sexta-feira, 23 de junho de 2023

HÁ 86 ANOS NASCIA VLADIMIR HERZOG. SEU SACRIFÍCIO NOS INSPIRA ATÉ HOJE!

 
Herzog e o filho Ivo: perda irreparável! 
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este domingo transcorreria o 86º aniversário do jornalista Vladimir Herzog, assassinado  sob torturas em 1975 no DOI-Codi de São Paulo.

O acontecimento despertou grande indignação no Brasil e no exterior, acabando por se tornar o ponto de inflexão a partir do qual a ditadura militar começou a desmontar os órgãos repressivos que criara na fase mais aguda do terrorismo de Estado.

A efeméride vem a calhar, pois nos estimula a refletirmos sobre os horrores dos quais escapamos com a recente e acachapante derrota dos nostálgicos do arbítrio e das atrocidades dos anos de chumbo. 

Eles passaram o último quadriênio inteiro conspirando para fazer o Brasil voltar às trevas, sob o comando de um psicopata que há décadas se proclama seguidor de Brilhante Ustra, aquele torturador emblemático que até 1974 comandou o mesmo centro de torturas no qual  Herzog viria a falecer.

Morto no dia 25 de outubro de 1975, ele teve destino idêntico ao de dezenas de outros combatentes e idealistas que foram vitimados por acidentes de trabalho nos porões da ditadura. Isto para não falar dos executados a sangue-frio depois de presos e dos que tombaram  sob os tiros da repressão, às vezes tocaiados como Carlos Marighella, que não teve tempo para esboçar a mínima reação.

Por que a morte do Vlado  repercutiu tanto?  

A de outros jornalistas, como Mário Alves e Joaquim Câmara Ferreira, não despertou tamanha comoção na época. E ambos morreram de forma igualmente chocante: Câmara Ferreira se atracando com os torturadores para forçar um ataque cardíaco, enquanto Mário Alves sofreu um verdadeiro massacre, chegando  a ser empalado com um cassetete dentado.

Há vários motivos para o caso do Vlado ter sido mais emblemático.

Primeiramente, chocou e até hoje choca sabermos que ele se dirigiu pelas próprias pernas ao encontro da morte, acreditando que sofreria apenas o interrogatório para o qual estava convocado.

Por que ele não desconfiou de que poderia receber o mesmo tratamento que tantos outros antes dele? 
Médici foi o campeão de torturas nos anos de chumbo

Por um motivo simples: em 1975 a tortura já arrefecera, pois a esquerda armada havia sido totalmente dizimada.

O auge da tortura se deu no período 1969/73. Os militares reagiram ao enfrentamento aberto da esquerda estruturando, em São Paulo, a famigerada Operação Bandeirantes, incumbida de combater apenas a vanguarda armada, enquanto as organizações desarmadas, como o velho PCB, continuaram sendo atribuição do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, que ainda se mantinha dentro de certos limites.

A Oban nasceu clandestina em junho de 1969 – montada por oficiais das três Armas e policiais civis, com financiamento de empresários fascistas. No início de 1970 foi legalizada, além de congêneres serem criadas nos demais Estados brasileiros, ficando todas as unidades com a denominação de DOI-Codi. Funcionavam em quartéis da Polícia do Exército, com exceção da pioneira paulista, que continuou operando nos fundos de uma delegacia de polícia da rua Tutoia. 

Desde o primeiro momento, teve mais poder do que a estrutura legal das Delegacias de Ordem Política e Social espalhadas pelo país, chegando a arrancar presos políticos de suas mãos quando bem entendia. E, como a rede dos DOI-Codi's passou a ocupar-se da subversão como um todo, foram retiradas dos Dops quaisquer incumbências de investigação e captura; passaram a atuar apenas na formatação das denúncias a serem encaminhadas às auditorias militares. 

Para seus quadros, os DOI-Codi's ofereciam remunerações elevadas e, no caso dos militares, a perspectiva de ascensão meteórica na carreira.

DO SERVIÇO SUJO SE INCUMBIAM RAPINANTES – A esquerda armada expropriava bancos, executava operações altamente rentáveis como o roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros.  
Edição histórica: repúdio à morte de Schreier
Então, os militantes às vezes portavam somas vultosas consigo ao serem presos. Nas organizações em que militei, a VPR e VAR-Palmares, cada combatente dispunha de um substancial fundo de reserva, que deveria ser mantido intocado até uma circunstância extrema, como a de ele ficar descontatado e ter de fugir do País.

Dinheiro, armas, veículos e até objetos de uso pessoal dos militantes dessas organizações eram, por sua vez, expropriados pelos captores, que os dividiam a seu bel-prazer, nunca o restituindo aos proprietários expropriados. 

Além disto, os empresários financiadores da repressão contribuíam para as caixinhas de prêmios pela captura ou morte de militantes clandestinos. Cada revolucionário importante tinha o valor previamente fixado, daí o empenho obsessivo dos rapinantes em chegarem até eles. O bolo era dividido segundo a importância de cada qual no esquema repressivo, sobrando algum até para os carcereiros... 

Com a derrota da luta armada, o ditador Ernesto Geisel pretendia ir desmontando aos poucos esse Estado dentro do Estado. Militar de mentalidade prussiana, não admitia a existência de um poder paralelo envergonhando a farda.

