segunda-feira, 7 de novembro de 2022

O FANATISMO COLETIVO É GENOCIDA – 2

(continuação deste post)
A propaganda radiofônica de Goebbels e os discursos de Hitler mesmerizaram os alemães...
Q
uando nos debruçamos sobre os atos praticados na Alemanha contra judeus 
indevidamente  criminalizados como culpados pela miséria naquele país após a 1ª Guerra Mundial, vemos quão perigosa pode ser a verdade coletiva manipulada pela comunicação de massa.

O mundo vive um momento parecido com o da véspera das guerras mundiais, mas agora com maior gravidade ainda.

Àquela época apenas havia uma disputa de hegemonia entre os países mais desenvolvidos e influentes em razão da segunda revolução industrial. Existiam espaços de sobrevida, como de fato se evidenciou após a morte de 3% da população mundial na 2ª Guerra: ajudada pelo Plano Marshall, logo se daria a reconstrução industrial e urbana europeia, japonesa e de outros países, menos atingidos pera barbárie belicista.

Hoje o cenário é outro. Não se trata apenas de uma mera disputa hegemônica entre países (que também existe agora sob a forma de blocos de países), mas de uma luta pela sobrevivência diante de um capitalismo que se autodestrói pelos seus próprios fundamentos. Um câncer que está a metastizar-se sem que se possa atribuir a sua ocorrência a comunistas comedores de criancinhas.
...já o congênere brasileiro não chegou nem perto disto.

A concorrência de mercado, altar no qual se digladia o capital em busca de sua impossível reprodução na escala necessária, vai, cada vez mais, engendrando contradições autofágicas inconciliáveis. 

Estas, além de autodestrutivas da forma de sua própria essência e natureza (dada a inviabilização do crescimento continuado do valor, cuja massa global, definhando, prenuncia seu próprio colapso, expresso na perda de representatividade de valor das moedas), causam a destruição de todo o tecido social, abrindo as portas para a barbárie.

As consequências sociais, materiais e ecológicas são tenebrosas.

As pessoas, em sua grande maioria, sentem as dificuldades econômicas numa sociedade na qual tudo se mede pela mercadoria dinheiro, que escasseia como substância advinda do processo de produção de mercadorias e tenta sobreviver artificialmente com a emissão de moedas sem valor.

Paradoxalmente, o dinheiro, deus da modernidade, é um ilustre desconhecido pelos que o adoram, seja na sua essência constitutiva ou como causa dos danos sociais imanentes a sua forma e lógica funcional, porque em geral a sua negatividade não é ensinada nas escolas. As pessoas sofrem pela falta daquilo que elegem como vital, sem conhecer a sua destrutibilidade social e autodestrutibilidade intrínseca.

Como não sabem por que e como devem superar este modo de relação social que ganhou corpo e forma política nos últimos séculos, a direção do descontentamento social é dirigida para a forma política, por vezes militarista-ditatorial, mais comumente com a alternância cansativa de projetos políticos tidos como conservadores ou progressistas, mas que funcionam sob uma mesma base lógica subtrativa e criminosa: o capitalismo.
Logo após assumir a presidência, 
Boçalnaro, o ignaro disse, enfático: "Eu tenho menos poder do que supunha". Descobriu que a força do seu mandato, repleto de militares, é menos forte do que supunha, e que o poder político é não só relativo na sua soberania de vontade, como também, e principalmente, submisso e subserviente ao capital a que serve.

É claro que o governante político governa dentro de prévio balizamento, apenas se equilibrando no poder político estatal conforme consegue ou não gerenciar a escassez nestes tempos de déficit econômico estatal. 

Isto porque as regras de poder político são ditadas pela lógica funcional e impessoal do capital, que é, este sim, administrado pelos capitalistas, detentores que são do verdadeiro poder, o econômico, do qual se beneficiam socialmente (mas com data de vencimento), sob a lógica do dito cujo e a ela obedecendo como um escravo obedecia ao seu proprietário.

