quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A ÉPOCA DE OURO DA MPB/3 (1967)

sucesso de O Fino fez brotarem os concorrentes, paradoxalmente quase todos também da TV Record;  a exceção ficou por conta de Ensaio Geral, da TV Excelsior, com Gil, Bethânia, Marília Medalha e outros, que durou uns quatro meses, no início de 1967.

A emissora do Aeroporto, mais ambiciosa, diversificou sua linha de produtos a ponto de, praticamente, apresentar um show a cada dia da semana: 
  • Bossaudade, que reunia a  velha guarda, sob o comando da Elizeth Cardoso;
  • Elza Soares e Germano Mathias (samba do morro e do asfalto);
  • Pra ver a banda passar, com Chico Buarque e Nara Leão;
  • Show em Si-monal (com os expoentes da chamada  pilantragem; e
  • Disparada, com Geraldo Vandré.
O ponteio era da viola, mas também de metralhadora... 
O resultado foi o enfraquecimento d'
O Fino, privado de várias atrações, sem que os outros programas decolassem.

Na última fase, O Fino ainda tentou sobreviver numa linha mais descontraída, com Juca Chaves, humoristas, conjuntos regionais e outras fórmulas desencontradas que os novos produtores, Miéle e Bôscoli, testaram. A audiência continuou despencando.

De certa forma, era o fim da fase ecumênica da MPB. Os artistas de classe média, em conjunto, ocuparam o espaço que se lhes ofereceu no mercado e expandiram-no ao máximo. Os objetivos comuns terminaram aí.

Seguir-se-ia uma diversificação de propostas e interesses, inicialmente polarizada no confronto entre engajados  e tropicalistas, depois explodindo em dezenas de grupelhos com identidades precárias.

Enquanto os teóricos (como Gil) alinhavavam explicações confusas, colocando a culpa no colonialismo cultural, falta de novas músicas, má divulgação, exclusivismo dos cantores (que faziam questão de ser os únicos a gravar cada canção) e crise de intérpretes, a intempestiva Elis Regina encontrou logo seu bode expiatório para as desgraças d'O Fino: a Jovem Guarda.
"Domingo no Parque": canção comum + guitarras

Então, no 
Show do Dia 7 do mês de junho, deitou falação contra o programa de RC.

Na sequência (e como provável consequência), a direção da Record resolveu extinguir O Fino, alegando "dados do Ibope que acusaram queda de audiência", como explicou na nota distribuída à imprensa.

O último programa, gravado no dia 19, foi ao ar em 21 de junho (25 meses após a estréia). Os convidados foram Vandré, Gil, Jair Rodrigues, Trio Maraiá, Quarteto Novo e Maria Odette.

O Teatro Paramount (recém-alugado pela Record) ficou lotado e uma multidão permaneceu na calçada da av. Brigadeiro Luiz Antônio, sem conseguir entrar.

Colheram-se assinaturas em protesto contra sua extinção.

Elis Regina encerrou com um comovente "sem ter vocês, sem ver vocês, eu não sou ninguém".

Durante dois meses, a Record ainda levou ao ar um programa na mesma linha, só que comandado a cada semana por apresentadores diferentes.
Chico Buarque logo entraria mesmo numa roda-viva...
Revezavam-se nessa função Elis Regina/Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Chico Buarque/Nara Leão e Gilberto Gil.

Havia quatro equipes de produção, para darem conta de quatro propostas distintas, respectivamente calcadas nos finados O Fino, Disparada, Pra ver a banda passar e Ensaio Geral.

Inicialmente intitulado Noite da Música Popular Brasileira, passou depois a chamar-se Frente Única da Música Popular Brasileira.

Trocou de dia (da 2ª para a 3ª feira) e de horário (das 20h para as 21h30), sem que nada alterasse a tendência decrescente na pontuação do Ibope.

Enfim, após um desentendimento público entre Paulinho Machado de Carvalho e Vandré (que acusava a Record de não investir suficientemente na MPB e de censurar seu programa), a Frente Única se desfez discretamente em setembro..
Caminhando contra o vento, sob muitas vaias – O 3º Festival da Música Popular Brasileira se iniciou em setembro de 1967, quando ninguém adivinhava que nos recônditos daquela pasmaceira que prevalecia nas ruas e só era sacudida pelas manifestações artísticas estava sendo incubado o grande ano da contestação no Brasil (e no mundo). 

