terça-feira, 9 de maio de 2023

A MISÉRIA NUNCA É BOA COMPANHEIRA!

 Se a miséria fosse por si só socialmente revolucionária, o Haiti já teria feito a revolução. 

Não! Só a consciência revolucionária adquirida a partir de uma teoria e aliada a uma ação concreta levada a cabo pela coletividade resoluta pode alterar o quadro de submissão à barbárie social e agressão ecológica ora em curso mundo afora.  

Há flagrante perda de poder aquisitivo coletivo no estágio atual de ocaso do itinerário de nascimento, vida e morte do processo histórico do capitalismo mundial que hoje atinge todos os poros das sociedades mundiais.  

É no exato momento do seu apogeu social, quando se instalou em todos os espaços mundiais, que o capitalismo dá sinais de esgotamento, e isto ocorre justamente porque não há mais como se expandir, fazendo-o perder a força anteriormente obtida pela velocidade de crescimento constante, ora impossível de ocorrer, e cai tal qual uma bicicleta que uma vez tendo sua velocidade paralisada - perda da força centrífuga -, derruba o seu condutor.  

O capitalismo sempre foi segregacionista e belicista, vez que cresce como rabo de cavalo, para baixo, ou seja, cria ilhas de prosperidade e oceanos de pobreza, além de ser genocida em razão de sua necessidade de guerra expansionista.  

Entretanto, agora, em seu estágio de ocaso enquanto forma de relação social tornada obsoleta, nem mais nas ilhas de prosperidade ele consegue se manter estável, e é a partir dos grandes centros da hegemonia capitalista que deve vir a grande ruptura a se irradiar para a sua imensa periferia.   

Observa-se, hoje, nos grandes centros capitalistas do ocidente, notadamente na União Europeia, movimentos pendulares de ruptura com o ardem jurídica e econômica vigente, ora indo para a extrema direita com Marine Le Pen, na França, Adam Walker, do Partido Nacional, na Inglaterra, Beatrix von Storch, na Alemanha e Georgia Meloni, na Itália, respectivamente. E ora com grandes manifestações populares de insatisfações. 

Mas também na Ásia, na China e Japão são comuns movimentos de insatisfação populares que estão a reclamar uma mudança de rumos. Nos Estados Unidos, a alta inflação dos últimos tempos tem causado perda de poder aquisitivo, ainda que o nível de desemprego esteja baixo.  

Os países ricos, em que pese a receita que ainda obtêm em função dos manufaturados de alta tecnologia  vendidos a preços diferenciados em relação às comodities dos países periféricos - como ocorre com o Brasil exportador de soja e minério de ferro, substancialmente, que o faz ser inexpressivo economicamente, mas vital como riqueza material fornecida a valor e preços irrisórios -, dos lucros de suas empresas operando no exterior de onde recebem as respectivas remessas e do sistema bancário credor dos juros altos cobrados aos países pobres, a situação já não é mais tão cômoda com foi no passado recente.  

A migração das unidades industriais para os países onde a mão de obra barata lhes permite continuar competitivos na guerra concorrencial de mercado tem feito decrescer as suas rendas e impostos nacionais. 

A chamada classe média nos países ricos vem perdendo direitos sociais, como é o caso do aumento da idade para a aposentadoria causado pelo fato de que os jovens já não conseguem empregos e salários compatíveis com o recolhimento de contribuições previdenciárias gerando um déficit atual insuportável.  

A conta previdenciária não fecha mais em nenhum lugar do mundo graças ao desemprego estrutural causado pela substituição do trabalho abstrato pelo trabalho morto das máquinas que não recebem salários e reduzem a massa global de extração de mais-valia.  

A incapacidade da democracia burguesa e da social-democracia em seus vários matizes de dar respostas dentro da lógica capitalista sob a qual se insere é o leitmotiv do crescimento da extrema direita entre a chamada classe média ansiosa por uma volta ao passado, ainda que isto represente uma adesão à negação tenebrosa dos preceitos anticivilizatórios por ela defendidos. 

Os movimentos de rejeição à imigração dos povos das antigas colônias exploradas pelos europeus é exemplo flagrante de que o nacionalismo xenófobo capitalista é sobretudo desumano e conservador de privilégios fruto de práticas socialmente condenáveis. 

A expressiva votação do genocida Boçalnaro, o ignaro no último pleito eleitoral brasileiro e o clamor por um golpe militar nas portas dos quartéis por muitos dos seus adeptos patridiotizados, é um claro exemplo dessa vertente direitista que, ao invés de caminhar para o futuro, prefere clamar por uma impossível volta ao passado mais confortável para eles, embora sempre tenha sido ruim para a maioria, e que agora já não serve para nenhuma das partes. 

E nesse sentido que Lula corre grave perigo de sofrer um impeachment ao longo do seu mandato - já se esboçam iniciativas de parlamentares de direta neste sentido, com apenas quatro meses de mandato -, ao concentrar a sua estratégia política na retomada do desenvolvimento capitalista e buscar alianças com quem quer que seja para alçar tal objetivo de impossível consecução. 

A aliança com o povo que diz defender implicaria numa postura de confrontação com a poderosa elite política e econômica brasileira, detentora de privilégios ainda confortáveis e fruto da desigualdade social absurda existente em nosso país, onde o salário-mínimo mensal é trinta vezes menor que o salário médio de uma alta função pública dos poderes judiciário e legislativo. 

