O SENTIMENTO DAS MASSAS
Relutei em colocar as massas no título deste artigo, porque considero pejorativa tal designação; dá a impressão de um bando de pessoas indiferenciadas e, como diz Caetano Veloso, gente é pra brilhar.
Mas o termo cabe quando se trata de uma análise do comportamento político de uma coletividade manipulada por palavras, imagens, favores e interesses imediatos, cujos sentimentos e formação de juízo de valor estão diretamente vinculados às condições de vida (moradia e comida, principalmente).
Quando analisamos o porquê de um povo culto como o alemão embarcar na tragédia da 2ª Guerra Mundial, engolindo as lorotas nacionalistas do 3º Reich nazista, compreendemos melhor a expressão raciocinar pela barriga.
O que levou 39% dos eleitores brasileiros a votarem em 2018 num demente que prometia torturas e carnificinas, afirmando que a ditadura deveria militar ter matado 30 mil subversivos (ele superou a meta, de vez que se podem colocar na sua conta, no mínimo, uns 200 mil mortos pela covid-19 que tinham grande chance de salvarem-se caso inexistissem sua sabotagem na compra de vacinas e sua insistência em tratamentos precoces ineficazes)?
A culpa foi, evidentemente, da lavagem cerebral midiática que insuflou esperanças num povo miserabilizado e ansioso por uma redenção que lhe caísse dos céus.
Tamanha era a carência por um salvador da pátria que pessoas geralmente sensatas nada viram de errado em votar num candidato:
— cuja simbologia de governo eram as arminhas da morte, embora, da boca pra fora, falasse em Deus acima de tudo;
— que fez apologia de ignóbeis torturadores, como se fossem heróis do povo brasileiro;
— que condecorou notórios milicianos e encorajou seus zumbificados seguidores a apoiarem assassinatos como o da vereadora Marielle Franco;
— que havia sido expurgado do Exército por ter planejado explodir a represa de água do rio Guandu no RJ, atentado que, caso fosse consumado, mataria milhares de pessoas;
— que se elegeu sempre com base em defesa de interesses corporativos militares (setoriais, portanto), sem considerar o país como um todo e sem jamais apresentar qualquer proposição construtiva;
— cuja desqualificação intelectual e moral amiúde foi escancarada por suas palavras e atos misóginos, homofóbicos, racistas, etc., reunindo em si a vasta gama de preconceitos e mazelas que formatam um pensamento conservador, excludente e segregacionista;
— que nunca havia administrado sequer uma lojinha de sucos como a da Wal do Açaí (funcionária fantasma do seu gabinete na Câmara Federal, paga pelo erário para, na verdade, cuidar de sua casa de praia em Angra dos Reis);
— que, para grudar no seu currículo eminentemente fisiológico a lorota de que seria avesso à corrupção, prometeu uma vaga no STF ao seu ambicioso ministro da Justiça para depois traí-lo, que é como agem todos os oportunistas ávidos de poder.
A ascensão de Adolf Hitler foi praticamente o mesmo fenômeno, só que numa escala bem maior.
A miséria de um povo culto mas ultrajado pelas condições draconianas que lhe foram impostas após a derrota na 1ª Guerra Mundial levou os alemães a fazerem de um inexpressivo cabo do Exército e frustrado artista plástico o condutor de seus destinos, com resultados tão catastróficos como está sendo a destruição do Brasil levada a cabo por Bolsonaro e seus cúmplices.
Como se conceber e explicar-se o apoio a alguém que terminou por causar a morte cerca de 50 milhões de pessoas mundo afora (incluindo 7 milhões de seu próprio país e o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa) e por cometer todos os tipos de injustiças em nome de preceitos absurdamente aceitos como válidos, tais como:
— necessidade de espaço vital;
— pureza étnica ariana;
— germanização da Europa;
— pretensa superioridade do trabalhador alemão em termos de capacidade produtiva (mas recorrendo ao trabalho escravo dos outros durante a guerra);
— rigor e disciplina;
— ressarcimento dos prejuízos causados pela 1ª Guerra Mundial, etc.?
A miséria social, aliada a uma promessa fajuta de salvação da pátria a partir do combate à corrupção com o dinheiro público, num quadro de depressão econômica cuja causa foi atribuída falaciosamente à dita corrupção, obnubilou a consciência de grande parte das massas, colocando-as à mercê de um fraudulento Messias redivivo (ainda mais depois de ele ter sobrevivido a um atentado que teve mais furos do que uma peneira).
— ela, por si só, não é revolucionária, mas, bem ao contrário, costuma ser o ingrediente apropriado para a acentuação da submissão dos miserabilizados pelo capital àqueles que os exploram;
— nos países mais desenvolvidos em termos econômicos, ou que minimamente o sejam, quando a miséria bate na porta da população os governos se desestabilizam, perdendo apoio popular e força (é quando a miséria joga contra o despotismo).
O Brasil, por mais pobre que seja, ainda está na frente de muitos outros países mundo afora, e a nossa depressão econômica é fator de alternância política do poder sem que a essência dos problemas seja superada. (por Dalton Rosado – continua neste post)
Letra e música do Dalton, voz do Edmar Gonçalves e um
personagem inesquecível: o comandante Che Guevara.
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