dalton rosado
A ESCOLHA DE SOFIA BRASILEIRA
Quando os camisas pardas nazistas incendiaram o Reichstag em 1933 e o atentado foi falsamente atribuído aos comunistas como forma de justificar a imposição de um controle total sobre dito parlamento e outras ações de repressão política, Adolf Hitler passou a contar com amplo apoio da população alemã que, após passar por extrema penúria no pós-derrota da 1ª Guerra Mundial e ver melhorar suas condições sociais na década de 1930, estava raciocinando com a barriga.
O fome e a miséria sempre foram más conselheiras e alvo fácil de lobos salvacionistas que nem sequer precisam esconder as suas peles de cordeiros.
Foi assim que Boçalnaro, o ignaro, com seu discurso misógino, militarista, nacionalista (mas acenando ao capital via liberalismo do Paulo Guedes), terrorista e antipolítico (posando de outsider depois de parasitar os legislativos municipal e federal ao longo de três décadas), conseguiu galvanizar para si o apoio de uma população que havia manifestado toda a sua indignação em junho de 2013 e fora abandonada pela esquerda institucional.
As eleições de 2018 se constituíram na resposta eleitoral dos desesperados que, embandeirados de verde e amarelo, agiram tal qual um náufrago que agarra uma barbatana de tubarão como se fosse uma tábua de salvação.
Aqui cai bem como metáfora A escolha de Sofia, famoso romance de William Styron que se tornou filme roteirizado e dirigido por Alan J. Pakula, pois a população brasileira está diante de uma difícil escolha, sendo aparentemente tangida a escolher o ruim por medo do péssimo, perplexa que está com o desastre de um governo que:
— é responsável pela morte de pelo menos 250 mil pessoas com seu negacionismo obtuso e continua até hoje repetindo a mesma cantoria, como um velho disco arranhado;
— promoveu uma fracassada tentativa de autogolpe ditatorial;
— adota políticas de absurdos retrocessos civilizatórios (como agressão ao meio ambiente, descaso com as populações indígenas, patrulhamento educacional, negação do histórico escravismo racial, diplomacia beligerante, etc., etc., etc.);
— amarga o fracasso na economia, com inflação de dois dígitos, alta do dólar, desemprego e falências empresariais, queda do PIB (que não chega sequer ao patamar do de Michel Temer), aumento da dívida pública para 84% do PIB;
— causou o aumento do desemprego populacional e da informalidade de sobrevivência, e por aí vai,
Tudo está a indicar que Boçalnaro já pertence ao lixo da história como o pior presidente da período republicano, o único a ser considerado como genocida, apesar de seus adeptos recalcitrantes e incrivelmente crédulos insistirem em manter na sala, insepulto, o cadáver putrefato a exalar fedor e teimosia febril.
Mas, face ao seu abandono por parcela expressiva dos donos do verdadeiro poder, o capital, já se assanham os pretensos herdeiros do torno. É a tal da terceira via, que pretende tornar-se alternativa à segunda via já colocada, o lulopetismo, sem se aperceberem que todas estas vias vão dar num mesmo destino comum inevitável: o desgaste político diante de uma modo de relação social (dinheiro e mercadorias), que está a necrosar em ritmo acelerado.
O povo se vê diante de alternativas políticas que são apenas mais do mesmo que antes já não servia, mas que agora se apresentam como menos ruim, tolerável e aceitável. É aí que mora o perigo...
Até quando vamos viver sob este pêndulo entre a ultradireita com seu falso moralismo e ações elitistas e a cantilena de outros vários tipos de projetos políticos que nada mais são do que profetas de um capitalismo pretensamente bonzinho?
Fico a pensar como será o próximo governo, tendo de negociar, como se isto fosse sinônimo de competência e habilidade, com os chantagistas insaciáveis do centrão, que não se nega a pagar os pesados juros de uma dívida pública de país da periferia do capital (a qual já se aproxima do total do PIB), sob pena de uma retaliação econômica internacional que faria tudo piorar:
— como equilibrar o déficit previdenciário crescente, senão negando direitos adquiridos (e rasgando a Constituição que juram respeitar...) aos aposentados envelhecidos e inválidos, como vêm fazendo ou tentando fazer todos os governos desde 2003?
— como equilibrar as contas públicas dentro do teto de gastos e da responsabilidade fiscal, mesmo considerando as crescentes, legais e constitucionalmente definidas contas públicas da máquina administrativa, diante de uma depressão econômica que reduz a arrecadação fiscal, senão martirizando a população exaurida?
— como promover o desenvolvimento econômico (todos se apegam a tal pressuposto como se fosse uma solução única) num mundo que vive a depressão econômica sem volta, graças aos próprios fundamentos capitalistas que se quer ativar?
— como viabilizar a sustentação ecológica em meio a um processo de tentativa de retomada do desenvolvimento econômico sob bases capitalistas, o qual, por força do regime concorrencial de mercado, não permite que se tenha juízo no campo da preservação do meio ambiente, e que somente vê na produção de mercadorias a solução de todas as mazelas sociais e econômicas?
— como evitar-se o ecocídio do incêndio da natureza, se prevalece uma lógica de mediação social ecocida (com gasolina é impossível apagar incêndios!)?
Parece-nos que estamos todos defronte um espelho sem aceitarmos encarar a própria face espelhada nas nossas mazelas, contra as quais não nos rebelamos por oportunismo, ignorância, comodismo ou mera covardia
Neste caso é melhor quebrar o espelho, ou consertarmos as nossas mazelas assumindo novos critérios de relação social e abandonando aquilo que está comprovadamente esclerosado? A segunda opção exige consciência e coragem!
Outro dia li um antigo artigo do saudoso José Saramago sobre as falácias de democracia burguesa, e pude ver que a cegueira coletiva ao insistir em algo comprovadamente ineficaz por medo de uma ditadura ainda mais ineficaz, pode ser ainda superada.
Saramago contribui para esta retirada das vendas dos olhos, e é graças a isto que, tal qual um Dom Quixote contra moinhos de ventos, rebelamo-nos ele, eu e tantos outros, contra uma unanimidade burra.
Tenho oito netos. Cinco meninos e três meninas. O mais velho tem sete anos e meio, e os quatro últimos acabaram de completar um ano. Quando tiverem 71 anos como o avô que escreve estas mal traçadas linhas, espero que eles venham a considerar que esta minha pregação, feita desde há muito, não tenha sido em vão.
E espero que isto se dê bem depressa... (por Dalton Rosado)
Eis mais um fruto da prolífica parceria entre o autor
Dalton Rosado e o intérprete Gomes Brasil
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