A frase dinheiro não aguenta abuso, tão repetida pelos empresários, denuncia tal submissão. O dinheiro dá ordens ao seu detentor empresarial.

Assim, o povo se digladia, fanatizado, entre projetos políticos que estão longe de ter capacidade de superação (e mesmo de querer promover a superação) de um modo de relação social que se tornou obsoleto, motivo pelo qual tem mais é de ser morto e sepultado.

Nada mais fanatizado do que uma parcela do eleitorado derrotado obstruir rodovias ou se postar à frente dos Comandos Militares do Exército, clamando por intervenção das Forças Armadas contra:
— ameaças comunistas inventadas no passado e nas quais ninguém continua crendo;
— corrupção (mas não a pior e mais descarada de todas, a atual do orçamento secreto);
— fraude eleitoral sem comprovação nenhuma; e 
— hipotéticas restrições de liberdades sob o governo recém-eleito e ainda não empossado de Lula, cujo leque de alianças abarcou desde a direita moderada até a esquerda institucional, passando pelas várias nuances do centro, daí a inconsistência de tal previsão.

Na ausência de um norte correto, que aponte para a superação da causa mundial da queda social de poder aquisitivo e da falência do Estado no cumprimento das demandas sociais de suas incumbências constitucionais, bem como da indicação de alternativas à grave degradação social e ambiental dos dias presentes, cresce a perigosa barbárie do fanatismo e da intolerância. 

Para a entropia em curso, contribui, ainda, a manipulação da fé por parte de charlatães que enriquecem às custas das contribuições dos fieis incautos, caldo de cultura de um fundamentalismo religioso totalmente retrógrado e temerário.

Não tenho dúvidas de que os militares não embarcarão nesta canoa furada de assumir um governo previamente falido, bem como não têm interesse em provocar uma tensão social capaz de conduzir o Brasil a uma guerra civil de consequências imprevisíveis.

O problema está momentaneamente adiado, até porque o desemprego estrutural e a queda renitente do PIB brasileiro não é uma marolinha: se continuarmos apelando para o uso administrativo de receitas velhas para a solução de problemas novos (ou antigos que agora se agudizam), esta corda esticada tende a arrebentar nos próximos anos. (por Dalton Rosado)
Letra e música do Dalton, interpretação da Graça Santos.

5 comentários:

SF disse...

***
Ontem, há 105 anos, os bolcheviques tomavam o poder na Rússia.
De lá para cá a solução opressora dos sovietes (conselhos) infelicita a humanidade.
E tome burocracia, clientelismo, totalitarismo e novas matrizes de enrolação econômica.
O COPOM que o diga. O PAC e outras diretrizes dos sovietes supremos que conduzem as massas subalternas sob diversos disfarçes.
De tanta coisa boa possível, só permaneceu o ditatorial "todo poder aos sovietes".
Não que não existissem antes, mas os bolcheviques levaram a um novo patamar de totalitarismo, disfarçado de comunhão e entendimento coletivo.
***
O rebanho precede o indivíduo.
O indivíduo, necessariamente vai contra o rebanho.
Por não ter valores, mas regras, a massa caminha cegamente para onde lhe apontem os slogans e estímulos dos líderes.
***
Só para o indivíduo é possível algum tipo de salvação.
Só o indivíduo pode intentar existir conforme seus valores.
Desde que tome cuidado de não chamar atenção da turba.
***
Se a turba perceber a beatitude do ser que é livre em si mesmo, tende a segui-lo.
É quando alguns se encantam com o ente público e se tornam estereótipos.
Não mais livres e nem espontâneos.
Não mais valores e sim regras.
Agora pertencem ao soviete, a camarilha... pobres diabos.
Suas vidas se tornam uma eterna justificação da traição original.
Trair a si mesmo.
***
Positivamente, o inferno são os outros.
***
Escreveria a respeito da evolução do novo plano "real" que se esboça com o lançamento das criptomoedas (stables coins) dos bancos centrais.
Mas tenho compromissos!
***
A paz.
*

celsolungaretti disse...

