Eu, lá pelos meus 10 anos, às vezes ficava um tempinho olhando. Memorizava jogadas que tentava repetir depois, quando calhava de ter uma mesa à minha disposição.
Suspeitava que a velhice fosse mesmo uma fera horrorosa. Agora tenho certeza.
A grande maioria dos idosos vive com um monte de doenças e num miserê danado. Quem tem a sorte de ficar fora dessa vala comum (e é sorte mesmo, num país de tantas incertezas e injustiças como o Brasil), percebe que, se passou a vida inteira acumulando experiências valiosas e aprimorando suas habilidades, quase nada tem a fazer com umas e com outras.
É vítima do paradigma: os jovens o consideram ultrapassado e dão um duro danado para reaprenderem por si mesmos lições que o matusalém tentara em vão lhes repassar.
E o Brasil é terrível neste aspecto. Trata-se do país do eterno retorno.
Para a geração 68, o populismo era exatamente o que Glauber Rocha mostrou ser no Terra em Transe: uma crença despropositada em que a personalidade do governante de um país fosse suficiente para resolver seculares problemas estruturais.
Nunca é. Ele acaba sempre se rendendo às evidências dos fatos e mancomunando-se com as forças do atraso para garantir a governabilidade.
Ou resistindo frouxamente a tais pressões e levando um pé na bunda, como João Goulart e Dilma Rousseff.
Ou resistindo corajosamente a tais pressões e virando mártir, como Getúlio Vargas e Salvador Allende.
Mas, de que adianta eu hoje tentar explicar o que aprendi lá no comecinho da minha trajetória, mais de meio século atrás? Quase nada.
Ajudo a estimular o pensamento crítico num ou noutro leitor, mas a força dominante da esquerda, que para nossa desgraça está sendo o PT desde os anos 80, prefere bisar todos os erros e colher invariavelmente as mesmíssimas derrotas.
Fiquei pasmo, p. ex., quando vi a presidente Dilma, brizolista de coração, tentar corrigir suas lambanças anteriores entregando a condução da política econômica a um conservador com carteirinha assinada.
Como ela pôde ignorar que foi exatamente o mesmo que João Goulart, sogro de Brizola, fez em 1963, com tais ministros sendo sabotados pela própria esquerda até desistirem e vazarem?
Então, Joaquim Levy não passava de um fracasso anunciado. E, quando entregou os pontos, a História se repetiu também quanto ao destino de quem tentou salvar o mandato às custas de relações promíscuas com antípoda ideológico: logo foi derrubado(a).
E por aí vai, eu poderia dar muitos outros exemplos.
Mesmo assim, insisto. Desde que sobrevivi a uma luta armada na qual pelo menos duas dezenas de companheiros estimados morreram, me considero em débito com os que tombaram e com os que tiveram suas existências arruinadas.
Parafraseando os versos de Fernando Brant na canção que melhor expressa os que combatemos e sobramos vivos e lúcidos para contar a história, sentinelas somos do corpo de nossos irmãos que já se foram e amiúde relembramos tudo que ocorreu, fazendo o que está a nosso alcance para que a memória não morra e para que os bons exemplos do passado frutifiquem no presente.
Vez por outra bate o desânimo, claro. Mas, passa. O mito de Sísifo tem tudo a ver com os revolucionários: nosso destino é empurrar de novo a pedra para o topo da montanha enquanto nos restarem forças. Para nós não existe o repouso da guerreiro nem a desistência da luta, mas sim uma missão a cumprir.
Que, curiosamente, lembra a visão dos samurais japoneses a respeito do dever. Quem acredita que não deve nada para ninguém, pode fazer o que quiser. Mas, quem crê que tem um dever, será um verme se não honrá-lo. Simples assim.
E o conhecimento da História mantém vivas as esperanças em reviravoltas e nas brechas que se abrem de quando em quando, dando aos que têm noção do que está acontecendo a possibilidade de influírem decisivamente nos acontecimentos.
É para isto que vivo. Para poder cumprir pessoalmente tal papel ou para formar seguidores que o façam quando eu não estiver mais aqui.
Pois, encerrando com uma citação desta vez textual dos versos de Brant, "o mundo só vai se curvar, quando o amor que em seu corpo já nasceu liberdade buscar, na mulher que você encontrar". (CL)
2 comentários:
Oi Celso, tudo bem por aí? Aqui é Hebert.
É, pelo que parece, o fato do candidato "tio da picanha com cerveja", ter perdoado a todos, menos o ex-juiz, cai por terra. A Crônica abaixo, mostra algo tragicômico, que apenas alguns "santos inocentes", insistem não querer enxergar. Pior, a tal "festa da democracia"
(com divergentes históricos), está mais para aquilo definido pelo poeta: "festa estranha,
com gente esquisita..."
Saúde, forte abraço.
http://linhacaatomica.blogspot.com/2022/08/sergio-moro-em-partido-que-apoia-lula.html
Boa, Hebert! Os contorcionismos éticos e ideológicos dessa corja me enojam tanto que eu nem
leio com muita atenção noticiário eleitoral. Vira o estômago.
Então, passei batido pelo fato de que o Sergio Moro concorrerá a senador por um partido aliado ao Lula. E que o Lula, portanto, engolirá mais esse sapo.
Lembra-se dos dizeres que estariam na porta do inferno, "abandonai toda a esperança, vós que aqui entrais"?
Pois na porta do Palácio do Planalto, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de todas as sedes dos 3 Poderes espalhadas pelo Brasil, caberia bem um "abandonai toda a dignidade, vós que aqui entrais".
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