segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

DALTON ROSADO ANALISA A PRIMEIRA ENTREVISTA DE LULA À GLOBONEWS-1

Algumas considerações da entrevista de Lula-1
No último dia 18 de janeiro, Lula concedeu a primeira entrevista dele como Presidente a uma jornalista da Globonews. Em linhas gerais, podemos dizer que se trata de um manifesto de boas intenções que esbarram na realidade cruel de um modelo de relação social contrário às suas falas de político hábil aderido ao servilismo capitalista da social-democracia e por ela apoiado.

Lula é confiável ao sistema e foi por isso que o trouxeram à luz da democracia burguesa como concorrente capaz de derrotar o fascismo golpista e militarista que campeia aqui e mundo afora. Boçalnaro o ignaro mostrou-se como tal; planejou mal o autogolpe fascista sem compreender que a elite brasileira quer o poder econômico e político sob suas mãos e não quer dividi-lo com aventureiros de baixa patente militar aspirante primário à líder carismático totalitário. 

Os membros da elite política encastelada nas instituições brasileiras e a elite econômica com o poderio do capital concentrado, ajudados pela classe média alta com seus privilégios oriundos da super exploração aos trabalhadores de baixa renda num país de gigantescos e abismais desníveis sociais, não precisa de Mussolinis, Hitlers, Alfredos Stroessners, Antonios Salazares e Generalíssimos Franciscos Francos. 

No Brasil eles são muitos e sabem voar (contrariando a letra da música Pavão Mysteriozo, de Ednardo): não precisam de quem lhes queira usurpar o poder. Lula os representa melhor do que lhes podem fazer os Generais e os aspirantes primários e aventureiros eleitorais genocidas. Mas analisemos, sob o prisma da conjuntura internacional, o teor da entrevista bem-intencionada de Lula, mas que esbarra numa realidade de depressão capitalista na qual a direita e a esquerda se digladiam na disputa pelo poder político decrépito diante da insatisfação popular sem direção revolucionária emancipatória, capaz de apontar para a superação da causa dos problemas, o modo de relação social colapsado. 

Os dois projetos são como cegos batendo numa mesma porta emperrada. Tudo se assemelha a uma situação na qual um pai que quer dar ao seu filho o presente de Papai Noel propagandeado e desejado, mas impossível de ser comprado por falta de dinheiro.

Sobre o fracasso da tentativa de golpe institucional, Lula  afirma: 

“o golpe não vingou porque eles perceberam que houve uma reação imediatamente. Eu sou agradecido aos governadores que vieram a Brasília prestar solidariedade. Imediatamente a gente se juntou e a gente percebeu que tínhamos que trabalhar juntos – Legislativo, Executivo e Judiciário. É nós, então nos juntamos para garantir a democracia brasileira.”

Golpe institucional no Brasil não funciona com ocupação de prédios vazios num domingo, com gente quebrando tudo. Não são as paredes e gabinetes vazios que representam o poder político, mas a voz e o comando das pessoas dos representantes empossados em cada uma das estruturas dos três poderes institucionalmente constituídos; do apoio militar e da adesão dos segmentos expressivos da sociedade civil organizada. 

Por isso, o golpismo tresloucado de vândalos não vigora nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, nem
em nenhum país minimamente importante e estruturado. Os golpistas daqui são tão primários como
os que invadiram o Capitólio depois da derrota eleitoral que afirmam haver sido fraudada. 

Trata-se de um fenômeno com identidade histórica no espaço e no tempo, mas com características específicas ao Brasil, um país com expressão geopolítica, pois:

- sua economia  se situa entre as 15 maiores do mundo, já tendo figurado entre a 6ª e a 8ª (ainda que com renda per capita muito baixa e ainda concentrada);

- Detentor de grandes riquezas materiais (somos o quarto maior produtor mundial de alimentos - atrás de China, Índia e EUA - além  de grande fornecedor de minério de ferro que toca a indústria chinesa de manufaturados pesados, ainda que isso não represente valor agregado de maior monta);

- que paga juros de 13% ao ano que soma seis a oito centenas de bilhões de reais, sacrificando o povo brasileiro no atendimento de suas demandas sociais (aliás o Lula falou nisso na entrevista, mas vai continuar pagando, senão o Joe Biden e similares não o recebem); 

- população de 215 milhões de habitantes; 

- detentor da maior floresta tropical do mundo; 

- e um sistema bancário concentrado em poucos bancos que auferem lucros consideráveis;

- que remunera bem o capital internacional aqui instalado ou com importação de mercadorias em vários setores da economia (automóveis, máquinas pesadas, peças, laboratórios, equipamentos eletrônicos, cadeias de lojas, etc);  

E que definitivamente não é uma república bananeira, nenhum golpe de Estado vigora a partir de um segmento empresarial e militar residual que manipula energúmenos embandeirados e fanatizados, mesmo que haja alguns dos seus membros pertencentes aos segmentos escolarizados - com alguns profissionais liberais de várias áreas do saber - e fundamentalistas religiosos pentecostais.   

Assim, a convergência de apoio institucional e econômico ao governo Lula, em que pese a clara divisão eleitoral brasileira, foi o que decretou a derrota e o fracasso da tentativa de golpe que se iniciou desde o resultado das urnas - e da cantilena sem provas de fraude - foi o que deu substância à posse de Lula e sua permanência obsequiosa a todos os segmentos ora citados.

Os despreparados golpistas de todos os matizes que acreditaram na possibilidade de vitória do golpe e agiram ou se omitiram em sua defesa, descobriram hoje que o céu com que sonhavam não era perto. 
Mas isto não significa que a direita, numerosa, não esteja viva, e que não esteja aguardando uma insatisfação popular e dos segmentos que ora apoiam Lula para assumir o comando político. 

O grande embate político mundial a ser feito hoje, mas que está fora do foco nas discussões acadêmicas, político-institucionais, na imprensa, e até nas redes sociais deve ser de como superar a saturação de um modo de relação social que atingiu o seu limite existencial e clama pela própria superação.

Trazer a discussão inadiável sobre as razões do colapso capitalista num mundo tecnologicamente desenvolvido e que não é capaz de acabar com a fome mundial que cresce, é tema sobre o qual não podemos tergiversar. (por Dalton Rosado, continua neste post



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