terça-feira, 2 de agosto de 2022

REFLEXÕES MELANCÓLICAS NO PAÍS DO ETERNO RETORNO

Machado de Assis, em "Dom Casmurro"
L
a vecchiaia è una brutta bestia, dizia um velho italiano que passava o dia jogando sinuca num boteco da Mooca. 

Eu, lá pelos meus 10 anos, às vezes ficava um tempinho olhando. Memorizava jogadas que tentava repetir depois, quando calhava de ter uma mesa à minha disposição.

Suspeitava que a velhice fosse mesmo uma fera horrorosa. Agora tenho certeza. 

A grande maioria dos idosos vive com um monte de doenças e num miserê danado. Quem tem a sorte de ficar fora dessa vala comum (e é sorte mesmo, num país de tantas incertezas e injustiças como o Brasil), percebe que, se passou a vida inteira acumulando experiências valiosas e aprimorando suas habilidades, quase nada tem a fazer com umas e com outras. 

É vítima do paradigma: os jovens o consideram ultrapassado e dão um duro danado para reaprenderem por si mesmos lições que o matusalém tentara em vão lhes repassar.

E o Brasil é terrível neste aspecto. Trata-se do país do eterno retorno.

Para a geração 68, o populismo era exatamente o que Glauber Rocha mostrou ser no Terra em Transe: uma crença despropositada em que a personalidade do governante de um país fosse suficiente para resolver seculares problemas estruturais.

Nunca é. Ele acaba sempre se rendendo às evidências dos fatos e mancomunando-se com as forças do atraso para garantir a governabilidade. 

Ou resistindo frouxamente a tais pressões e levando um pé na bunda, como João Goulart e Dilma Rousseff. 

Ou resistindo corajosamente a tais pressões e virando mártir, como Getúlio Vargas e Salvador Allende.

Mas, de que adianta eu hoje tentar explicar o que aprendi lá no comecinho da minha trajetória, mais de meio século atrás? Quase nada. 

Ajudo a estimular o pensamento crítico num ou noutro leitor, mas a força dominante da esquerda, que para nossa desgraça está sendo o PT desde os anos 80, prefere bisar todos os erros e colher invariavelmente as mesmíssimas derrotas. 

Fiquei pasmo, p. ex., quando vi a presidente Dilma, brizolista de coração, tentar corrigir suas lambanças anteriores entregando a condução da política econômica a um conservador com carteirinha assinada. 

Como ela pôde ignorar que foi exatamente o mesmo que João Goulart, sogro de Brizola, fez em 1963, com tais ministros sendo sabotados pela própria esquerda até desistirem e vazarem?

Então, Joaquim Levy não passava de um fracasso anunciado. E, quando entregou os pontos, a História se repetiu também quanto ao destino de quem tentou salvar o mandato às custas de relações promíscuas com antípoda ideológico: logo foi derrubado(a).

E por aí vai, eu poderia dar muitos outros exemplos. 

Mesmo assim, insisto. Desde que sobrevivi a uma luta armada na qual pelo menos duas dezenas de companheiros estimados morreram, me considero em débito com os que tombaram e com os que tiveram suas existências arruinadas. 

Parafraseando os versos de Fernando Brant na canção que melhor expressa os que combatemos e sobramos vivos e lúcidos para contar a história, sentinelas somos do corpo de nossos irmãos que já se foram e amiúde relembramos tudo que ocorreu, fazendo o que está a nosso alcance para que a memória não morra e para que os bons exemplos do passado frutifiquem no presente.

Vez por outra bate o desânimo, claro. Mas, passa. O mito de Sísifo tem tudo a ver com os revolucionários: nosso destino é empurrar de novo a pedra para o topo da montanha enquanto nos restarem forças. Para nós não existe o repouso da guerreiro nem a desistência da luta, mas sim uma missão a cumprir.

Que, curiosamente, lembra a visão dos samurais japoneses a respeito do dever. Quem acredita que não deve nada para ninguém, pode fazer o que quiser. Mas, quem crê que tem um dever, será um verme se não honrá-lo. Simples assim.

E o conhecimento da História mantém vivas as esperanças em reviravoltas e nas brechas que se abrem de quando em quando, dando aos que têm noção do que está acontecendo a possibilidade de influírem decisivamente nos acontecimentos.

É para isto que vivo. Para poder cumprir pessoalmente tal papel ou para formar seguidores que o façam quando eu não estiver mais aqui. 

Pois, encerrando com uma citação desta vez textual dos versos de Brant, "o mundo só vai se curvar, quando o amor que em seu corpo já nasceu liberdade buscar, na mulher que você encontrar". (CL)

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem por aí? Aqui é Hebert.
É, pelo que parece, o fato do candidato "tio da picanha com cerveja", ter perdoado a todos, menos o ex-juiz, cai por terra. A Crônica abaixo, mostra algo tragicômico, que apenas alguns "santos inocentes", insistem não querer enxergar. Pior, a tal "festa da democracia"
(com divergentes históricos), está mais para aquilo definido pelo poeta: "festa estranha,
com gente esquisita..."
Saúde, forte abraço.

http://linhacaatomica.blogspot.com/2022/08/sergio-moro-em-partido-que-apoia-lula.html

celsolungaretti disse...

Boa, Hebert! Os contorcionismos éticos e ideológicos dessa corja me enojam tanto que eu nem
leio com muita atenção noticiário eleitoral. Vira o estômago.

Então, passei batido pelo fato de que o Sergio Moro concorrerá a senador por um partido aliado ao Lula. E que o Lula, portanto, engolirá mais esse sapo.

Lembra-se dos dizeres que estariam na porta do inferno, "abandonai toda a esperança, vós que aqui entrais"?

Pois na porta do Palácio do Planalto, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de todas as sedes dos 3 Poderes espalhadas pelo Brasil, caberia bem um "abandonai toda a dignidade, vós que aqui entrais".

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