"...polarizado à direita..." |
Primeiro, a clareza: eles giraram em torno dos dois líderes da corrida eleitoral até aqui, refletindo o que o mundo político já precificou: apenas uma grande surpresa mudará a sensação de que está sendo disputado um 2º turno antecipado entre os rivais.
A tibieza das outras forças políticas brasileiras em apresentar algo melhor que a autofagia ao eleitor se mostra em seu esplendor. Claro, tudo pode mudar se o Imponderável de Almeida (primo do Sobrenatural) se apresentar, mas a esta altura isso é apenas acadêmico.
Já a desolação decorre principalmente pela atitude golpista explícita adotada pelo presidente da República, que, no mesmo dia, participou de dois atos em que os manifestantes pediam o cancelamento do Judiciário ou coisa pior, pelo que se viu no caixão com a efígie de Alexandre de Moraes na orla do Rio.
Claro, será argumentado que Bolsonaro pegou leve, evitou ataques diretos ao Supremo, moderou o tom. Mas, num país normal, estaríamos falando em impedimento de tal conduta. Como os atos paroxísticos do 7 de setembro do ano passado já mostraram, enquanto carne houver no osso do Executivo, a tolerância com o intolerável grassará.
É uma crise institucional contratada, claro, essa que Bolsonaro já desenhou com giz de cera, em traços grosseiros que falam sobre urnas eletrônicas.
"...envelhecido à esquerda..." |
Parece importar pouco o risco real de violência eleitoral e situações-limite de ruptura. Bolsonaro, como o Curinga de Christopher Nolan, é neste enredo um agente do caos. Com a diferença de que não há Batman no filmeco brasileiro (felizmente, aliás).
O Supremo tem cometido erros táticos que só pioraram o cenário. A transformação do caso Daniel Silveira pelas mãos bolsonaristas numa refrega sobre liberdade de expressão é tão farsesca quanto perigosa.
A presença de um sujeito com a roupa do nativista americano do 6 de janeiro de 2020 a seu lado no palanque do Rio é um lembrete meio ridículo, mas real, dos riscos colocados aqui.
À clareza em campo, adiciona-se a desolação. Lula, como concorrente à frente de Bolsonaro, teoricamente teria a obrigação de assumir a dianteira também no embate democrático. Apesar de todas as suas falhas em defesa de liberdades, como o desprezo pela imprensa em seus anos de poder explicita, não há registro de seu lado de nada parecido com o que Bolsonaro faz.
Mas o petista preferiu usar o Dia do Trabalho para fazer um discurso cheirando a naftalina de carnavais passados, em sindicalês quase puro.
"...esvaziado de interesse real da população..." |
OK, ele falava aos seus, entre eles o proverbial Paulinho da Farsa Sindical, como todo petista gostava de chamar nos anos 1990. Mas o momento pede mais.
Do ex-presidente, além dos epítetos que só fazem crescer o Pokémon bolsonarista (fascista, genocida), só se ouviram promessas trabalhistas e a negação da privatização da Eletrobrás, tema tão candente para o eleitorado.
Isto para não falar na nossa Petrobrás, cujos efeitos do amor de petistas e aliados é sabido na casa dos bilhões de reais –e não, isto não foi perdoado ainda pela Justiça.
Eis o desenho político do Brasil neste feriado em pleno domingo: esvaziado de interesse real da população, polarizado à direita e envelhecido à esquerda, para cada um cantar sua vitória no Twitter. (por Igor Gielow)
2 comentários:
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"Oh personalidade humana! Como pudeste te curvar à tamanha sujeição durante sessenta séculos"? Já dizia o Pedro José.
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Como sabido, pelo menos oficialmente, quase 50% da riqueza de banânia vai para este ente quase ontológico. Sujeitos que sujeitam a 6000 anos a humanidade.
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Portanto, não importa qual seja a cara do cara que se adone do botim, o estado da coisa permanecerá com dantes em Abrantes.
E nos seis milênios anteriores.
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Tumores tem que ser lancetados.
Qual a melhor lanceta?
Uma com fio fino e doses cavalares de anestesia ou um espinho sem anestesia e o "estrebucha, mas não bufa" dos capitães do mato?
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Fato curioso.
Todos os tuiteiros da Faria Lima (farialimers) publicaram a respeito da morte de Airton Senna no dia 1º de maio.
Parecia algo concertado.
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O povo que ainda tem emprego estava mortalmente aborrecido por não poder ter tido um feriadão.
Assistia séries.
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De minha parte assisti Les Uns e Les Autres, de Claude Lelouch, cujo climax é O Bolero de Ravel...
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Onde se perdeu a visão panorâmica?
Quando foi que deixamos de admirar aqueles que condensam e mostram a efemeridade de tudo neste mundo?
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E quando perceberás "oh personalidade humana" que a história é um eterno epílogo?
Que o fim será o fim do historiador?
E que ela toca a mesma melodia rearranjada de inúmeras maneiras?
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Ao final, o colapso.
E o resto é silêncio.
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Companheiro,
pensei em aproveitar a sua dica, mas o filme RETRATOS DA VIDA não está disponibilizado no Youtube. Há picaretagens que pretendem ser o "filme completo", mas estão muito longe de suas três horas de duração.
O "Bolero" de Ravel tem uma estrutura que se presta às mil maravilhas para o final apoteótico do filme. Admiro-me que nenhum cineasta o haja aproveitado antes daquela maneira.
Não seria bom se passássemos desde cedo a nos identificarmos com pensadores que "condensam e mostram a efemeridade de tudo neste mundo". Teríamos ainda mais sábios no topo da montanha e menos elã dos jovens para transformar o mundo.
Há um momento da vida em que precisamos acreditar em algo para fazer alguma coisa. Eu, pelo menos, já sabia de muita coisa quando resolvi AGIR segundo a perspectiva marxista. Percebi que, só quando se toma partido é que se começa a ter uma visão clara das forças que disputam o direito de conduzir a humanidade adiante ou travar a sua trajetória.
Já que vc citou um filme, citarei outro: o antológico sumário do advogado interpretado por Paul Newman em O VEREDICTO, do Sidney Lumet, quando ele alude à magnitude de poderes que nos achatam, fazendo-nos perder a fé em que nossos atos possam mudar alguma coisa, da imensidão das coisas que estão erradas.
Ele diz que sua crença era outra: que se agíssemos com fé, a fé nos seria dada e aí encontraríamos em nós a força para remover as montanhas de injustiças e iniquidades.
Um abração
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