Lula é confiável ao sistema e foi por isso que o trouxeram à luz da democracia burguesa como concorrente capaz de derrotar o fascismo golpista e militarista que campeia aqui e mundo afora. Boçalnaro o ignaro mostrou-se como tal; planejou mal o autogolpe fascista sem compreender que a elite brasileira quer o poder econômico e político sob suas mãos e não quer dividi-lo com aventureiros de baixa patente militar aspirante primário à líder carismático totalitário.
Os membros da elite política encastelada nas instituições brasileiras e a elite econômica com o poderio do capital concentrado, ajudados pela classe média alta com seus privilégios oriundos da super exploração aos trabalhadores de baixa renda num país de gigantescos e abismais desníveis sociais, não precisa de Mussolinis, Hitlers, Alfredos Stroessners, Antonios Salazares e Generalíssimos Franciscos Francos.
No Brasil eles são muitos e sabem voar (contrariando a letra da música Pavão Mysteriozo, de Ednardo): não precisam de quem lhes queira usurpar o poder. Lula os representa melhor do que lhes podem fazer os Generais e os aspirantes primários e aventureiros eleitorais genocidas. Mas analisemos, sob o prisma da conjuntura internacional, o teor da entrevista bem-intencionada de Lula, mas que esbarra numa realidade de depressão capitalista na qual a direita e a esquerda se digladiam na disputa pelo poder político decrépito diante da insatisfação popular sem direção revolucionária emancipatória, capaz de apontar para a superação da causa dos problemas, o modo de relação social colapsado.
Os dois projetos são como cegos batendo numa mesma porta emperrada. Tudo se assemelha a uma situação na qual um pai que quer dar ao seu filho o presente de Papai Noel propagandeado e desejado, mas impossível de ser comprado por falta de dinheiro.
Sobre o fracasso da tentativa de golpe institucional, Lula afirma:
Golpe institucional no Brasil não funciona com ocupação de prédios vazios num domingo, com gente quebrando tudo. Não são as paredes e gabinetes vazios que representam o poder político, mas a voz e o comando das pessoas dos representantes empossados em cada uma das estruturas dos três poderes institucionalmente constituídos; do apoio militar e da adesão dos segmentos expressivos da sociedade civil organizada.
Por isso, o golpismo tresloucado de vândalos não vigora nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, nem
em nenhum país minimamente importante e estruturado. Os golpistas daqui são tão primários como
os que invadiram o Capitólio depois da derrota eleitoral que afirmam haver sido fraudada.
Trata-se de um fenômeno com identidade histórica no espaço e no tempo, mas com características específicas ao Brasil, um país com expressão geopolítica, pois:
- sua economia se situa entre as 15 maiores do mundo, já tendo figurado entre a 6ª e a 8ª (ainda que com renda per capita muito baixa e ainda concentrada);
- Detentor de grandes riquezas materiais (somos o quarto maior produtor mundial de alimentos - atrás de China, Índia e EUA - além de grande fornecedor de minério de ferro que toca a indústria chinesa de manufaturados pesados, ainda que isso não represente valor agregado de maior monta);
- que paga juros de 13% ao ano que soma seis a oito centenas de bilhões de reais, sacrificando o povo brasileiro no atendimento de suas demandas sociais (aliás o Lula falou nisso na entrevista, mas vai continuar pagando, senão o Joe Biden e similares não o recebem);
- população de 215 milhões de habitantes;
- detentor da maior floresta tropical do mundo;
- e um sistema bancário concentrado em poucos bancos que auferem lucros consideráveis;
- que remunera bem o capital internacional aqui instalado ou com importação de mercadorias em vários setores da economia (automóveis, máquinas pesadas, peças, laboratórios, equipamentos eletrônicos, cadeias de lojas, etc);
E que definitivamente não é uma república bananeira, nenhum golpe de Estado vigora a partir de um segmento empresarial e militar residual que manipula energúmenos embandeirados e fanatizados, mesmo que haja alguns dos seus membros pertencentes aos segmentos escolarizados - com alguns profissionais liberais de várias áreas do saber - e fundamentalistas religiosos pentecostais.
Assim, a convergência de apoio institucional e econômico ao governo Lula, em que pese a clara divisão eleitoral brasileira, foi o que decretou a derrota e o fracasso da tentativa de golpe que se iniciou desde o resultado das urnas - e da cantilena sem provas de fraude - foi o que deu substância à posse de Lula e sua permanência obsequiosa a todos os segmentos ora citados.
Os despreparados golpistas de todos os matizes que acreditaram na possibilidade de vitória do golpe e agiram ou se omitiram em sua defesa, descobriram hoje que o céu com que sonhavam não era perto.
Mas isto não significa que a direita, numerosa, não esteja viva, e que não esteja aguardando uma insatisfação popular e dos segmentos que ora apoiam Lula para assumir o comando político.
O grande embate político mundial a ser feito hoje, mas que está fora do foco nas discussões acadêmicas, político-institucionais, na imprensa, e até nas redes sociais deve ser de como superar a saturação de um modo de relação social que atingiu o seu limite existencial e clama pela própria superação.
Trazer a discussão inadiável sobre as razões do colapso capitalista num mundo tecnologicamente desenvolvido e que não é capaz de acabar com a fome mundial que cresce, é tema sobre o qual não podemos tergiversar. (por Dalton Rosado, continua neste post)
Nenhum comentário:
Postar um comentário