quarta-feira, 15 de novembro de 2023

NÃO PODERIA SER OUTRO O FILME DO DIA: "REPÚBLICA DOS ASSASSINOS".

A proclamação da República é um dos feriados menos festejados por nós, brasileiros: completa hoje 134 anos de matanças impunes, desigualdades aberrantes e esperanças nunca concretizadas de que nosso país saltaria da lama para a fama. É como se estivéssemos condenados à lama. Seremos carrapatos?

Então, nada melhor para expressar nossos sentimentos com relação a este feriado ferrado do que República dos Assassinos, sobre o repulsivo Esquadrão da Morte do qual derivaram as milícias do Rio de Janeiro, caldo de cultura do maior assassino de brasileiro de todos os tempos, responsável pela morte agônica de centenas de milhares de idosos, pobres e marginalizados. Trata-se, portanto, de um símbolo perfeito da efeméride desta 4ª feira. 

Eis alguns trechos mais marcantes da excelente resenha deste filme policial dirigido por Miguel Faria Jr. e baseado no livro homônimo de Aguinaldo Silva. Seu autor é Pedro "Pepa" Silva e foi publicada na revista Geni:
"
Ao contrário do que muita gente pensa, o Esquadrão da Morte não é uma criação do período da ditadura militar. Suas raízes se localizam na segunda metade dos anos 1950, durante a gestão do general Amaury Kruel como chefe de polícia do Rio de Janeiro. 

Ao que parece, não consistia numa instituição com unidade –em São Paulo, p. ex., o Esquadrão esteve ligado à repressão política do delegado Sérgio Paranhos Fleury. 

Elevada ao status de grande problema nacional, a impunidade esteve no cerne da criação desse grupo de extermínio e uniu policiais, comerciantes, bicheiros, traficantes – e criminosos. O Esquadrão atribuía a si mesmo uma função moralizadora da sociedade: limpar o banditismo a partir da execução dos delinquentes (na prática, o alvo era sempre o pequeno ladrão, o vilão das classes médias).

Na imprensa da época, as ações do grupo eram enaltecidas, especialmente depois que o secretário de Segurança da Guanabara Gustavo Borges (que promovia a morte de mendigos como política de limpeza da cidade…) declarou apoio ao Esquadrão. 

Essa foi apenas uma das diversas defesas públicas da associação. Um livro publicado na época sugeria o apoio ao colocar uma pergunta retórica como subtítulo:
Esquadrão da Morte, um mal necessário?

Numa longa reportagem em julho de 1970, a revista Veja apresentava o resultado de uma pesquisa feita em São Paulo e no Rio: 46% dos entrevistados se disseram a favor da atuação do Esquadrão. 

O prazer de matar ficava evidente nas ações do Esquadrão. Para citar dois exemplos: em 1962, o bandido Mineirinho era assassinado com 13 tiros; em 1964, bandido Cara de Cavalo era assassinado com 52 tiros. Mineirinho foi tema de crônica de Clarice Lispector; Cara de Cavalo estampou a obra mais famosa de Hélio Oiticica, sob o slogan Seja marginal, seja herói.  

Os nomes e entrechos são fictícios, mas há muita realidade por trás do livro e do filme. A começar por Mateus Romeiro (interpretado por Tarcísio Meira), que é a síntese do ex-policial Mariel Mariscot, conhecido como o Ringo de Copacabana

Mariel pertencia à Scuderie Le Cocq e também ao grupo de elite Homens de Ouro, da polícia civil do Rio (frequentemente enaltecido no programa do fascistinha Flávio Cavalcanti na TV Tupi). Tanto a Scuderie quanto o grupo de elite estiveram diretamente ligados ao que ficou conhecido como Esquadrão da Morte.

Na década de 1970, o Esquadrão ia aos poucos sendo visto como um problema da justiça e da polícia no Brasil. Embora se percebesse uma mobilização da opinião pública para pensar o problema, as execuções e os requintes de violência continuaram. 

Numa matéria de capa da revista Status, em 1986, dois repórteres acompanharam integrantes do Esquadrão na Baixada Fluminense, descrevendo a rotineira desova de corpos no Guandu, um rio manchado pelo sangue de sabe-se lá quantos mortos… 

Nessa época, falava-se em pelo menos 30 mil mortes na conta do Esquadrão. A caveira com tíbias cruzadas, símbolo do grupo, seguia conhecida dos moradores".
Clique aqui e assista República dos Assassinos
no Youtube, que agora não permite mais a inclusão
nos blogs da tradicional janelinha

4 comentários:

SF disse...

