domingo, 13 de março de 2022

O MUNDO VIVE EM CHAMAS OU SOB UMA TENSÃO ETERNA PARA A GUERRA – 2

(continuação deste post)
O
s marxistas vulgares proibiam a leitura e divulgação da parte essencial do arcabouço econômico do velho barbudo: a denúncia da contradição intrínseca da lógica de mediação social pelo capital, que a torna destrutiva e autodestrutiva.

Até perseguiam os estudiosos do tema, como Isaac Illich Rubim, autor da obra A teoria marxista do valor (1921), que por isto foi preso e deportado para a Sibéria, onde sumiu.

As pessoas estão cada vez mais descrentes de tudo e derivando para um niilismo suicida. 

Tal comportamento decorre dos maus exemplos que até aqui têm sido dados pelos modelos políticos manipuladores do pensar, tais quais: 
— a democracia burguesa;
— as ditaduras militares;
— as ditaduras de partido único capitalistas de estado, que terminam por aderir ao mercado internacional e se tornarem privatistas;
— as autocracias legitimadas por fórmulas políticas manipuladoras da vontade coletiva;
— as monarquias governamentais ditatoriais ou constitucionais;
— os governos que gravitam em torno de estados clericais ou semi-clericais, etc. 

O traço comum a todos os modelos políticos ora existentes é a mediação social pelo capital. 

Produzir valor a partir da produção de mercadorias é considerado algo natural e evoluído. Do mesmo modo que se sabe que não se pode viver sem consumir água e se entende que não se pode prescindir da roda, considera-se, equivocadamente, que produzir e vender mercadorias se situa neste mesmo patamar. 

Não se compreende que toda a liturgia e essência do opressivo poder estatal atual, sob todas as formas políticas, obedece a uma lógica funcional escravista que, para existir, apenas usa a necessidade de consumo de bens essenciais à vida transformados em mercadorias. 

O poder político não passa de um subpoder teleguiado pelo poder econômico, o qual nada mais é do que uma forma de relação social gestada sob a opressão de uma lógica abstrata, matemática, desumana. 

Tal lógica se incorpora aos objetos inanimados, transformando-os em mercadorias destinadas ao consumo ou em serviços, para lhes emprestar vidas reais (valor de uso) e vidas abstratas (valor de mercado). Uma lógica surreal que se torna real e reificada. 

Sob a lógica do capital os seres humanos não dirigem, mas são dirigidos.

As justificativas para a aceitação de uma guerra, por parte de quem se posiciona a favor de qualquer dos lados, são inaceitáveis; não há guerra santa. 
O mesmo pecado comete quem quer manter cômoda neutralidade sem denunciá-la, por esperteza, covardia ou ignorância, e que assim, a reforça (voluntariamente ou não).

A citação dos crimes cometidos por um lado não justifica o cometimento de crimes pelo outro lado. 

E a denúncia de todas as guerras não se constitui num posicionamento pacifista ingênuo, pois resulta da compreensão da negatividade daquilo que está subjacente ao conflito bélico, que invariavelmente se reporta a uma base equivocada de relação social.   

A tese da legítima defesa pessoal diante de uma iminente ameaça de morte, que o direito penal corretamente admite como exclusão de imputação criminal, não se aplica à guerra entre coletividades humanas, justamente porque não se tratar de algo individual, mas sim de algo coletivamente evitável. 

Na atualidade a guerra é um ato político do Estado, ente submisso enquanto esfera meramente regulamentadora de uma vontade que lhe é subjacente, anterior e soberana, e que se configura numa lógica do capitalista de relação social introjetada de modo esquizofrênico nas mentes humanas. 

Nenhum povo quer a guerra, mas a ela se submete induzido pelo poder político e econômico, que entoa a cantilena do patriotismo nacionalista ou de blocos que se pretendem hegemônicos, martelando na mente do povo a ideia de necessidade de repelir-se a agressão racial e territorial alheia (que algumas vezes é uma ameaça concreta e noutras não passa de um embuste).

Após a anexação de países menos populosos e militarmente menos potentes, 
Hitler dominou a França em apenas 46 dias. Mas a resistência francesa minava a ocupação e confrontava a prepotência nazista sem jamais esmorecer (segundo Rousseau, os seres humanos possuem "no fundo das almas um princípio inato de justiça e de virtude").

Mesmo que não houvesse o desembarque aliado na Normandia, com o passar do tempo o nazismo terminaria por enfraquecer-se e ser derrubado. Não há mal que dure para sempre.

Todo poder vertical, como têm sido todos os poderes políticos nos últimos séculos (aí incluídos os modelos democratas burgueses, o republicanismo dito iluminista e o marxismo vulgar), é opressor. Se o povo fosse dono de seu destino (o que seria a antítese do poder), jamais iria à guerra, justamente porque a guerra afronta o melhor sentido de preservação da espécie e da realização do ideal moral de justiça. 

