sexta-feira, 22 de abril de 2022

PENDENGA DANIEL SILVEIRA: O PRINCIPAL NÃO É JURÍDICO

"uma figura medíocre e absolutamente nula"
Uma figura medíocre e absolutamente nula, de nome Daniel Silveira, passou a centralizar a mais recente luta do bolsonarismo contra as instituições da República. 

Processado e condenado após proferir uma série de insultos e ameaças aos membros da Suprema Corte, Silveira recebeu a graça presidencial, no que promete ser mais um capítulo excruciante do já longo clima de zorra total presente no Brasil há pelo menos seis anos, desde o Impeachment Tabajara, nas palavras de Joaquim Barbosa. 

Não pretendo entrar nos detalhes do caso do Silveira e tampouco nos méritos da recente diatribe bozoísta (isto é, na minha opinião, o que menos importa), mas focar em algo mais fundamental e decisivo. Como já diria o Pequeno Princípe, o essencial é invisível aos olhos. 

Em primeiro lugar, constato que o caos instalado no affair Silveira é apenas um sintoma a mais do caos generalizado da República burguesa do Brasil, a qual está claramente em decomposição. 

Desde há muito tempo, a lei vem sendo relativizada e contestada. O que vale um dia, já não vale no outro. Longe de ser um acidente, é algo metódico, impulsionado por nossa burguesia a fim de fazer valer seu poder econômico na base da confusão generalizada. 

A reforma trabalhista é um exemplo. Flagrantemente inconstitucional, instaurou o clima de bagunça ao suprimir normas e contradizer outras, fazendo o dito cada cabeça, uma sentença se tornar a norma no meio jurídico. A insegurança gerada com esta reforma é tanta que muitos juízes simplesmente a ignoram. 

O que dizer do instituto do impeachment? Usado para defenestrar dona Dilma com base num pretexto tolo e pueril –um crime que, inclusive, foi adiante abolido pelo Congresso–, não foi usado para impedir o genocídio por parte de um presidente aberta e claramente criminoso. Este fato gerou um clima social de falta de civilidade, onde tudo é possível e tem sido permitido pelo Congresso e pelo Judiciário. 
"Depois de servir para defenestrar Dilma Rousseff com base num pretexto pueril, o  impeachment
não foi usado para impedir o genocídio por parte de um presidente clara e abertamente criminoso"
 
Antes o STF, que agora é tão machão com Silveira, perdoou Bolsonaro por suas falas abertamente racistas no clube Hebraica. O mesmo valente Alexandre de Moraes desculpou em 2018 o futuro genocida sob a alegação de imunidade parlamentar e liberdade de expressão! La donna è mobile, já cantava a ópera.  

E o que podemos dizer do TSE perdoando os crimes eleitorais do senhor Messias? 

Fato é que o caso Silveira deveria ter sido tratado pelo Congresso em seu conselho de ética, mas o poder legislativo brasileiro é rápido apenas para ferrar o povo comum, não para fazer justiça adequada.

Tudo isso tem de ser considerado para compreendermos que estamos longe de um fato superficial: é a própria república burguesa, em seu coração, que está dilacerada. Neste aspecto, a esculhambação bolsonarista é parte do processo e não um acidente. Até por isso, o presidente continua sendo presidente e continua tendo apoio duradouro entre as elites nacionais. 

O bolsonarismo revelou ao mundo que, sob a interminável
penúria, o brasileiro cordial se tornou brasileiro boçal
Em segundo lugar, é preciso entender que a condenação de Silveira ou a desgraça dos bolsonaristas nas eleições não significará o sepultamento da extrema-direita brasileira. 

Não se pode resolver algo político e social com meios jurídicos. Esta é uma lição que a esquerda faz questão de não aprender, tanto que continua apostando na institucionalidade. 

Para quem gosta de lições da história, basta lembrarmos de Hitler. Este, após uma tentativa de golpe, foi condenado e passou anos preso. Não apenas escreveu no cárcere seu livro Minha Luta, como de lá saiu ainda mais popular e forte. 

O motivo é muito simples: enquanto lá estava ele encarcerado, a realidade social alemã seguiu em frente, piorando. A pusilanimidade da social-democracia foi fortalecendo as classes dominantes a ponto de estas, após a crise de 1929, conseguirem vender o nazismo enquanto alternativa real para as massas empobrecidas do país. 

Longe de se colocar enquanto alternativa radical ao capitalismo moribundo, a esquerda aposta no discurso carola de pacificação e amansamento, aliando-se a figuras detestáveis e tentando reeditar o que já deu errado. Receita certa para a derrota e para o fortalecimento da extrema-direita, que, mesmo baseada falsidades demagógicas, vende ao grosso do povo uma alternativa radical. 

Bolsonaro se elegeu assim em 2018, passando-se por um outsider, inimigo do status quo. O fato de ele ainda contar com o apoio de pelo menos um terço do povo brasileiro mostra que seu discurso ainda tem muito lastro e pode ser retroalimentado no futuro, ainda mais com um possível –e previsível– fracasso do retorno lulista. 

Assim, o derretimento da república e o acanhamento da esquerda podem ser receita certa para caminharmos para algo ainda pior que os terríveis anos bolsonaristas. Não serão a condenação de um sub-deputado ou uma derrota eleitoral as soluções para evitar isso. Como já dizia Hobbes, apenas a matéria pode fazer frente à matéria e pactos sem a espada são sempre nulos. 

Deveríamos aprender mais com a história, concreta e intelectual. (por David Emanuel Coelho)

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