segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

WALLACE DO VÔLEI REPRESENTA BEM AS CONTRADIÇÕES DA ASCENSÃO SOCIAL PROMOVIDA PELO LULISMO NO COMEÇO DO SÉCULO

 


O jogador de vôlei Wallace de Souza - do Cruzeiro e da Seleção Brasileira - envolveu-se em um escândalo ao postar em suas redes sociais uma enquete perguntando se seus seguidores usariam uma arma, presente em uma foto anteriormente postada por ele, para atirar no presidente Lula. 

Não pretendo aqui analisar o ato em específico e nem antecipar julgamentos. O jogador já foi acionado pela justiça, comum e desportiva, e certamente responderá pelos possíveis crimes cometidos. 

O que me chama a atenção é outro fato. Wallace não é o típico padrão de jogador de vôlei brasileiro. Ao contrário do futebol, o vôlei sempre teve muito mais jogadores oriundos da classe média, sobretudo por ser um esporte relativamente mais caro de se praticar - não no mesmo nível do tênis, mas que exige um investimento razoável em bolas, redes e quadras - e menos popular no país. 

Negro e de origem pobre, Wallace se destacou e conseguiu se tornar medalhista olímpico com a equipe nacional. Mesmo não precisando, pois é um atleta bem pago, recebe o Bolsa Atleta desde 2012, programa criado por Lula em seu primeiro governo para apoiar o esporte profissional no país. O auge de sua carreira, a medalha de ouro, foi ganha em 2016 no Rio de Janeiro, em uma Olímpiada também idealizada pelo atual presidente em seu segundo mandato. 

Negro e de origem humilde, Wallace seria considerado
 modelo de sucesso pelo petismo. Hoje, contudo, seu grande 
amor se chama Bozo. 

Ou seja, Wallace teve seus triunfos em associação com ações lulistas e, sobretudo, pode ser encarado como o modelo da ascensão social festejada pelo lulopetismo: um negro pobre que, com ajuda governamental, chega ao topo do mundo. No entanto, Wallace é ferrenhamente bolsonarista e odeia Lula, o PT e a esquerda com todas as forças de seu ser. 

O petismo, com sua superficialidade típica, credita tal comportamento a uma espécie de ingratidão. Nesta lógica clientelista, os indivíduos deveriam ser gratos pela ajuda estatal concedida durante a passagem de determinado governo, o do PT, no caso. 

Contudo, o argumento petista perde ainda sua força - se é que tinha alguma - ao considerarmos ser a tal ingratidão presente não apenas em uma dúzia de indivíduos semelhantes a Wallace, mas em milhões de brasileiros, os quais mesmo tendo tido relativa melhora social durante o governo Lula, se radicalizaram à direita. Ingratidão de milhões ou um fenômeno social?

Um primeiro elemento para entender o problema poderia ser encontrado caso pudéssemos perguntar ao atleta a que, ou a quem, ele atribui o seu sucesso. Garanto que a resposta seria algo mais ou menos seguinte: a ele mesmo, à sua família, a Deus e ao Brasil, nesta ordem. Talvez, simbolicamente, o Todo Poderoso viesse em primeiro lugar e depois o resto. 

Ora, mas isto não é justamente a lógica bolsonarista, imantada no mantra Deus, Pátria, Família, o qual foi recauchutado dos Integralistas? Mas estava a Capitu da Praia da Glória dentro da de Mata Cavalos ou houve aí uma metamorfose? O bolsonarismo se apossou do Brasil ou, ao contrário, já havia um bolsonarismo cozinhando nas entranhas da nação?

Consumindo a toda, mas sem moradia digna.
Esta era a Nova Classe Média petista. 
Para responder com mais segurança estas questões, basta pensarmos em um segundo elemento, o próprio processo de inclusão social promovido pelo PT durante seus 13 primeiros de anos no poder. Não foi este processo centralizado nas glórias do consumo e na exaltação do sujeito esforçado capaz de superar a miséria e alcançar a boa vida da Nova Classe Média? Não foi o próprio Lula vendido enquanto tal modelo de superação, um self made man que venceu a fome para virar Presidente?

Vargas, plasmado na fase fordista, deu emprego ao povo. Lula, na fase neoliberal, deu dinheiro. O trabalho é atravessado pela condição de classe, pelos vínculos pessoais e comunitários. Já o dinheiro é pura abstratividade, formalismo sem concretude, onde o poder do capital é celebrado em si mesmo. Na perspectiva do dinheiro, não há modo de produção, mas é ele próprio quem cria e mobiliza a realidade. Por isso, o auge do fetichismo do dinheiro é o financismo, pela direita, e a MMT, pela esquerda. 

Como é sabido, a ascensão social brasileira durou enquanto duraram as efusões de dólares via exportação de comodities. Batendo no teto, gerou uma onda de frustração popular cujos impactos prosseguem ainda hoje e cujo centro gravitacional do ódio é Lula e seu partido. 

Mas, para quem tinha aprendido antes que basta esforço, ajuda divina, apoio familiar e gostar do seu país para conseguir chegar lá, novas explicações para a paralisia da ascensão social puderam ser encontradas na corrupção, no intervencionismo estatal, na ideologia de gênero, no ateísmo, etc. A extrema direita pode oferece-las com toda satisfação.

Assim, Wallace é o representante típico de quem venceu no regime lulista, mas justamente por isso odeia o lulismo, pois para ele, sua vitória ocorreu apesar do lulismo, na realidade, até mesmo contra ele. Não é ingratidão, é acerto de contas. (por David Emanuel Coelho 




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