De mau exemplo em mau exemplo caminha a humanidade, inconsciente de si mesma. 

Mas espero, que os seres humanos encontrem a chave do quarto escuro no qual estão guardados os segredos da opressão de que são vítimas e, mesmo tateando sobre os obstáculos existentes, terminem acendendo a luz da liberdade e descobrindo onde estão as razões da aceitação de sua própria opressão, para então dela se libertarem definitivamente. (por Dalton Rosado)
Também em música o Dalton expressa seu repúdio à invasão bárbara 

2 comentários:

SF disse...

***
Graças a sua generosa contribuição e persistência fui aos poucos compreendendo a armadilha da mercadoria.
Você escreve parágrafos como este que traz a síntese de elaborados estudos que, decerto, realizou.:
"Na atualidade a guerra é um ato político do Estado, ente submisso enquanto
esfera meramente regulamentadora de uma vontade que lhe é subjacente, anterior
e soberana, e que se configura numa lógica do capitalista de relação social
introjetada de modo esquizofrênico nas mentes humanas".
***
Move-o o humanismo.
Os valores Justiça e Liberdade estão entranhados em seus textos.
Não sei como faria diferente. Ou algo acresceria ao seu discurso.
***
Posso estar errado, mas a vida é um jogo muito perigoso. Sempre acaba em morte (Rosa, José Guimarães).
***
E como é assustadora essa finitude!
Fica o homem angustiado diante da sua possibilidade humana.
O clarão da ideia ser apagado na paroxismo do nada.
***
Todos nós, inclusive o Vlado, tenta evitar essa realidade.
Seja deixando um legado, uma nobre causa ou um malfazejo tão grande que o nome (este rótulo do ego) seja lembrado.
***
Debalde.
Essa clareira de pensamento e sentimento, falsamente identificados com a persona, será fechada e nada restará.
***
Talvez por isso os homens façam guerra.
Talvez seja melhor está consciente da morte iminente do que ficar sentado "com a boca escancarada (...) esperando a morte chegar".
***
Nunca me senti tão vivo, disse Sartre, do que quando era prisioneiro dos nazistas. A qualquer hora eu poderia ter sido morto.
E essa ausência de futuro o permitiu estar no seu ser, na sua conjuntura.
E viver a vida!
Não como um vir-a-ser, mas como um fruir do existir de si para si-mesmo.
Feliz por ser este milagre de consciência na imensidão inconsciente do cosmos.
Feliz por significar o mundo.
***
Diz a filosofia sufi que na porta que se abre para felicidade está escrito "isto também passará".
***

celsolungaretti disse...

Caro SF,

obrigado pelas palavras de incentivos; elas são estimulantes para a continuidade do nosso esforço que depende muito dos nosso leitor de absorção e de sua compreensão e debate sobre as mensagens que veiculamos que sempre esperamos como objetivo final, contribuir para a melhor forma de conseguirmos viver numa sociedade estruturalmente justa.

A questão da dissecação da essência da forma-mercadoria, que está logo no primeiro capítulo do livro I, da obra “O Capital”, de Marx, é algo que aos olhos menos avisados parece ser uma coisa tão natural e simples quanto qualquer matéria da natureza. Mas foi ali que Marx pôde desvendar todo a mistério contido nesta invenção humana (a mercadoria), não natural, que tem servido, nos últimos séculos, como o instrumento da escravização indireta de uns poucos indivíduos sobre os demais, que por meio dela obtêm o valor nela expresso, pela extração de mais-valia, e o acumula para a formação do capital.

Os capitalistas (sejam eles privados ou estatais), entretanto, que se beneficiam deste acúmulo de valor proporcionado pela mercadoria, via extração de mais-valia dos que a produzem, os trabalhadores, não conhecem (e nem querem conhecer) o caráter destrutivo e autodestrutivo nela contido, e teleguiados perlo fetiche que a todos inebria, e caminham pela mão da mercadoria como zumbis cegos diante de uma flauta mágica a segregar os seus semelhantes e assassiná-los em seu nome.

A mercadoria adquire dupla personalidade, uma real, o valo de uso, e outra abstrata, o valor de troca, que são coisas diferentes, mas contraditoriamente complementares, traduzindo-se como uma coisa complexa que se apresenta como algo simples. É surpreendente como os governantes e toda a entourage institucional desconhece (ou finge desconhecer, de modo oportunista) este mecanismo antissocial que se apresenta ardilosamente como um ganho da humanidade, quando na verdade é uma fake news de prosperidade coletiva.

Parabéns por seu esforço de leitura que se pode inferir das citações que você faz de grandes pensadores. Quero lhe dizer que todos nós aprendemos uns com os outros ao ler e escrever.

Um abração, Dalton Rosado

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