Para meus leitores, me desculpo por não ter trazido aqui ao Náufrago, há mais tempo, meu texto com minha opinião sobre a atual guerra de Israel contra o Hamas.
A nova união popular ecológica e social das esquerdas francesas (Upes) não chegou a uma unanimidade diante do ataque do grupo Hamas a Israel. Uma declaração ambígua de Jean-Luc Mélenchon, do partido La France Insoumise, e um comunicado dos seus deputados na Assembléia Nacional, falando da "ofensiva armada das forças palestinas conduzida pelo Hamas" praticamente rachou a união das esquerdas francesas.
Mélenchon não condenou claramente o ataque do Hamas à população civil israelense, como fizeram os outros partidos de esquerda, chegando a justificá-lo com a frase "toda violência desenfreada contra Israel e à Gaza só prova uma coisa: a violência só produz e reproduz ela mesma" embora apelasse à solução 'dos dois Estados'".
Diante da violência das imagens da tomada de reféns e da execução de civis, principalmente no local do encontro de música rave, onde foram mortos cerca de 260 jovens indefesos, tanto o partido comunista como o socialista tinham condenado os atos terroristas como inaceitáveis e injustificáveis. O partido comunista tinha defendido, há alguns meses, uma resolução qualificando Israel como um regime de apartheid.
No Brasil, o dirigente do Partido da Causa Operária, Rui Costa Pimenta, não adotou nenhuma posição ambígua com relação ao ataque do Hamas, mas se considerou solidário com o Hamas que "está organizando a resistência do povo palestino".
Por sua vez, o blog Náufrago da Utopia, representativo de uma esquerda independente, publicou um comentário no qual acentua "Não podemos concordar com os métodos do Hamas, de ataque indiscriminado a civis, e nem com sua ideologia de fundamentalismo religioso -inspirado no Irã -, mas não é possível fechar os olhos aos crimes sistemáticos cometidos pelo governo de Israel contra os palestinos." E critica a política sionista e terrorista de Israel com relação aos palestinos de Gaza.
Nada confortável a posição da Suíça, que até hoje não considera oficialmente o Hamas como uma organização terrorista. Por diversas vezes, o Conselho Federal tem explicado não haver base jurídica para isso enquanto a ONU não tomar essa decisão. Foi assim que agiu com relação ao movimentos Al-Qaida e Estado Islâmico, proibidos na Suíça. O mesmo acontecerá com o Hamas, se o Conselho de Segurança das Nações Unidas declarar o Hamas organização terrorista.
O presidente da Federação Suíça das comunidades israelitas denunciou na imprensa que "o Hamas está livre de movimento na Suíça, onde pode coletar dons e gerir suas finanças", mesmo se tratando de um movimento antidemocrático, contrário à dignidade humana e antissemita, que prega a morte dos judeus, evocando o mito de uma conspiração mundial judaica e negando a existência do Estado de Israel.
As pressões dentro do parlamento suiço são também no sentido de serem cortadas as subvenções enviadas aos palestinos de Gaza, para evitar que sejam desviadas pelo Hamas.
Embora alguns considerem ter sido reforçada a posição do dirigente israelense Benjamin Netanyahu, com o clima de união nacional contra o Hamas, provocado pelo ataque e massacres cometidos, essa situação tende a ser transitória e de curta duração. Apesar do êxito da iniciativa de Netanyahu de reforçar seus poderes e diminuir a competência da Corte Suprema - ação semelhante à que está sendo tentada pela extrema-direita no Senado brasileiro para jugular o STF -, contando com o apoio da extrema direita e dos ultra-ortodoxos israelenses, seu governo não pode explicar a facilidade com que o Hamas invadiu o território israelense, usando mesmo de parapentes, e como recebeu, provavelmente do Irã, a teocracia islâmica aliada, e armazenou tantas armas, munições e obuses sem levantar suspeitas.