Caro SF,

a vantagem de uma base de pessoas organizadas para a solução dos próprios problemas é que não pode haver a chamada “transferência de responsabilidade” para governos verticais.

Quando erram o fazem coletivamente e coletivamente devem buscar o conserto dos próprios erros cometidos. Isto é bem melhor do que esperar que novos salvadores da pátria consertem os erros daqueles a quem outorgaram poderes de representação governamental.

O problema da revolução bolchevique é que o poder jamais foi transferido aos sovietes (talvez apenas no momento da tomada do poder tzarista), por dois motivos básicos:

a) A estrutura do poder político continuou centralizada “democraticamente”, e cada vez mais se esvaziou o poder popular que se centrou numa cúpula pretensamente iluminada e cada vez mais reduzida;

b) Sob o capital estatal, que detém lógica funcional ditatorial, nenhum governo que se alicerce sobre a sua base de extração de mais valia estatal, jamais terá condições de reverter a acumulação estatal de valor em benefício dos que a produziram. O capital tem uma lógica estagnante, e este é o ponto fundamental.

Entendo, portanto, que não é uma organização popular, constituída como sendo e que deve ser intrinsecamente um anti-poder, e que assim pode vir a ser um consenso social, a causa e o cerne onde reside o problema, como se a natureza humana fosse perversa e fadada à autodestruição.

É o contrário, a natureza humana é solidária e gregária, o que não a impede de sofrer manipulação, como houve no stalinismo, e tudo graças ao estágio subdesenvolvido de sua consciência social, mesmo que esteja em processo evolutivo.

Sob a relação social capitalista, estatal ou privada, não há como sobreviver qualquer projeto de horizontalização da vida social, justamente porque o capitalismo é avesso à justiça social; é intrinsecamente subtrativo da riqueza coletivamente produzida e, portanto, egocêntrico e desumano.

Se experimentarmos a dualidade de uma produção social voltada para a satisfação das necessidades coletivas e dentro de uma organização jurídico-constitucional sob tal critério, estaremos dando os passos iniciais (e com os ajustes a cada tropeço) da emancipação humana, que nunca será absoluta, justamente porque não há verdade absoluta.

O capitalismo vive hoje o confronto épico entre a sua lógica funcional e a busca da humanidade perla sua superação, e enquanto ele subsistir não teremos paz.

Um abraço, Dalton Rosado.

SF disse...

***
Eu, meu amigo Estradeiro e o Poeta Manoel de Barros temos um Valor em comum:
Compramos o nosso ócio.
A ociosidade criativa, buliçosa e livre, até para ser atarefadíssima, é um Valor para nós.
***
Mas só somos semelhantes porque somos indivíduos.
O que nos une é o Valor.
Não são regras, slogans, decisões normativas dos sovietes da vida!
***
A maioria que conheço está comprando coisas, investindo em coisas, coisificando pessoas e vendendo muito barato o único Bem que não tem preço, é escasso e é o próprio Ser.
O Tempo!
***
O senhor de si é senhor do seu tempo.
E isto basta ou deveria bastar.
O que nos confronta e nos angustia é o Nada.
***
O senhor de si é senhor do seu Nada.
É e se sabe Contingente.
Isso é Valoroso!
***
O senhor de si assenhora-se do seu tempo de existir, pois se sabe fugaz.
A multidão, o conselho, o ente público se sabem eternos e, coisas que são, servem de fuga para os que se coisificam.
***
Manoel escreveu:

"Há várias maneiras sérias de não dizer nada
"Mas só a poesia é verdadeira"

***
O olho vê
A memória revê
E a imaginação transvê

É preciso transver o mundo!

Manoel de Barros
***

celsolungaretti disse...

