O mais recente filme de Christopher Nolan, Oppenheimer, não é nem revolucionário, nem uma obra prima do cinema. Trata-se de uma cinebiografia do físico estadunidense Julius Robert Oppenheimer, responsável por coordenar o chamado Projeto Manhattan que, durante a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu a primeira bomba atômica da história. Essencialmente, o filme mistura elementos de narrativa acelerada e não linear para nos mostrar as facetas do cientista, explorando seu ativismo político, sua vida privada, seu papel no dito projeto e finalmente a perseguição política contra ele na década de 1950.
A narrativa é longa - se poderia tranquilamente tirar uns 40 minutos do filme -, superficial em muitos momentos e, em se tratando de um filme de Nolan, pretenciosa, às vezes chegando às raias da caricatura. Em alguns momentos existe a impressão de que o filme é um thriller de espionagem ou político; outras de que se trata de um filme de tribunal. A Guerra, apesar de estar no centro de todo o processo de construção da bomba, é algo distante, quase um eco burocrático. Mesmo o nazismo surge quase como uma lenda, um bicho papão cujo combate é imperativo.
Tudo isso combina bem com a representação do próprio Oppenheimer, visto mais como um indivíduo intangível, que primeiro simpatiza com o comunismo, mas logo se distancia para galgar posições na carreira. Uma hora é um entusiasta de sua bomba, para logo depois estar amargurado com as consequências da nova arma. Contudo, quem já viu outros filmes do diretor está acostumado com a estética praticamente episódica de sua narrativa e a superficialidade dos personagens.
No entanto, o filme tem pontos positivos que ficam por conta das representações do contexto histórico. É interessante ver o quanto o período ainda gerava cientistas autênticos, e não meros tecnocratas. Isto é, gente com sensibilidade artística, filosófica, política e social, capaz de se engajar em lutas sociais e debater questões éticas sutis, em outras palavras, intelectuais. Oppenheimer, por exemplo, além das atividades políticas, se interessava por arte e chegou mesmo a aprender sânscrito para ler textos hindus. A justificativa para a construção da bomba, capaz de engajar os mais brilhantes espíritos científicos dos EUA, era a luta contra o Nazismo e não simplesmente a execução de um plano burocrático do governo.
Mas a execução do Projeto Manhattan foi justamente responsável pela transformação dos cientistas de intelectuais em tecnocratas. Embora a Ciência já tivesse sido articulada com o esforço bélico na Primeira Guerra Mundial, apenas no programa desenvolvido no Novo México o uso dela passou a ser sistemático, criando um novo tipo de poder político e social, o tecnocrata. A bomba e seu esforço de construção revelaram de forma cabal que a ciência não apenas serve para criar mercadorias, mas conduz diretamente ao domínio político em nível global.
Por isso, após a Guerra, os cientistas foram deixando de ser intelectuais e se tornaram cada vez mais funcionários de um longo aparato industrial. Um tipo igual Oppenheimer deixou de existir e a própria teoria perdeu seu aspecto filosófico se tornando cada vez mais apenas uma série confusa de números e equações, compreensível apenas aos iniciados. O tratamento dispensado ao criador da bomba na década de 1950 também demonstra o temor dos meios políticos frente ao novo poder emergido, pois nas mãos dos cientistas começa a estar o futuro das potências e o antigo espírito científico de publicidade e colaboração fraterna cede lugar ao segredo e à paranoia generalizada. Nunca antes a frase saber é poder foi tão real.
A bomba atômica é o produto de desenvolvimento científico mais avançado da história da humanidade, não tendo sido nunca superado até hoje, pois por ela é possível usar o poder fundamental do átomo para destruir, potencialmente, todo o planeta. É também a expressão mais radical do elo entre o saber teórico e o uso prático, pois nasceu de especulações extremamente abstratas em torno da natureza do espaço e do tempo e da constituição fundamental da matéria, um debate que remonta aos filósofos antigos. No entanto, no momento em que o primeiro físico provou ser possível dividir o átomo, ficou claro o passo seguinte, conforme expresso no filme: o poder do átomo poderia levar à construção de uma bomba.
Finalmente, o filme nos mostra o real motivo dos nazistas não terem conseguido construir a bomba. Ao fim, a intolerância hitlerista foi o ponto fraco da Alemanha, pois todo grande cientista na época ou era comunista ou era judeu, não raro os dois. Ao banir ambos, o Fuhrer perdeu o principal de sua massa cinzenta e acabou perdendo a corrida atômica logo na largada. Já o Tio Sam foi mais inteligente porque mesmo detestando ambos - o antissemitismo sempre foi uma tônica forte nos EUA - manejou para usa-los em seu próprio benefício. Ponto para a democracia liberal.
Revisitar a história de Oppenheimer e da criação da bomba atômica não é mero exercício histórico e o lançamento do filme não poderia ser em momento mais crítico, quando o mundo revive a possibilidade concreta de uma guerra nuclear, podendo levar ao fim expresso na película de Nolan com a atmosfera terrestre sendo incendiada e a humanidade se despedindo da existência bem ao modo do final do clássico Doutor Fantástico, de Kubrick. (por David Emanuel Coelho)
Nenhum comentário:
Postar um comentário