Por outro lado, se a miséria por si só não é revolucionária, a classe média dos centros de hegemonia capitalista, insatisfeita com a perda dos seus privilégios, aliada aos jovens desempregados e à classe operária vítima do desemprego estrutural, pode se cansar do movimento eleitoral pendular ineficaz entre esquerda e direita institucionais e provocar uma ruptura que somente pode se configurar num novo modo de produção social e ordem jurídico-constitucional, sem a figura do Estado opressor, e numa linha horizontalizada de exercício do controle da vida social.  

Alia-se ao limite interno de expansão capitalista, fator endógeno da relação social por ela mediada, outro fator, exógeno, ainda que seja oriundo da predação por ele promovida: o aquecimento global que desertifica, inunda, devasta com furacões e incêndios, agravando uma situação que já é socialmente caótica.  

Não é por menos que a própria ONU, por seu departamento de aferição da fome, FAO Fundo para Alimentação e Agricultura – certifica haver um aumento da fome no mundo, em que pese os avanços tecnológicos extraordinários obtidos pela humanidade. Um paradoxo somente explicável quando se analisa a essência da funcionalidade da relação social sob o capital.  

Os tempos imediatamente vindouros se apresentam como altamente perturbadores da vida social, mas há esperança de que, ao invés de nos submetermos à extrema direita opressora e escravista, ou nos aniquilarmos pela guerra ou pela questão climática, possamos estabelecer uma forma de vida socialmente equilibrada e ecologicamente saudável e sustentável.  

E sem medo de ser feliz!  (por Dalton Rosado

2 comentários:

SF disse...

Grande Dalton,
Sua reflexão sobre o estágio atual do capitalismo em todo o mundo, destacando sua natureza segregacionista e belicista, e como isso tem levado a movimentos de insatisfação, tanto no Ocidente quanto na Ásia, que estão pressionando por uma mudança de direção na condução das sociedades.
A impossibilidade de prover a aposentadoria e demais demandas sociais que a democracia burguesa não tem mais condições de atender,no estágio atual do capitalismo, tem levado ao surgimento de movimentos de extrema direita, que muitas vezes defendem um retorno a um passado baseado em práticas socialmente condenáveis.
Ocorre que também estamos vendo o surgimento de soluções do tipo renda universal, por exemplo, para fazer frente ao desemprego estrutural. Além disso, temos uma superprodução de alimentos, pelo menos aqui no Brasil, que pode mitigar um tanto a fome do mundo. Ouvi dizer que a FAO estima que a produção atual daria para alimentar cerca de 12 bilhões de seres humanos - e só temos 8bi, no momento.
Mas, como já falei, a seta do tempo impõe que as causas da fome e da desigualdade cessem para que um mundo horizontalizado e feliz surja.
E aí que está o nó do problema, pois esta mudança de paradigma teria que vir da classe dominante o que, como já demonstrou Paulo Freire, não rola.
E a classe dominada está meio que encurralada e em grande desvantagem para conseguir reverter a situação. Mais que nunca, a quantidade de pessoas dominadas não supera a qualidade dos recursos de dominação existentes.
A devastação continua, a emissão de gases do efeito estufa também, o sistema monetário fiduciário está em colapso, ou seja, estão dadas as causas para uma catástrofe humanitária de imensas proporções.
Tá osso!
*

David Emanuel disse...

Sf, Dalton envia a seguinte resposta:
"A fábula da necessidade como mãe de todas as invenções



Numa aldeia de uma região remota do Alaska moravam dois irmãos filhos de uma viúva pobre. No último inverno rigoroso e com forte tempestade de neve a estrutura da casa na qual viviam havia sido danificada.

O irmão mais velho era musculoso e voluntarioso, e sempre consertava os pequenos defeitos estruturais que surgiam e era craque em cortar a lenha para cozinhar e servir de aquecimento na lareira, entre outros afazeres.

O irmão mais novo, franzino e acometido de asma, sempre ficava em casa estudando, vez que não tinha condições físicas de laborar nas tarefas necessárias para a subsistência da família que sobrevivia com trabalhados artesanais da genitora e uma pequena ajuda que recebia de familiares.

O conjunto familiar sobrevivia a duras penas.

Com a proximidade do inverno que havia sido anunciado pelo serviço de meteorologia como o mais rigoroso nos últimos anos, a mãe dos rapazes ficou apavorada diante da perspectiva de morrerem todos congelados caso não conseguissem recuperar os danos anteriores, que prometiam ser ainda maiores.

Havia a necessidade que contratassem um arquiteto capaz de fazer o projeto estrutural a ser levado a cabo pelo irmão mais velho musculoso e amigos, todos sempre dispostos a usar a força física na solução do problema.

Mas não havia dinheiro para pagar os indispensáveis serviços do arquiteto.

Foi aí que o irmão mais novo, que além de ter desenvolvido o talento para o desenho, havia estudado técnicas de arquitetura e pode conceber um projeto capaz de dar firmeza à obra de madeiraa a ser construída pelo irmão mais velho.

Com o projeto arquitetônico do irmão fisicamente debilitado e a disponibilidade física do irmão mais forte e voluntarioso, e auxílio complementar do esforço da mãe e amigos em ajudá-los, foi possível a realização das obras necessárias ao enfrentamento do problema que já se fazia presente nos primeiros dias da nevasca.

Moral da história: a necessidade cria as condições objetivas de realização da solução dos problemas quando se junta a teoria à prática.

A impossibilidade material da relação de produção social sob a forma mercadoria deverá ser substituída pela teoria revolucionária aliada à força construtiva de quantos se unam para a satisfação das necessidades sociais."

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