terça-feira, 19 de abril de 2022

BRILHANTE USTRA QUERIA QUE FOSSE O EXÉRCITO O RÉU, E NÃO ELE

Novamente Hamilton Mourão viaja na maionese ao deitar falação sobre as atrocidades da ditadura militar, mas isto já virou hábito.

Em outubro de 2020, p. ex., o vice-presidente, em cuja carreira militar abundaram as incontinências verbais, cometeu uma das mais marcantes, ao ser entrevistado pela Deutsche Welle. 

Pretendendo defender a memória do torturador serial Carlos Alberto Brilhante Ustra, afirmou que o comandante do pior centro de torturas dos anos de chumbo no Brasil (no qual mais de 2 mil cidadãos conheceram o inferno e contra o qual mais de 500 denúncias foram formalizadas) "era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados".

Com isto divergiu do próprio Brilhante Ustra, que em 2008 tentou, com as palavras abaixo, livrar-se de uma ação declaratória no sentido de que ele fosse considerado responsável pelo assassinato do jornalista Luiz Merlino nas dependências do DOI-Codi:
"O Exército brasileiro é uma pessoa jurídica, sendo que, pelos atos ilícitos, inclusive os atos causadores de dano moral, praticados por agentes de pessoas de direito público, respondem estas pessoas jurídicas e não o agente contra o qual têm elas direito regressivo. (...) Todas as vezes que um oficial do Exército brasileiro agir no exercício de suas funções, estará atraindo a responsabilidade do Estado".
Ou seja, em vez de tentar provar inocência, Ustra preferiu pleitear o arquivamento da ação alegando que o alvo correto de tal acusação deveria ser o Exército brasileiro!

Portanto, a fala de 2020 do Mourão conflitou com o que o próprio torturador de estimação do Jair Bolsonaro afirmara, pois o finado Ustra, nos momentos de maior exasperação com o abandono a que considerava estar sendo relegado pelo Exército, repetiu a ladainha dos principais carrascos condenados em Nuremberg, no célebre julgamento de seus congêneres: Eu só estava cumprindo ordens... 
 
Mesmo no seu hostil depoimento à Comissão Nacional da Verdade em 2013, ele continuou deixando implícito seu descontentamento com o tratamento que recebeu do Exército, ao ressaltar: 
"...quem é que deve estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. É o Exército Brasileiro, que assumiu, por ordem do presidente da República, a ordem de combater o terrorismo e sob os quais eu cumpri todas as ordens...".
Mas, gato escaldado pela má repercussão de seu desabafo de 2008 junto aos círculos ultradireitistas que o apoiavam, Ustra acrescentou a fantasiosa ressalva de que tais ordens seriam "legais, nenhuma ordem ilegal" 

E, por mais que ele merecesse pessoalmente o repúdio dos civilizados, eu não deixava de dar-lhe razão quanto ao fato de nunca passara de um elo a mais de uma cadeia de comando no topo da qual  estavam os próprios generais ditadores. 

Ao comandar o DOI-Codi, ele fez exatamente o que dele esperava o Exército: combateu o inimigo por todos os meios a seu dispor, sem importar-se com os direitos humanos, as convenções de Genebra e outras perfurmarias. Saiu-se vitorioso e foi aclamado por seus pares.

Veio a redemocratização e ele passou a ser estigmatizado como um monstro... sozinho! 

Levou merecidamente a culpa por tudo aquilo que seus comandados fizeram. 

Mas, ninguém se lembrou de cobrar de seus superiores a responsabilidade maior que tiveram nas atrocidades perpetradas pelo DOI-Codi durante os anos de chumbo. As conveniências políticas falaram mais alto do que o senso de justiça.

Se fosse um homem de princípios, Brilhante Ustra se rebelaria contra aqueles que lhe ordenaram que cometesse crimes contra a humanidade e depois se puseram a salvo, não carregando juntos com ele o fardo do opróbrio. 

Mas, de quem fez o que ele fez durante 1970/1974 só poderia esperar-se o caminho tortuoso que preferiu trilhar: tentar convencer o Brasil inteiro de que as vítimas é que eram os algozes e ele, um pobre coitado sem culpa nenhuma no cartório.

Seus dois livros repulsivos, entretanto, atraíram contra si a ira dos justos. Porque foram montados a partir das informações arrancadas dos prisioneiros mediante as torturas mais cruéis, seja no próprio DOI-Codi, seja nos aparelhos clandestinos da repressão, de onde não se saia vivo. Era muita impudência utilizar o espólio de sua ignomínia para tentar justificar-se. 

Então, Brilhante Ustra acabou sendo merecidamente visto pelos brasileiros como o torturador-símbolo da ditadura militar.

Mas, nunca fui tão injusto com ele como ele sempre foi com os outros: afirmo e assino embaixo que seus superiores tiveram culpa ainda maior pelas práticas desumanas e desonrosas do DOI-Codi, naquela que foi uma das páginas mais vergonhosas da História do Brasil(Celso Lungaretti, anistiado político que foi torturado em duas unidades militares do Rio de Janeiro, nas quais quase enfartou e sofreu lesão permanente, tendo conhecido o DOI-Codi paulista apenas de passagem, mas o suficiente para ouvir os gritos ensurdecedores dos torturados, ouvir seus relatos, ver seus ferimentos e inclusive ser apresentado à sala de torturas, pois o comandante gostava de brincar de gato e rato com os hóspedes que haviam sido presos noutros Estados)

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