quinta-feira, 21 de julho de 2022

FÁBULA SOBRE A MUTAÇÃO DO REINO DO CAPITAL EM REINO DA LIBERDADE – 2

(continuação deste post)
O
reino da Capitolânia ficou em polvorosa. As pessoas se perguntavam: como foi possível que aceitássemos tanta injustiça social sem que não nos apercebêssemos da razão dela existir??? 

Então, imbuídos de uma revolta consciente, decidiram que daquele momento em diante ninguém iria trabalhar mediante salário; e que todas as atividades de produção seriam partilhadas sob um planejamento social de consumo capaz de satisfazer de forma equânime a necessidade de cada um, independentemente da respectiva capacidade de produção. 

Não houve revolta armada, já que até os militares foram atingidos pelo perfume da consciência e baixaram as armas. Os trabalhadores simplesmente ficaram em casa por alguns dias até retomarem as suas atividades, agora sob autogerenciamento e sem o critério da produção de valor e dinheiro. 

O odiado governante, que se encontrava de viagem ao exterior, sabedor do efeito provocado pelo tal perfume, tratou de voltar com urgência e, usando uma máscara atrelada a um tubo de oxigênio para ficar imune aos efeitos desconhecidos daquele aroma, analisar o que estava ocorrendo em seu reino. 

Logo após, sentindo-se impotente e não aceitando os efeitos do perfume da consciência, exilara-se definitivamente noutro país governado por alguém de sua estirpe, sonhando reunir forças para uma tentativa retomar as rédeas do poder em seu reino e reverter todas as mudanças ocorridas.  
Cena do filme La Cecilia (assista-o aqui), sobre a 1ª
tentativa de organizar a sociedade em bases igualitárias
no Brasil: uma colônia rural anarquista no fim do séc. 19

Até mesmo a força militar do reino da Capitolânia, que também havia aspirado o perfume e agora estava em número reduzido, servia apenas para fiscalizar os pequenos delitos comunitários que ainda existiam, de natureza pessoais ou possessórios (não existiam mais crimes contra o patrimônio, de vez que a propriedade era regida pelo critério de utilidade e necessidade pessoal).

Daí em diante a sociedade daquela nação (cujo nome foi trocado para Libertânea) adotou um sistema de produção totalmente voltado para a satisfação das necessidades dos cidadãos. 

Ficou estruturada em células comunitárias deliberativas, com três grandes segmentos, como na antiga estrutura de divisão de  poderes elitistas, mas agora tornados segmentos organização popular de base: 
células administrativas  de controle da produção e abastecimento das unidades de produção (fazendas, industrias, centros administrativos de armazenamento e distribuição, controle de estoques, emissão de aplicativos de limites de consumo, etc.) dos distritos, ligadas a uma estrutura central de coleta de informações da grande região, que devolvia os dados para as decisões de base;
— células legislativas, compostas pelos membros da comunidade que passaram a legislar de acordo com os interesses e problemas surgidos nos vários campos do direito (civil, possessório não patrimonial –que deixara de existir, de vez que fora abolida a propriedade–, criminal, administrativo, etc.);
— células judiciárias, encarregadas da análise de processos e sentenças judiciais nos vários campos do direito, bem como em instancias de competências diferenciadas. 

Todos os serviços e produção funcionavam sem remuneração, mensuradas por critério da antiga forma-valor, mas que agora eram administradas pelo critério de necessidade comunitária a partir de um planejamento igualmente comunitário e deliberado a partir do aferimento da necessidade e capacidade de suprimento coletivo do consumo. 

Os novos critérios de produção e organização social surtiram efeitos tão satisfatórios e instigadores do espírito solidário que passaram a servir de exemplo para outras regiões que, mesmo não tendo sido atingidas pelo perfume da consciência, (o qual, infelizmente, não alcançava regiões mais distantes), passaram a se espelhar naquele exemplo altamente promissor de construção social.  

