Satyajit Ray não é muito conhecido entre o público brasileiro, mas produziu algumas das maiores obras cinematográficas do século XX. Este cineasta indiano conseguiu captar não apenas a alma de seu país, mas também tocar temas universais.
Este é o caso de O Jogador de Xadrez (Shatranj Ke Khilari), também traduzido por Os Jogadores do Fracasso, de 1977. A película aborda os acontecimentos anteriores à derrubada de Wajid Ali Shah, rei do território indiano de Nawab de Oudh, pelas forças inglesas ocupantes.
A história possui três focos intrecruzados. Enquanto acompanhamos o cotidiano de dois membros da aristocracia local, Mirza Sajjad Ali e Mir Roshan Ali, vemos o desenrolar da trama britânica para depor o rei e tomar por completo o controle do governo local. Por sua vez, o rei, mais interessado em compor poesias e músicas, pouco tem a fazer diante da força avassaladora do Império.
Satyajit Ray, um dos mais importantes cineastas do século passado |
Praticamente todo o tempo de seus dias é gasto em jogos intermináveis, a ponto de até mesmo negligenciarem o convívio com suas esposas. Sequer a notícia da possível ação inglesa para tomar o poder os afasta da concentração com as partidas. Quando finalmente é anunciado que as tropas invasoras ocuparão de fato o território, os nobres abandonam a cidade em busca de um lugar mais calmo para continuar as disputas, não por causa da invasão, mas para fugir do ambiente doméstico hostil.
É nítido no filme a diferença entre a concretude política dos ingleses, posicionando-se no mundo real para derrubar o rei e controlar o governo, e a alienação dos nobres, perdidos em suas batalhas de tabuleiro e alheios à dinâmica histórica. No meio, o rei idealista sente vacilar os fundamentos de seu poder, e, diante do alheamento de sua aristocracia, não possui outra alternativa senão se render sem qualquer tipo de resistência.
No avanço do capitalismo imperialista, momento registrado pelo filme, a elite indiana é indiferente quanto a quem vai governar. Tendo os ingleses já efetivamente dominado toda a economia do país, quem detém o poder político é algo de insignificante importância. Para esta aristocracia, é aceitável o novo papel subordinado dado para ela pela coroa britânica e seus encarregados.
Por isso, O Jogador de Xadrez é um retrato fiel de quando uma elite se torna alheia ao destino de seu país e de seu povo e, vivendo da renda e da herança, preocupa-se mais com o imaginário que com o real. Algo não muito distante dos dias atuais. (por David Emanuel Coelho)
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