O valor simbólico dessa invasão, massacres e bombardeios de Israel pelo Hamas é enorme e corresponde a um atestado de incompetência de Netanyahu que mesmo a direita isralense nunca poderá perdoar. A juventude laica e a esquerda israelenses que, desde janeiro enchiam as ruas de Israel contra o plano de plenos poderes de Netanyahou, reforçada agora por muitos israelenses históricos, cobrarão a queda do candidato a ditador.
Ainda hoje, quatro dias depois do ataque do Hamas, a televisão europeia mostra novas cenas de horror, captadas por câmeras de videovigilância no kibbutz de Be´eri, perto de Sderot, a alguns quilômetros da fronteira com Gaza, onde viviam 1200 habitantes. Centenas de homens, mulheres e crianças foram ali mortos e mesmo decapitados e massacrados. Outros foram levados como reféns.
Depois de consultar muito material sobre o 7 de outubro, me lembro de um filme recente visto há dois meses no Festival de Cinema de Locarno. E me lembro do que agora poderia considerar como ingenuidade ou ilusão, tanto do diretor e produtores do filme O Soldado Desaparecido, como de mim mesmo ao participar da entrevista concedida à imprensa pelo diretor Dani Rosenberg. É verdade, apesar da faixa de Gaza não ser uma solução para os palestinos que ali vivem, existia a esperança de que logo haveria a possibilidade de uma colaboração pacífica entre israelenses e palestinos, talvez decorrente de um anunciado próximo acordo de Israel com a Arábia Saudita.
Faltou-me, e também ao realizador franco-israelense Dani Rosenberg, ter lido um documento bem recente da Organização Internacional do Trabalho sob o título A Situação dos Trabalhadores dos Territórios Árabes Ocupados, no qual se revelam tensões existentes e a precariedade laboral nessas áreas. Em tais situações, ser otimista diante de crises não solucionadas equivale à irresponsabilidade de fechar os olhos ou, pior ainda, torcer para que dê certo!
O filme é irreal! Eu me penitencio pelo meu comentário e puxo as orelhas do realizador Dani Rosenberg, pois vejam qual é a trama:
Shlomi, um soldado israelense, deserta, abandona sua tropa em Gaza e corre para ir se encontrar com sua namorada em Jerusalém, para outro tipo de embate... na cama. A conclusão é lógica: se todos os soldados fizessem o mesmo, não haveria mais guerra! Isso só no reino do faz-de-conta!
Mas o realizador do filme, que tem metade de minha idade, não deixou por menos: Dani Rosenberg, o realizador do filme, deplora a obrigatoriedade dos jovens israelenses, na verdade ainda adolescentes, serem obrigados a um amadurecimento prematuro, que significa o fim de uma juventude natural. Numa entrevista publicada pelo jornal do Festival, Rosenberg saúda a criação de um movimento em Israel colocando em questão a obrigatoriedade incontestável de servir o exército.
O que teria dado tanto otimismo a Rosenberg, se antes se preocupava com o risco de Israel ser bombardeado pelo Irã?
Por que esse temor? Porque o Irã, teocracia islâmica, e o Catar, onde houve a Copa do Mundo, são os dois grandes amigos do Hamas e inimigos de Israel. O Irã, para quem se esqueceu, é o país onde está presa a militante Narges Mohammadi, prêmio Nobel da Paz, e onde foi assassinada pela polícia de costumes a jovem Mahsa Amini, de 23 anos após ter sido por não ter coberto seus cabelos com o véu, vindo a morrer três dias depois por traumatismo craniano. O islamismo restringe a liberdade e os direitos femininos e as obriga a usarem roupas cobrindo todo seu corpo. O Hamas foi criado em 1987 por palestinos islâmicos com o objetivo de criar um estado palestino islâmico e destruir Israel e se contrapõe ao Fatah, criado por Yasser Arafat, que é laico, defende a criação de dois Estados e tem maioria na Cisjordânia. (por Rui Martins)
Nenhum comentário:
Postar um comentário