Entretanto, como os reinos vizinhos fossem ainda governados pela antiga lógica insana, militarista, elitista subtrativa dos recursos coletivamente produzidos, competitivamente destrutiva e ecologicamente predatória, de vez que o perfume da consciência não havia transposto as fronteiras da Libertânea, estabeleceu-se uma aliança entre aquelas nações intelectualmente subdesenvolvidas.

Tratava-se da tentativa de abafar o perigoso exemplo de emancipação popular vinda da Libertânea, na qual imperava a mais absoluta paz e prosperidade, mas que ameaçava a relação social retrógrada dos países vizinhos, todos conservadores.  
Uma experiência emancipacionista nos dias atuais:
o Sítio Brotando a Emancipação, em Fortaleza.

Paulatinamente, contudo, prevaleceu entre os povos dirigidos pelos governantes ainda teleguiados pela lógica da forma-valor, um sentimento de adesão ao modelo que servira de exemplo construtivo e solidário, adotado na Libertânea. Assim, as tentativas de agressão contra ela floparam solenemente. 

É que tal exemplo se alastrou mundo afora, derrubando, sem volta e progressivamente, o estágio inferior de relação social escravista até então vigente. 

Os novos problemas que surgiram em face das novas relações sociais adotadas, provocaram novos desafios, mas vamos ter de aguardar os encaminhamentos para um novo relato a partir das experiências vividas, informando, desde já, que eles não foram poucos. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

SF disse...

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Par do reino de Henry (o oitavo), More escreveu Utopia. Decerto para consolidar o poder leigo recém tomado da igreja.
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Sempre que aflora a consciência de alguém uma utopia, temos um bom sinal de que o real não satisfaz e que é necessário imaginar um mundo melhor, por mais canhestro e autoritário que seja (o de More era e o de Dalton tem umas células já cancerosas de mandonismo). Enfim...
Isso demonstra que este alguém tem domínio sobre o conteúdo da sua própria consciência e possui a volição de externar uma resposta idealizada a situação perigosa que se apresenta (guerra, pandemia, inflação, imoralidade, etc...).
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Como sempre tenho dito, Marx foi um contador que aprendeu a falar difícil (com Hegel).
Seus circunlóquios e digressões soporíferas tem o intuito de forjar a dialética materialista por sobre a dialética idealista do alemão.
Melhor de marketing que Hegel, Marx conseguiu que, até hoje, não se percebessem que sua dialética já não dá conta de explicar a realidade, pois, os dois elementos dos quais sua dialética se nutre (capital e trabalho) não existem mais.
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Durante milênios estas duas categorias tiveram o caráter de complementariedade, indispensável a uma relação dialética.
O capital viveu do trabalho e o trabalho foi oprimido (alienado) pela mercadoria e a forma-valor (em sua forma mais recente de escravidão).
Ocorre que (isto Marx não imaginou) o capital evoluiu e abarcou grande parte do trabalho (mecatrônica e I.A) tornando-se, não mais um polo complementar da dialética marxista, mas um polo produtor de bens que é quase autossuficiente.
Ao passo que o anteriormente necessário "trabalho" involuiu a consumidor dos bens.
Algo sem contrapartida em uma relação dialética com o, agora hibrido, capital/trabalho.
Assim, todo entorno burguês de produção de mais-valia (estado, moeda e que tais) colapsaram.
E nova relação surge.
Não mais um complementariedade, mas sim, um jogo de soma zero. (minha opinião)
O jogo cooperativo capital/trabalho, passou ar ser o equilíbrio Produtor/consumidor.
Não tenho competência nem marra para montar a matriz de payoff deste jogo, mas, algo me diz que sei qual a decisão que já está tomada pelo hibrido capital/trabalho a respeito do outrora necessário companheiro na dialética marxista.
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Por isso, retomei o estudo do ser e fui beber na fonte de duas grandes mentes.
Um rigoroso e quase hermético e outro, bem ao estilo francês, querendo trazer uma moral ateia para a libertê, igualitê e o mais se vê.
Viva o mundo Latino!
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Obviamente ao invés de uma utopia esses caras nos oferecem a Angústia e, ao invés de soluções determinadas nas "células" todo poderosas, um "faça o melhor possível com sua existência".
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