segunda-feira, 19 de setembro de 2022

ADEUS, PASSADO VELHO! FELIZ PASSADO NOVO! – 1

Fui candidato à prefeitura de Fortaleza em 1988, apoiado pela prefeita Maria Luíza e tendo o Ciro Gomes como adversário. Considero tal episódio uma mancha no meu currículo.

Não precisaria haver passado por tal experiência para saber que estava legitimando a inescapável opressão inerente à função do Estado; pode-se saber que o fogo queima sem ir queimar as mãos na chama.

Mas, se houve algo de positivo na minha experiência como secretário de finanças da administração popular de Fortaleza, foi a dúvida que ali se iniciou (e posteriormente se comprovou) da disfunção revolucionária que isto representa perante o imaginário popular; e, portanto, de que nunca deveria ter assumido tal função.

Em 1986 os prefeitos das capitais voltaram a ser escolhidos pelo voto (até então o ditador militar os indicava e os governadores os nomeavam), daí terem sido realizadas eleições para o cumprimento de mandatos-tampões até 1988, no sentido de ajustar o calendário eleitoral.  

Mas, as capitais ainda não contavam com autonomia financeira fiscal, que só viria com a promulgação da Constituição de outubro/1988. O triênio 1986/1988 foi, portanto, um período muito difícil para os administradores provisórios das finanças municipais, como era meu caso.

O problema era agravado pelo fato de Fortaleza ser a primeira administração de uma capital brasileira por parte do PT, daí decorrendo que:
— não dispúnhamos de vereadores petistas. 
— só em 1987 passamos a contar com dois deputados estaduais, em meio a 46 parlamentares;
— não havia nenhum deputado federal do PT no Ceará.

Mesmo assim, nosso grupo fez oposição cerrada ao presidente achado (só o foi por causa da morte de Tancredo Neves às vésperas da posse) José Sarney. 

O antigo presidente do PDS, partido da ditadura, num passe de mágica havia herdado a faixa presidencial, governando pelo PMDB, um partido criado pela ditadura para ser oposição de mentirinha (são coisas que só acontecem nesta terra brasilis...). E depois virou aliado do PT, na política de conciliação de classes então adotada. 

Foi, aliás, por conta de tal política de promiscuidade com os inimigos estratégicos que: 
— a Maria Luíza, eu e outros companheiros fomos expulsos do PT;
— sofremos oposição do PC do B (por força da opção conciliadora por ele adotada desde os primeiros anos da redemocratização) e do próprio PT, na medida em que nos diferenciávamos na linha programática e discordávamos da ajuda financeira ao partido e aos seus candidatos, um óbvio ovo da serpente da corrupção;
— sofremos a mais virulenta oposição e boicote empresarial da direita, que queria demonstrar a inviabilidade administrativa de um projeto revolucionário por dentro da administração pública (e nem precisavam de tanto ódio e esforço, porque a própria realidade conspirava contra nós, tanto que eles próprios não conseguem administrar bem o inadministrável aparelho de Estado capitalista, no sentido de prover suficientemente as demandas públicas básicas).

Mas, mesmo assim:
— conseguimos equilibrar as finanças públicas num padrão de receitas/despesas razoavelmente compatíveis (até porque a nós não era permitido nos endividarmos, o que nos obrigava a pagar rigorosamente o tal serviço da dívida impagável que herdamos das administrações anteriores);
— elaboramos um sem número de projetos sociais que ficaram engavetados até a posse do novo prefeito, só então sendo liberados. Isto permitiu que Ciro Gomes, aliado dos governos federal e estadual, se tornasse, em apenas um ano, o melhor prefeito do Brasil, laurea que o catapultou para em seguida eleger-se governador do Ceará, tornando-se personagem importante da política nacional;
— mantivemo-nos fieis às nossas bandeiras revolucionárias, ainda que num espaço de poder municipal e sob condições tais que mais parecia tratar-se de um suicídio eleitoral desassistido;

Involuntariamente, prestamos um serviço ao capitalismo ao equilibrar as finanças públicas municipais, e nos restou a lição e compreensão sobre tal impropriedade.

O capital expulsa os revolucionários do seu aparelho de estado assim que pode, como se fosse um vírus no interior daquele ente político dedicado basicamente a perpetuar a opressão.

Agora, quando assisto enfastiado ao debate político-eleitoral, é como estar revendo um filme velho e ruim, daqueles tão mentirosos que não são nem ficção, nem realismo fantástico, mas simplesmente um espetáculo farsesco com roteiro pobre e interpretação a cargo de canastrões sem brilho.

Os candidatos não estão desconectados da realidade em si (de vez que denunciam as mazelas não resolvidas pelo Estado), mas sim do nexo causal dos problemas. 

Nenhum deles denuncia ou alude à causa maior, a obsolescência do capitalismo, atribuindo sempre o fracasso a questiúnculas administrativas. 

Não podem nem querem admitir que o regime da exploração do homem pelo homem sempre foi ruim, tendo agora passado a ser inviável. E isto por estarem presos os padrões sistêmicos pelos quais pretendem se eleger. Afinal, não se deve cuspir no prato que se come!

Os estados nacionais estão falidos justamente porque o capitalismo atingiu o seu crepúsculo existencial após cumprir o itinerário histórico iluminista de nascimento e vida, ora encaminhando-se para a morte histórica, mas não sem antes tentar nos levar para o abismo de uma hecatombe nuclear ou ecológica, como resultante de sua insanidade.

A debacle atual não advém de questões meramente administravas e constitucionais burguesas, ou do antagonismo entre decrépitas ditaduras militaristas e sanguinárias em oposição a democracias burguesas sociais-democratas bem-intencionadas e sensíveis do ponto de vista humano, mas equivocadas.

O verdadeiro foco das nossas mazelas sociais é um modo de relação social subtrativo da riqueza material coletivamente produzida, graças à mediação social feita pela riqueza abstrata.

Dizia Marx que o inferno está cheio de gente bem-intencionada! (por Dalton Rosado – continua neste post)

2 comentários:

Anônimo disse...

https://www.ihu.unisinos.br/622253-dos-escombros-da-economia-do-estado-brasileiro-emergem-organizacoes-criminais-entrevista-especial-com-daniel-hirata

https://www.ihu.unisinos.br/622254-extrema-direita-e-neonazismo-muito-mais-do-que-discursos-de-odio


https://www.ihu.unisinos.br/622255-um-quarto-da-amazonia-ja-esta-irreversivelmente-destruido
https://usbeketrica.com/fr/article/un-quart-de-l-amazonie-est-deja-irreversiblement-detruit

https://www.ihu.unisinos.br/622267-no-novo-mundo-que-esta-nascendo-nao-ha-cultura-que-alimente-a-politica-entrevista-com-corrado-augias
https://www.nonsolofole.it/?p=417218
https://www.youtube.com/watch?v=4dxPGECnJs0

Anônimo disse...


https://www.theguardian.com/uk-news/2022/sep/20/met-handcuff-peaceful-anti-bolsonaro-protester-to-delight-of-brazils-far-right
https://www-theguardian-com.translate.goog/uk-news/2022/sep/20/met-handcuff-peaceful-anti-bolsonaro-protester-to-delight-of-brazils-far-right?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

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