segunda-feira, 15 de agosto de 2022

AS FIRULAS DO DIREITO BURGUÊS FAZEM O INJUSTO PASSAR POR JUSTO – 1

dalton rosado
AS DETURPAÇÕES SEMÂNTICAS
As palavras têm a força do sentido que encerram. É por isto que devemos ter o cuidado de entender o espírito daquilo que elas significam e, principalmente, as transformações que nelas possam ocorrer em razão do uso indevido e intencionalmente deturpado.

As metamorfoses perigosamente manipuladas que as palavras podem passar a ter (e têm tido) ao longo da vida social é o que abordo neste artigo.

Assim, passo a analisar algumas metamorfoses e conceitos semânticos e/ou duplos e contraditórios sentidos que detêm, se não vejamos:
A sacralidade dos preceitos constitucionais – Há quem considere, principalmente no mundo jurídico, que a obediência e imutabilidade dos preceitos constitucionais é fator de estabilidade social, configuração e solidificação de comportamentos sociais pretensamente virtuosos.

A dialética do movimento social e os princípios da formatação do direito estão a nos ensinar que não é a norma que deve engessar o comportamento social, mas é o comportamento social e suas vontades e interesses coletivos regidos a partir de princípios éticos e morais elevados, que deve promover as reformas normativas constitucionais e o direito dela derivado.

Devemos considerar que a Assembleia Nacional Constituinte, encarregada da elaboração de qualquer constituição (como recentemente ocorreu no Chile, após a derrocada da economia chilena e os protestos de rua contra os resquícios da ditadura Pinochet), é sempre decorrente de um conjunto de parlamentares eleitos sob a influência econômica que sempre marca as eleições parlamentares burguesas.

Desde sempre, nas eleições burguesas a maioria dos eleitos é de parlamentares burgueses. 

Parlamentares burgueses que, evidentemente, farão uma constituição burguesa, voltada para os interesses do capital; e, sendo o capital intrinsicamente opressor, a constituição que o protege também o é.

A constituição burguesa é a norma que pauta o direito ordinário burguês. Por sua vez, o direito ordinário burguês é, em muitos dos seus institutos, marcadamente injusto para com a maioria da coletividade. Um antidireito no sentido fascista.

A constituição burguesa prevê, p. ex., o direito à propriedade como cláusula pétrea. Complementarmente, vem o direito civil e concede possibilidades de acúmulo ilimitado da propriedade sem considerar a hipoteca social da dita cuja.

Há quem, não tendo nenhuma propriedade, aspire por tê-la e, assim, defenda o direito à propriedade tal como está prevista na constituição burguesa. Um fetiche opressor.

Ora, como a propriedade é sempre uma mercadoria na sociedade burguesa, alguém pode ter mil ou mais casas alugadas àqueles não têm nenhuma e cobrar dos ditos cujos o aluguel destas como renda pessoal patrimonial, despejando o devedor desempregado que ficar inadimplente no aluguel. 

O magistrado incumbido de tal processo de despejo terá de obedecer ao direito burguês estatuído, sob pena de ter reformadas as suas sentenças por desacordo normativo e, em alguns casos de repetição, ser punido pelas instâncias superiores da magistratura por descumprimento da norma.

Assim o Poder Judiciário, sob a constituição burguesa, é o cutelo opressor do capital, sob o manto da pretensa e hipócrita realização do ideal de justiça. 
O pior é ser o povo quem paga, pela via da cobrança de impostos constitucionalmente definidos, o valor-dinheiro-mercadoria que subvenciona a sua própria opressão.

Muitos outros exemplos do caráter opressor da constituição burguesa poderiam ser citados aqui, mas este basta para demonstrar que aqueles que querem rasgar a constituição (como os ultraconservadores nazistóides) em benefício ditatorial próprio, são diferentes e o oposto daqueles que almejam por uma constituição verdadeiramente popular e voltada para o interesse majoritário da coletividade.

Neste caso a virtude não está no meio, ou seja, entre aqueles que preferem a conservação do status quo constitucional burguês atual por medo do retrocesso da dita cuja.

Não é jurando obediência a uma constituição burguesa, como forma de contraposição à ameaça de uma constituição ditatorial, que se avança na busca de um estágio superior de civilização social.
Cidadania – O filósofo Sócrates, no momento em que se formavam as cidades-estado gregas (como Atenas) e o conceito de cidadania como pretensa proteção social aos cidadãos, afirmou que "o cidadão é o cadáver do homem".

Pensemos na diferença, enquanto ser humano e indivíduo social, entre:
— alguém que se arrisca a atravessar as fronteiras dos países do G7 por barco inseguro cheio de gente, caminhando pelo deserto ou se arrastando por tuneis, com filhos menores e arriscando a própria vida, e
 aqueles que viajam de avião após terem obtido o visto de entrada e que até conseguem o green card depositando US$ 1 milhão num banco qualquer. 

A disparidade entre eles reside no conceito de cidadania atribuído a cada um.

O ser humano rico é cidadão bem recebido e com honras de turista nos países ricos; o outro não passa de um marginal invasor que, se não morrer na travessia mas for preso, terá seus filhos amontoados separadamente em jaulas, todos a serem deportados como seres indesejados.

O cidadão comum, assalariado, é aquele explorado pelo capital na extração de mais-valia na produção das mercadorias por subtração da mercadoria hora-valor de trabalho abstrato, e obrigado a pagar o imposto em qualquer mercadoria que compre para o seu sustento material, com isto sustentando a reprodução vital capitalista e seu Estado regulamentador e opressor.

Este é o mundo da cidadania e da mercadoria. 

Este é o quid pro quo destinado a oprimir sub-repticiamente o ser humano enquanto cidadão! 
(por Dalton Rosado – continua neste post)

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