RÉQUIEM PARA UM GLADIADOR
São indignas de Senna as lágrimas de crocodilo que jorram aos borbotões da mídia, reduzindo uma morte épica à banalidade das telenovelas.
Não foi vítima de um destino traiçoeiro nem assassinado pela incúria dos dirigentes do automobilismo mundial.
O muro que se agigantou à sua frente o perseguia desde os primórdios da carreira: está nos pesadelos de todos os pilotos. Não existe segurança a 300 quilômetros por hora.
O fascínio da Fórmula 1 tem tudo a ver com o instinto de morte, que Freud detectou como sendo um dos componentes essenciais de nossa psique e de nossa cultura. O herói do volante desafia o perigo a cada curva e o público junto com ele, numa identificação tão mágica quanto cômoda.
São os gladiadores do século 20, correndo riscos em nosso lugar, para que tenhamos uma boa catarse (aliás, até seus trajes e os autódromos –principalmente os circulares da Fórmula Indy– lembram o visual das arenas romanas).
Mas, na era da propaganda, tudo isso deve ficar implícito. Galvões e Lucianos se limitam a dissecar pequenos detalhes técnicos que reduziriam ou aumentariam as probabilidades de sobrevivência dos pilotos. Já os próprios, em rasgos de sinceridade, admitem que a linha separando acidentes superficiais dos fatais é tão tênue quanto um fio de cabelo.
Como Christian Fittipaldi ressaltou, descartando uma maior periculosidade em função da retirada do controle de tração e suspensão ativa: "Ano passado tinha tudo que vimos aqui mas, graças a Deus, ninguém se machucou. (...) O Berger, no GP de Portugal da última temporada, não se matou por milagre. (...) É relativo dizer que hoje o risco é maior".
Eles, os pilotos, sabem. Mesmo assim, entram naquelas estranhas máquinas e, em posições cujo desconforto beira a tortura, percorrem o fio da navalha em velocidades estonteantes, conscientes de que a mínima falha –sua, dos outros ou do equipamento– poderá ser fatal.
Pior: sua condição de ídolos depende não apenas de receberem a bandeirada na frente, mas de guiarem com arrojo e agressividade. Os fãs cobram esta atitude temerária. Ai dos Prosts que pensam antes na autopreservação, colocando a vitória em segundo plano! São tidos como covardes.
Tímido, pouco à vontade no papel de celebridade, jamais aparentando satisfação maior com as coisas simples da vida, Senna atingia a plenitude na arena de suas conquistas e no pódio triunfal. É difícil imaginá-lo aposentado, remoendo o passado e amaldiçoando o presente.
Parafraseando os roqueiros Pete Townshend e Neil Young, talvez no caso de Senna fosse mesmo preferível morrer antes de envelhecer, consumir-se em chamas do que definhar aos poucos. Foi até o fim no rumo que escolheu: gladiador altaneiro, merece respeito e não lamúrias. (por Celso Lungaretti)
Entrevista de 102 min. com Senna no programa Roda Viva, da TV Cultura (SP)
3 comentários:
Um comentarista anônimo tentou publicar aqui uma extensa diatribe contra Cuba e eu a vetei, não por discordar das opiniões que emitia, mas por ela não ter absolutamente nada a ver com o assunto do post.
Procedi da mesma maneira com relação ao copia-e-cola do mesmíssimo comentário no post sobre o Cássio. Não é assunto esportivo.
Mas, levando em consideração o tempo que ele deve ter levado para escrever tamanha catilinária, autorizei-a no post sobre o Brasil estar virando um Evangelistão, que, pelo menos, é um tema político, embora também não contenha nada relacionado a Cuba.
Peço, contudo, que doravante direcione seus comentários para os posts com os quais eles tenham alguma afinidade. Não estamos aqui para exercer o papel de censores, mesmo porque temos por tal prática muita repulsa. (CL)
Não sei o que ele tinha, mas ainda me entristeço com sua morte mesmo 30 anos passados.
Foi um choque.
Anônimo das 18h36, infelizmente o Senna foi vítima da ganância, se for procedente a revelação do Roberto Cabrini, jornalista que cobria o circo da F-1: o piloto Roland Ratzenberger teria morrido na véspera EM PLENO AUTÓDROMO!
Cabrini diz que foi o próprio Senna quem lhe contou isto, e eu acredito. Então, aquele GP não poderia ter sido realizado, pois a lei italiana o proíbe quando ocorre uma morte na pista.
A escapatória para que não fossem frustrados os interesses comerciais envolvidos teria sido a de FALSEAREM o momento da morte de Ratzenberger, dando o óbito como ocorrido no hospital!
Mas, sendo isto verdade, decerto muitos outros pilotos e dirigentes de equipes teriam tomado conhecimento de que impunha-se o cancelamento, mas se omitido. Seria outra confirmação de que, no capitalismo, a grana é o valor supremo e o direito à vida vem depois.
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