***
Desculpe, não assistirei este filme.
Não tenho tara suficiente para gostar de ver tais cenas e nem juízo para acomodar o primitivismo mambembe de tais obras.
***
Por outra, assisti outro filme mambembe Apocalipse Now, de Francis F Coppola.
(Não sei porque os gringos colocam tantas consoantes no nome, a gente nunca sabe se é assim que se escreve mesmo).
Destaco a cena da abordagem que marcou simbolicamente a passagem para absoluta barbárie no comportamento do grupo.
E só.
O adorado Marlon Brando rendeu a Coppola 150 milhões, mas, sinceramente, fez caras e bocas somente.
Parabéns ao diretor que realizou um milagre com a atuação pífia dele.
Acho que "El Padriño" bancou tudo. Então, valeu.
***
Alguém se torna um psicopata por dois fatores.
Nasce psicopata (genético).
Tem a oportunidade de dar vazão a sanha assassina (ambiente).
É assim com todos. E se estiver na multidão... então nem se fala.
***
Talvez por isso que outro cara, com um nome cheio de letras [tenho ver como se escreve (Nietzsche)] falou: quem luta com monstros vele para que não se torne um monstro também - algo assim.
*
A luta contra tal visão de polícia é ilustrada no seriado CSI - a criminalística dos gringos.
Por aqui, as polícias científicas continuam a batalha para trazer alguma coisa boa na segurança pública.
Os peritos vão com uma luz até o "Corazon de las Tinieblas"... olha o Coppola aí!
Como Teseu, vão ao centro do labirinto matar o monstro.
(O que seria dos contadores de estórias sem a mitologia grega?)
Orientados pelo tênue fio da ciência e da verdade.
Apoio mínimo... nem você se lembra de destacar a luta que tem sido implantar os departamentos de perícia dentro das polícias.
***

celsolungaretti disse...

Companheiro, não sou nenhum tarado por filmes violentos nem foi gratuita a escolha desse aí como símbolo da república brasileira.

Deixei isto claro ao traçar a "árvore genealógica" que começa no Esquadrão da Morte (cujo líder em SP foi em seguida convocado para liderar os assassinos do Dops e a partir daí ficou sendo protegido ostensivamente pela ditadura militar, até se descobrir que o EM paulista, no tempo dele, não matava para fazer uma faxina social mas sim para favorecer um grande traficante na luta contra os concorrentes), passa pelas mafiosas milícias do Rio de Janeiro e desemboca no presidente genocida que usou seu mandato para exterminar os brasileiros que considerava descartáveis.

Quanto ao "Apocalipse Now", foi um ato de coragem do Copolla enfiar na fuça dos estadunidenses tal recorte da realidade da Guerra do Vietnã. Brilhante adaptação de "O coração das trevas", do Joseph Conrad, para outra realidade igualmente dilacerante.

Mas, o duelo entre o general enlouquecido e o capitão enviado para assassiná-lo ficou muito prejudicado: é que o "carisma zero" Martin Sheen simplesmente sumia da tela nos momentos em que contracenava com o Marlon Brando. Ninguém olhava na direção ele.

Quando o Kurtz pergunta ao Villard "Quem é você, um assassino? Não, é apenas o contador enviado pelos burocratas para fechar uma conta que estava dando prejuízo", causa a nítida impressão de que seu desprezo não era só pelo personagem, mas também pelo ator que jamais deveria estar participando de uma cena importante junto com ele.

Coppola tirou a sorte grande quando o principiante Al Pacino caiu como uma luva no papel de Michael Corleone no primeiro filme da saga do "Poderoso Chefão". Era uma escolha arriscada e funcionou. Já o eterno coadjuvante Martin Sheen no papel de Villard foi uma escolha arriscada que se revelou... desastrosa! Matou boa parte do impacto do filme.

Na época eu era crítico de cinema do semanário "Fim de Semana", uma iniciativa autônoma de alguns diretores do Estadão, e discordei enfaticamente da divisão da Palma de Ouro de melhor diretor do Festival de Cannes de 1979 entre Coppola e Volker Schlöndorff (pelo chatinho "O tambor").

O resultado foi o fim de minha colaboração, pois os mandachuvas do Estadão eram tão ardorosos na defesa da intervenção dos EUA no sudeste asiático quanto o são agora no endosso dos massacres israelenses em Gaza.

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bom. Aqui é Hebert.
Um comentário sobre o filme: Por coincidência, esse é um daqueles que sempre vejo,
no Canal Brasil, quando posso. Sempre dou um "Alô" no perfil do Anselmo Vasconcelos
e mando "Beijo nas mãos da Eloína", personagem inspirada
na Eloína do Leopardos da galeria Alaska, pela destacada interpretação.
Outro que vejo, mais pela trilha sonora da Banda Azymuth,
é "Eu matei Lúcio Flávio", com Jesse Valadão no papel de Mariel Maryscôtt.
Um comentário sobre os "homens de aço": volta e meia
se discute sobre a aplicação da pena capital,
nos esquecemos do esquadrão, do "mão branca" entre outros.
Um abraço, e bom fim de semana.

celsolungaretti disse...

Hebert, depois de havermos jogado no lixo quatro anos de nossa História, submetidos a um presidente psicopata que seguia fielmente as pegadas da repressão política da ditadura militar e dos grupos de extermínio de marginais, teve todo sentido eu pegar o gancho do 15 de novembro para lançar no blog o "República dos Assassinos".

Até porque, em pleno século 21, as milícias do RJ, que têm muitos pontos de contato com os antigos esquadrões da morte, ainda não foram desbaratadas pelas "otoridades". Temos mais é de manter bem viva a memória desses grupos crapulosos que sempre atuaram sob as vistas grossas de governadores (e até de uma caricatura de presidente) de direita.

De resto, o ator que melhor personificou o Mariel Mariscot nas telas foi, na minha opinião, o Paulo Cesar Pereio, como o "dr. Moretti" de "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia". O Tarcísio Meira e o Jece Valadão eram inadequados para o papel daquele policial midiático, que ficou ainda mais metido a galã depois que foi escolhido como um dos "homens de ouro" da Secretaria da Segurança.

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