Ora, os rapinantes haviam se acostumado com um padrão de vida muito superior ao que lhe possibilitava seus soldos e já não conseguiam mais viver sem a rapina – tanto que a notória equipe de torturadores da PE da Vila Militar do RJ envolveu-se com contrabandistas em 1974 e acabou sendo presa, interrogada... e torturada, provando um pouco do próprio veneno.

Então, para atrapalhar a distensão lenta, gradual e progressiva de Geisel, que incluía a desmontagem do aparelho repressivo de exceção, passaram a efetuar provocações que, esperavam eles, fariam a esquerda reagir, permitindo-lhes alegar que continuavam sendo úteis e necessários. Valia tudo para despertarem o fantasma do comunismo, que lhes era tão vantajo$o.

Assim, uma base do PCB que fora formada na ECA/USP e se expandira com o ingresso de seus membros na carreira de jornalistas – continuando, entretanto, bem longe de representarem uma ameaça real ao regime – acabou sendo escolhida como um dos principais alvos de uma suspeitíssima escalada de prisões de peixes pequenos, desencadeada em outubro de 1975. 
Religiosos de três confissões oficiaram a missa de 7º dia de Herzog, na Catedral da Sé.
Embora estivesse havia poucos meses lecionando na ECA, Herzog foi incluído no pacote dos provocadores, talvez porque era um professor muito querido na USP desde que nela se formara em Filosofia no ano de 1959. Supunham que, prendendo-o, os universitários protestariam. 

Então de repente, não mais que de repente, a repressão se deu conta de que a ditadura começaria a ser derrubada pela insidiosa infiltração subversiva no Departamento de Jornalismo da TV Cultura, que era dirigido por Herzog e tinha mísero 1% de audiência em São Paulo...

Vlado, coitado, não levou em conta o arranca-rabos nos bastidores do regime e seguiu confiante para o matadouro. Até pela estima que lhe devotava o governador paulista Paulo Egydio Martins, estava certo de que em seu caso não abririam a caixa de ferramentas. Quão pouco valia a vida de um homem!

COMO OCORRIAM OS ACIDENTES DE TRABALHO – Aqui falo por experiência própria: ao recebermos choques elétricos não conseguíamos respirar e nos sentíamos como se estivéssemos morrendo. Mas os torturadores, quando não queriam nos matar, cessavam a descarga antes de enfartarmos. 

No entanto, baseavam-se  numa média de tempo que o supliciado fosse capaz de suportar; quando ele possuía alguma comorbidade, eventualmente expirava antes.
Boillesen, notório empresário financiador da repressão 

Os torturadores, ao excederem a dose causando-lhe a morte, despertaram a indignação mundial – para o que também concorreu a ascendência judaica da vítima, repetindo em escala ampliada o que já sucedera no final de 1969, quando da morte sob torturas de Chael Charles Schreier, militante da VAR-Palmares. Judeus são muito sensíveis à morte dos seus em circunstâncias semelhantes às do Holocausto.

Geisel e seu fiel escudeiro Hugo de Abreu aproveitaram a chance para minarem o DOI-Codi para que sua extinção não despertasse resistências na caserna. Assim, Geisel deu ao II Exército o ultimato de que não poderia deixar uma morte inconveniente como aquela se repetir.

Previsivelmente, antes que se completassem três meses, os torturadores erraram a mão de novo, despachando para o túmulo o metalúrgico Manuel Fiel Filho, também do PCB. Com isto, forneceram a Geisel motivo suficiente para exonerar o comandante do II Exército Ednardo D'Ávila Melo e desmontar o DOI-Codi, robustecendo seu projeto de abertura política.

Por último, devem ser lembrados: 
  • o cansaço dos cidadãos que viviam sob terror policial desde 1969 e já não aguentavam mais o clima de autoritarismo e intolerância, mesmo porque, visivelmente, não havia mais uma ameaça verdadeira ao regime; 
  • a resistência dos jornalistas, que afinal se avolumou; e
  • a coragem dos líderes religiosos de três confissões, que correram todos os riscos ao realizarem na Catedral da Sé uma missa ecumênica pela alma de Herzog, implicitamente desmentindo a versão da ditadura segundo a qual  ele se suicidara.
Quantos teriam morrido se o golpe tão acalentado por Jair Bolsonaro não flopasse?
Nem assim as tentativas de inviabilizar a redemocratização do Brasil cessaram de todo. Em 1976 houve atentados a bomba contra o semanário Opinião, a ABI, a OAB e a residência de Roberto Marinho, além do sequestro e espancamento do bispo de Nova Iguaçu e da chacina dos militantes na gráfica do PCdoB.

Em 1979/81, a ação dos grupos paramilitares de direita se intensificou, com novos ataques a entidades e cidadãos ilustres (como o jurista Dalmo de Abreu Dalari) e até os bizarros incêndios de bancas de jornais nas quais eram vendidas publicações alternativas.

Até que, em 30 de abril de 1981, o feitiço virou contra o feiticeiro: a bomba explodiu no colo do terrorista fardado que pretendia provocar pânico de consequências imprevisíveis durante em show musical no Riocentro. A maré mudou e a redemocratização foi consolidada. (por Celso Lungaretti, veterano da resistência à ditadura, que quase enfartou e teve um tímpano estourado nos porões do regime militar) 

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso, não esqueça do aniversário do Massa em 22 de Janeiro = 75 anos

celsolungaretti disse...

Anotado.

Anônimo disse...

Quando Vlado morreu, eu tinha 10 anos. Os meios de comunicação eram controlados, mas percebia que meu amado Brasil tinha algo de errado em seu "caráter".

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