Prezados SF e Dalton,

à guisa de informação, quero deixar aqui a minha interpretação dessa tragédia que foi a derrocada da revolução russa de 1917. Como já a publiquei anteriormente e considero tal discussão hoje um tanto datada, prefiro relembrá-la apenas em comentário, não num post.

O Dalton tem razão quanto aos motivos pelos quais a revolução de 1917 num país com considerável atraso em termos de desenvolvimento econômico não poderia manter-se íntegra por muito tempo, muito menos cumprir o papel de estopim da revolução mundial.

No entanto, os bolcheviques faziam História, não escreviam sobre ela. E naquele momento, tendo totais condições de conquistar o poder pelo qual lutavam havia décadas, fazia todo sentido iludirem a si próprios com a possibilidade de que em seguida a Alemanha também faria sua revolução e os ajudaria a construir o socialismo apesar de não preencherem os requisitos estipulados por Marx para tanto.

Foi ilusão semelhante à que levou a minha geração a acreditar que poderia derrubar a ditadura militar pelas armas, pois finalmente tinha adquirido a capacidade militar de obter êxitos marcantes nos confrontos com as Forças Armadas.

Simplesmente deixamos de considerar que o inimigo possuía imensos recursos para virar esse jogo, contando, ademais, com a retaguarda estadunidense. Então, se conseguíssemos equilibrar a luta em 1969, no ano seguinte a ditadura já conseguira reciclar sua atuação o suficiente para prevalecer tanto no front militar quanto no político.
===============continua===============

celsolungaretti disse...

===============continuação===============
E, nos anos seguintes, já não houve exatamente um duelo, mas sim um massacre. Com o extermínio dos nossos bravos que, desesperadamente, resistiam, dando exemplo de postura para os esquerdistas brasileiros (que tão raramente ousam lutar até o sacrifício final).

Eis o texto antigo, cuja visão, não enganarei ninguém, basicamente derivei da do melhor historiador marxista de todos os tempos, Isaac Deutscher:

"Já faz quase um século que os movimentos revolucionários desviaram por atalho que acabou conduzindo a um beco sem saída.

O desvio foi decidido às vésperas da revolução soviética, quando o Partido Bolchevique discutiu dramaticamente se valia a pena tomar-se o poder num país atrasado, contrariando duas premissas marxistas: a da revolução internacional e a da construção do socialismo a partir das nações economicamente mais pujantes (e não o contrário!).

Prevaleceu o argumento de que, embora a Rússia não estivesse pronta para o socialismo, serviria como um estopim da revolução mundial, começando pela revolução alemã, prevista para questão de meses. Então, o atraso econômico russo seria contrabalançado pela prosperidade alemã; juntas, efetuariam uma transição mais suave para o socialismo.

Deu tudo errado. A reação venceu na Alemanha, a nova república soviética ficou isolada e, após rechaçar bravamente as tropas estrangeiras que tentaram restabelecer o regime antigo, viu-se obrigada a erguer uma economia moderna a partir do nada.

Quando o ardor revolucionário das massas arrefeceu — não dura indefinidamente, em meio à penúria —, a mobilização de esforços para superação do atraso econômico acabou se dando por meio da ditadura e do culto à personalidade.

A Alemanha nazista era o espantalho que impunha urgência: mais dia, menos dia haveria o grande confronto e a URSS precisava estar preparada. O stalinismo foi engendrado em circunstâncias dramáticas.

A república soviética acabou salvando o mundo do nazismo — foi ela que quebrou as pernas de Hitler, sem dúvida! —, mas perdeu sua alma: já não eram os trabalhadores que estavam no poder, mas sim uma odiosa nomenklatura.

Concretizara-se a profecia sinistra de Trotsky: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

Com uma ou outra nuance, foi este o destino das revoluções que tentaram edificar o socialismo num só país: ficaram isoladas, tornaram-se autoritárias e não tiveram pujança econômica para competir com o mundo capitalista, acabando por sucumbir ou por se tornarem modelos híbridos (como o chinês, que mescla capitalismo na economia com stalinismo na política)."

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