol disse...

Lungaretti: nesse blog abaixo estão falando que se Dilma vencer vai acontecer guerra civil, q se ganhar não leva, dentre outros absurdos, e tudo isso defendendo Serra. Acho q tanta bobagem merece divulgação e análise:

http://blogdovampirodecuritiba.blogspot.com/

celsolungaretti disse...

A extrema-direita tenta convencer os banqueiros e grandes capitalistas da necessidade de uma virada de mesa desde o "Cansei!".

Nada aconteceu até agora capaz de mudar a opinião dos verdadeiramente poderosos.

Eles não agem por ideologia, mas sim para preservar seus interesses e privilégios, que não foram nem estão sendo ameaçados.

Releia a história do golpe de 1964: veja quanto tempo os conspiradores tramaram, até receberem o sinal verde dos que batem o martelo. E eram tempos de guerra fria.

Precisaria ocorrer algo novo e muito inquietante no Brasil para os EUA avaliarem que vale a pena correr o risco de um golpe.

A eleição de Dilma, por si só, não será suficiente para tanto. Deixarão como está para verem como fica.

Abs.

Revistacidadesol disse...

Oi, Celso. Concordo. Só acho que determinadas coisas merecem atenção. No blog do Vamp tinha dois que se apresentavam como militares da reserva, Ivo Veiga e José Pacheco Filho, sempre com esse papo de que existe uma lista com nomes quando o golpe chegar, que vai haver uma virada de mesa. Quando avisaram que algumas coisas que eles diziam poderiam ser tidas como propaganda fascista, um sumiu e o outro, suponho, passou a escrever com o codinome M50. Ele insiste que Dilma se ganhar não leva, que as forças armadas estão preparando uma surpresa, que o candidato dele é o general Heleno, etc.

Penso que isso tudo é bravata e ele no máximo pode reunir uns gatos pingados num grupinho, mas ele faz um discurso para assustar e é preciso falar sobre isso.

Como vc bem observou, no Usina de Letras existe o mesmo tipo de propaganda e papo, na maioria das vezes capitaneado por um tal Félix Maier. No começo do Usina, reclamei, mas de nada adiantou, pois parece que há dinheiro envolvido. Penso que Maier é financiado por alguém, suponho algum desses "institutos liberais".

Tb acho que Dilma muda pouco ou nada; ela mantém a mesma política econômica, enfim. O simples fato de ter sido da luta armada nem quer dizer que abrirá comissão da verdade. Eu não acredito.

Abs do Lúcio Jr.

celsolungaretti disse...

Já fiz vários artigos denunciando os sites e correntes virtuais fascistas.

E sei de companheiros que os denunciaram às autoridades, por enquanto sem resultados.

Respondem que faltam recursos materiais e humanos para atacarem em todas as frentes e que a prioridade é combater estelionato e pornografia infantil na web.

Quanto aos recursos com que as viúvas da ditadura contam, você está certíssimo. Dá para percebermos que são regiamente financiados, embora o Olavo de Carvalho esteja sempre mendigando doações para a sua cruzada reacionária.

Abs.

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