Quarto bangue-bangue de Sergio Leone, Era uma vez no Oeste (1968) é um filme lento, virtuosístico, inusitado e belíssimo, com atuações inesquecíveis de Charles Bronson, Henry Fonda, Jason Robards e Claudia Cardinale; outra trilha musical superlativa de Ennio Morricone; e a colaboração de ninguém menos que Bernardo Bertolucci e Dario Argento na concepção da história.
Destaque também para a singela homenagem que Leone presta ao grande John Ford, ao incluir no elenco um de seus atores favoritos, Woody Stroode (como um dos pistoleiros que esperam a chegada do trem na sequência inicial).
Nos 164 minutos de espetáculo, o italiano Leone evoca um dos temas clássicos dos faroestes estadunidenses, a vingança -- buscada por um homem misterioso (Bronson) que toca gaita de forma agônica e parece ter contas a ajustar com Frank (Fonda), o capanga do sr. Morton (Gabriele Ferzetti), capitalista selvagem que implanta a ferro e fogo a primeira ferrovia daquelas bandas.
Outro traço nostálgico, provável lembrança de muitas matinês, é a amizade que surge entre o Harmônica e o bandoleiro Cheyenne (Robards), começando pelo respeito mútuo e evoluindo para a simpatia e para uma aliança cheia de riscos enfrentados em conjunto.
De um sem-número de westerns outonais a que assisti, é um dos mais reverentes e românticos, emocionado e emocionante.
Mas, Leone não se permite o simplismo de apenas colocar na tela uma magistral sistematização das ilusões cinematográficas sobre o velho Oeste. Ele introduz também o contraponto da realidade, que se evidencia na sequência do tão aguardado duelo final.
Depois que o mocinho e o bandido finalmente se defrontam, a câmara vai se distanciando do confronto solitário para mostrar, logo ao lado, as centenas de trabalhadores construindo a estrada de ferro, que transformaria radicalmente a realidade econômica e social da região.
Breve não haveria mais lugar para os Harmônicas, os Cheyennes e os Franks. As individualidades lendárias estavam condenadas pelo desenvolvimento das forças produtivas; breve só existiriam... no celuloide.
Breve não haveria mais lugar para os Harmônicas, os Cheyennes e os Franks. As individualidades lendárias estavam condenadas pelo desenvolvimento das forças produtivas; breve só existiriam... no celuloide.
O indutor do progresso também não é poupado por Leone. Ele o apresenta de forma mais contundente ainda do que como Orson Welles retratou o Cidadão Kane.
Se Kane vê sua humanidade se dissipar entre o mundaréu de quinquilharias que acumula no final de sua trajetória, Morton vai morrendo enquanto sua ferrovia ganha vida.
Combalido, reduzido a cadeirante, só se movimenta com rapidez quando está no vagão do trem; Frank, aliás, sarcasticamente o compara a uma lesma que, por onde passa, deixa um rastro de gosma, na forma de trilhos.
Este foi o primeiro filme da trilogia que Leone completaria com Era uma vez a revolução (no Brasil, Quando explode a vingança, 1977) e Era uma vez na América (1984).
Dele também é a trilogia dos dólares: Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito (1966).
Um clássico absoluto. Imperdível! (por Celso Lungaretti)
5 comentários:
Ótimo! Diante da histeria dos endinheirados frente à imperial atitude dos USeiros e vezeiros, vamos ao cinema
Grande Celso.
"É o diabo na rua no meio do redomoinho"!
As armas, as astúcias... nos cenários grandiosos de Leone.
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Grandes sertões tem a frase para isso: o sertão é dentro da gente.
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Essa frase resume a ideia de que o sertão não é apenas um lugar geográfico, mas também um estado de espírito, uma dimensão interna da pessoa.
Os valores que norteiam um sertanejo ou os personagens dos westerns é o "sertão".
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O lugar mais que certo: sertão!
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"Viver é muito perigoso...":
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"O senhor tolere, isto é o sertão".
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"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem"!
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"O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme".
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"Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar".
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"Como sou pouco e sei pouco, faço o pouco que me cabe me dando por inteiro".
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"As pessoas não morrem, ficam encantadas".
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Eu estou aqui neste sertão como meu projeto Do Capinzal ao Florestal.
A custo as mudinhas crescem.
A terra foi muito degradada.
Mas já há sapinhos, minhocas, e o ingazeiro tem vagens.
O capim sapé é um guerreiro.
Choveu hoje.
Achei água!
Agora vai.
S.F.
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Meu caro SF, este filme traz um Sergio Leone tão convicto de que estava conseguindo transformar um western num quase filme de arte que ele até se permitiu brincar com os sentimentos do seu público no final: a grande vingança aguardada desde as primeiras cenas acontece sem espectadores, dois titãs acertando suas contas pessoais sem que disto nada de importante resulte.
Depois a câmara lentamente se desloca para a multidão, tão próxima e tão distante, que está empenhada na construção de uma ferrovia que colocará uma lápide sobre o tempo dos titãs. O recado de Leone é claríssimo: apesar das lendas encantadoras, o que realmente contava no velho Oeste era o progresso capitalista selvagem que o sr. Morton trazia.
Mas Leone era um homem justo, tanto que, sabendo quão terrível seria para as gentes tal progresso, tratou de punir antecipadamente o empreendedor: ele, que sonhava com o dia no qual veria o mar do outro lado da janela do seu vagão, acaba morrendo com o rosto enfiado numa poça de água enlameada.
É Celso... que filme!!!
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A luta agora é de refazimento no sertão que nunca saiu de dentro de mim.
Estou vendo ele brotar de novo da terra calcinada.
Domando a força do maquinário ao usá-lo no projeto de replantio.
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E continua sendo uma luta solitária.
Não acredito mais na possibilidade coletiva.
Não olha o firmamento, o que dizem as nuvens, a brisa, a lua, ou sentem o refrigério da sombra sob o sol do meio do dia.
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