sábado, 29 de julho de 2023

O CHORO DE LULA É DESPOLITIZANTE E REACIONÁRIO

 Lula possui o hábito costumaz de chorar, sobretudo em situações em que a miséria do país é colocada diante dele. Certamente, muitos devem ver nesse hábito a coragem de um homem em mostrar sua faceta humana e, ainda por cima, quebrar estereótipos de gênero, visto ser o choro culturalmente considerado algo indigno dos homens, algo próprio das mulheres. 

No entanto, o hábito de segurar bebês também foi introduzido no passado com motivação semelhante. Em uma época que o cuidado com crianças era algo exclusivamente feminino, quando o homem sequer podia se aproximar dos infantes, os políticos começaram a segurar os pequeninos como prova de sua humanidade e forma de quebrar estereótipos parecidos aos de hoje. Genuíno ou não, o ato buscava aproximar políticos do populacho comum, mostra-lo enquanto um indivíduo típico e não um aristocrata servido por babás e empregados domésticos. 

Estou com isso condenando segurar bebês ou chorar? Claro que não! Apenas gostaria de refletir sobre o significado dessas ações, nem de longe inocentes. Bolsonaro, por exemplo, também chora, mas seu choro tem um sentido diferente do de Lula. 

Nem sempre Lula chorou. Pelo meu entendimento, seu hábito de chorar começou de forma acentuada mais ou menos por volta da década de 1990. Quando era um líder sindical, não há relato de que tivesse o costume de chorar, mesmo tendo motivos genuínos para expressar fortes emoções naquele período. É válido, portanto, considerar ter esse hábito se iniciado por algum motivo naquela época. 

Não sem coincidência, a década de 1990 marca o período de transição de Lula e do próprio PT de uma posição centrada na lógica trabalhista, orientada pela ação sindical e pelo estatismo, para uma tônica de digestão administrativa da pobreza, seguindo as orientações do Banco Mundial e os ditames morais da Igreja Católica, sobretudo. Nessa nova forma de conceber a ação política, a luta pelo controle social dos trabalhadores foi cedendo espaço à ideia de conter os danos mais pronunciados da extrema pobreza, incluindo os pobres através da assistência social e levando serviços públicos para os grotões marginalizados. Ao invés de combater o capitalismo, minorar seus impactos. 

Em lugar da luta de classes, era colocada a centralidade da moral de matriz cristã. O pobre substituía o trabalhador e as diferenças econômicas eram apagadas em nome do discurso tecnocrata da política social a ser conduzida pelo Estado cidadão. Nesse aspecto, a pobreza passou a ser vista não enquanto um produto necessário e inevitável do desenvolvimento capitalista, forma social que só pode produzir riqueza gerando, ao mesmo tempo, imensa miséria, mas como uma falha moral de indivíduos egoístas e sem humanidade, incapazes de estender a mão para seus semelhantes. 

Para Lula e o PT, o primordial passou a ser não mudar a sociedade, mas garantir que um pouco do banquete dos ricos chegasse à mesa dos pobres. Passou a imperar o espírito caridativo e esse foi elevado a política pública oficial. Mas a caridade sempre está baseada em emoções, no apelo à sensibilidade alheia. O sujeito que esmola na rua roga aos passantes para lhe ajudarem a satisfazer a fome e, para isso, apela aos sentimentos nobres deles. A esmola é sempre algo feito a partir da comoção, da tristeza diante da dor alheia. 

Por isso Lula chora. Ele precisa esmolar em prol dos miseráveis. Ele chora para sensibilizar a classe dominante, a burguesia, dos males vividos diariamente pelos pobres do Brasil. Nossos capitalistas, conhecidos pela patifaria e mesquinhez, necessitam ser lembrados de seu dever cristão de ajudar os semelhantes e contribuir com um pedaço do imenso orçamento público para garantir o sucesso das políticas de digestão da pobreza. 

No entanto, se a caridade individual é bem-vinda e meritória - pois de fato a fome e o sofrimento de um ser humano são algo inadmissíveis, sendo dever de qualquer um ajudar a quem sofre - a caridade pública é um ato despolitizante e reacionário. Um indivíduo não tem condições de modificar a estrutura social, mas forças coletivas sim e, por isso, não deve ser papel de um líder popular transformar a caridade em fim político, mas apontar para a transformação concreta do mundo de modo a superar radicalmente a miséria e por fim à necessidade de qualquer caridade. 

A caridade pública gera o clientelismo porque passa a colocar o beneficiário em condição de credor daquela organização que o ajuda. Não à toa as instituições religiosas sempre usaram e usam do mecanismo da caridade como meio para alavancar sua influência e seu poder, pois assim pode forjar uma base imensa de dependentes. Por isso também, a caridade pública nunca busca romper com a miséria, extirpa-la, pois precisa da existência de miseráveis para manter aquele grupo responsável pela ação caridativa. 

Assim, o choro de Lula é despolitizante e reacionário. Faz parte de uma estratégia de digestão moral da miséria, de administração da extrema pobreza, e visa substituir a luta de classes pelo moralismo tacanho e sentimentalóide.

De novo, não se trata de condenar o choro por si mesmo, como se fosse uma atitude indigna. Demonstrar sentimentos em público não é indigno, mas o choro de um líder pode ser a expressão da fúria diante de uma injustiça, do entusiasmo diante da luta ou mesmo a tristeza por perdas e derrotas, mas jamais o choro costumaz de quem quer mais uma esmola para o povo que, no fim das contas, é o criador de toda a riqueza existente e, por isso, não deveria precisar de nenhuma caridade. (por David Emanuel Coelho) 

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