Cúmplice explícito do golpe de 1964, o Grupo Estado... |
O Estadão continua firmemente contrário aos governos e partidos de esquerda.
Para os maniqueístas, que enxergam tudo sem nuances, estas duas afirmações podem parecer incompatíveis entre si. Mas, não o são.
Trata-se de um jornal conservador, mas não de extrema-direita. Quer que o jugo do capital seja mantido civilizadamente, sem execuções, câmaras de tortura, censura e abusos escandalosos de poder.
Assim, para ele é aceitável que o poder econômico, com boas maneiras, satelize o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, fazendo com que sirvam como biombos para a mão que manipula os cordéis nos bastidores.
Mas é inaceitável que o Executivo, com más maneiras, imponha sua vontade ao Judiciário, como o palhaço genocida tenta de todas maneiras fazer.
Tais sutilezas, que escapam aos cidadãos comuns, podem fazer grande diferença para os revolucionários.
...resistiria francamente à ditadura a partir do AI-5. |
Como travamos nossas batalhas em condições de enorme inferioridade de forças, temos de levar em conta as contradições entre os inimigos e aproveitá-las ao máximo para tornar menos impossíveis nossos êxitos.
Então, conformemo-nos em ler, no mesmo jornal que lança editoriais extremamente contundentes contra o Bozo, uma série de reportagens como a iniciada pelo Estadão nesta 6ª feira, 5, sobre quais são os riscos da ascensão de governos de esquerda na América Latina.
O jornalão está aflito com a possibilidade de, elegendo-se Lula, a esquerda passar a controlar "13 dos vinte países da região, incluindo as seis maiores economias, estendendo os seus tentáculos de Tijuana, no México, à Terra do Fogo, no Chile e na Argentina".
Mas, mesmo assim, prosseguirá com suas contundentes pregações em favor da democracia burguesa e, portanto, contra o vezo ditatorial do preside(me)nte. Nessa mesma edição, o editorial exigiu, inclusive, que ele adiante responda na Justiça por seus feitos:
"Não há como reduzir a gravidade de tudo o que Jair Bolsonaro vem fazendo contra as eleições, assim como não há como ele ficar impune depois de tudo o que já fez".
E já se prepara para voltar sua metralhadora giratória retórica contra o vindouro Governo Lula (a tal série de reportagens é um aquecimento nesse sentido...), mas não cogita em tentar impedi-lo, pois aprendeu que conceder poderes excessivos a golpistas pode vir a ser um péssimo negócio.
Em 1964, conspirou com os militares para a virada de mesa, acreditando na promessa de que, depois de alguns meses de limpeza na casa com métodos não exatamente democráticos, os fardados devolveriam o poder aos civis.
Contudo, verdade seja dita, quando a assinatura do AI-5 deixou evidenciado que não haveria redemocratização nenhuma, mas, pelo contrário, um terrorismo de Estado cada vez mais exacerbado, foi o grupo de imprensa que mais corajosamente combateu a ditadura.
Fez tudo ao seu alcance para mostrar a realidade dos fatos, o que transformou O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde em verdadeiras colchas de retalhos (o primeiro substituía os trechos que censores vetavam por poesias e o segundo por receitas culinárias, mas o espaço nunca era preenchido por outras matérias com assuntos diferentes).
E seus proprietários se mantiveram altaneiros, não foram submissos à ditadura como os concorrentes da Folha de S. Paulo. Quando os agentes do DOI-Codi tentaram entrar no prédio da rua Major Quedinho para prender alguém na redação, um diretor disse a célebre frase: "Lá fora ele pode ser comunista, mas aqui dentro ele é meu jornalista".
Mandou que os seguranças ficassem a postos para repelir qualquer tentativa de invasão e, com a intermediação do governador Abreu Sodré, ficou acertado que o ambiente de trabalho seria respeitado. Aí foi o próprio diretor que saiu do prédio com o procurado no porta-malas e o abrigou em seu sítio.
Isto não passou de repetição da postura adotada na ditadura anterior, a de Getúlio Vargas, quando o Estadão ficou sob intervenção cinco anos e meio, entre 1940 e 1945, tendo inclusive o diretor Francisco Mesquita permanecido preso durante 40 dias.
Até hoje esses cinco anos e meio não são considerados pelo jornal como parte da sua história, já que lhe tiraram a liberdade para publicá-lo segundo os próprios critérios.
Noblesse oblige, assumiria a mesmíssima postura na ditadura dos generais e, agora, no desgoverno ultradireitista.
O que nem então, nem agora, o impediu de criticar a esquerda incansavelmente. Mas, em todas essas situações, era mais fácil enfrentarmos quem travava contra nós batalhas de opinião do que quem nos queria exterminar fisicamente. (por Celso Lungaretti)
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