O jornal carioca Correio da Manhã foi o primeiro veículo da grande imprensa a posicionar-se firmemente contra a quartelada de 1964.
Reunia uma plêiade de grandes jornalistas de esquerda, como Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, Hermano Alves. Jânio de Freitas, Márcio Moreira Alves, Paulo Francis e Sérgio Augusto.
Muitas das contundentes crônicas políticas que Cony escreveu logo após o golpe foram lançadas em livro (O ato e o fato) ainda naquele ano.
E, assim como Paulo Francis viria a ser o guru d'O Pasquim, quem cumpria tal papel no Correio da Manhã era Otto Maria Carpeaux (1900-1978).
Daí o interesse com que devorei o tributo a ele prestado por André Rosa na Folha de S. Paulo desta 3ª feira (1º de março), com o título de Carpeaux, 80.
André Rosa, para quem não se lembra, foi responsável por um grande momentos deste blog, ao liberar para publicarmos aqui a primeira tradução brasileira, de sua autoria, do monumental poema de Ievguêni Ievtuchenko sobre o massacre de Bábi Yar, um dos crimes mais hediondos da era stalinista (vide aqui).
Quando chegou ao Brasil, em setembro de 1939, após uma longa fuga da fúria nazista, Carpeaux ainda não sabia português.
O seu único contato com a literatura brasileira até então havia se dado no momento da vinda, no navio, por meio de uma tradução francesa da crônica O Velho Senado, de Machado de Assis, emprestada da biblioteca de bordo.
A recepção fraternal ao amigo que deixava para trás uma Europa em ruínas foi, sem dúvida, um fator determinante para o florescimento de uma obra vigorosa e criativa –e seguramente evitou um destino trágico como o de seu compatriota Stefan Zweig.
Com o golpe militar de 1964, Carpeaux resolveu deixar a literatura para se dedicar à luta política. Tornou-se um opositor veemente da ditadura. Passou a escrever textos políticos para jornais como o Folha da Semana, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, e revistas como a Encontros com a Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, à época a mais importante publicação da esquerda.
Os seus prefácios já não figuravam mais entre livros de literatura, mas sim em obras engajadas como Argélia, o Caminho da Independência (Civilização Brasileira, 1966) e O Poder Jovem (Civilização Brasileira, 1966), de Arthur José Poerner.
O Correio dedicou 10 páginas à 6ª feira sangrenta de 68; depois se soube que a ditadura matara 28 pessoas! |
Intitulado A Lição de Canudos, sempre atual, o texto de 1966 parte da resistência dos sertanejos para exaltar a insurreição armada.
O texto, que circulou clandestinamente e sem assinatura, só foi descoberto na década de 1990, entre as coisas de Carpeaux...
Vale notar que, antes do Brasil, o caminho de Carpeaux já havia sido longo. Na Áustria, gozou da confiança de chefes de Estado e dirigiu algumas das mais importantes publicações católicas da Europa. Conheceu pessoalmente Franz Kafka e foi aluno de Benedetto Croce.
Só conseguiu chegar ao Brasil, acompanhado de sua esposa Hélene Silberherz, por conta de uma intervenção do papa Pio 12 junto a Getúlio Vargas.
(André Rosa é jornalista, tradutor e mestrando
em literatura comparada pelo PPGCL‐UFRJ/Capes)
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