Documentário com todas as finalistas do Festival da Record de 67...

Era a calmaria que antecede as tempestades.

O certame da Record foi marcado por um dos episódios mais deprimentes de toda a história dos festivais: o público pespegou monumental vaia numa composição que abordava com muita propriedade o fenômeno futebol.

Sérgio Ricardo, compositor idealista e talentoso, autor de clássicos como "Zelão" e "Esse mundo é meu", além de haver dado magnífica contribuição musical para duas obras-primas de Glauber Rocha (Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe), cansou de tentar interpretar sua "Beto bom de bola". Que não era nem de longe alienada, tratando-se, isto sim, de uma veemente denúncia da engrenagem esportiva que tritura ingênuos como Mané Garrincha.

Afinal, o artista explodiu: "Vocês são uns animais!". E, arrebentando seu violão, atirou-o contra os espectadores. [A manchete jocosa de um jornal sensacionalista foi "Violada no palco"...]

...menos uma, a do Vandré, cujo sumiço foi pra lá de suspeito!
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O festival da Record de 1967 trouxe à tona, ainda, uma aguda cisão no front da música popular:
  • de um lado os defensores dos ritmos genuinamente brasileiros e das canções engajadas às lutas sociais; e
  • do outro, os adeptos do  som universal, da liberdade temática e das experiências formais.
Em teoria, a posição dos tropicalistas era inatacável: as raízes culturais só se mantêm vivas e puras em comunidades fechadas, não no Brasil de 1967, com sua economia integrada ao bloco ocidental e as informações chegando de todos os lados.

Na prática, entretanto, a contestação ao autoritarismo das lideranças políticas foi, para muitos, um pretexto conveniente para delas se afastarem, servindo-lhes, portanto, como justificativa de sua omissão num período crítico da vida brasileira.
Músicos protestando contra as guitarras elétricas alheias

A derrota, sabemos hoje, custou-nos anos e anos de trevas absolutas. Mas, seria um exagero imputá-la apenas aos jovens que se desgarraram do rebanho ao verem o lobo se aproximando...


O próprio tropicalismo foi, por sinal, contraditório, ora pregando a revolta jovem ("É proibido proibir") e fazendo a apologia da guerrilha ("Soy loco por ti, América", "Questão de Ordem"), ora se embasbacando com as vitrines e outros signos da sociedade de consumo.

Em tempos normais, seria uma mistura de Semana de 1922 com psicodelismo à Beatles.

Em meio ao transe brasileiro, assumiu posturas às vezes mais radicais que  a daqueles (os puros) que faziam passeatas contra as guitarras elétricas.

E, no final, acabaram todos vítimas dos mesmos algozes, frequentando as mesmas prisões e amargando o mesmo exílio.
Caetano Veloso apresentou a canção mais inovadora
A canção-manifesto do tropicalismo foi "Alegria, alegria", de Caetano, que ele interpretou acompanhado pelos Beat Boys, conjunto de iê-iê-iê cujos integrantes ostentavam enormes e desgrenhadas cabeleiras.

[Um deles era o guitarrista e cantor Tony Osanah, que parecia não saber exatamente em qual América se encontravam suas raíces, daí seguir pulando de galho em galho...]

Flagra o estado de perplexidade resultante do bombardeio de informações, contrapondo-lhe o descompromisso de caminhar "contra o vento, sem lenço, sem documento". Ficou em 4º lugar.

"Domingo no Parque" é uma música descritiva, que nos sugere imagens cinematográficas e nada mais. Gil, aliás, já fizera coisa semelhante em "Água de Meninos". O que ela teve de tropicalista foram as guitarras elétricas dos Mutantes.

Numa total inversão de valores, o júri atribuiu-lhe a 2ª colocação, à frente da incomparavelmente superior "Alegria, alegria".

A vitória coube a "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam, um dos temas da trilha musical do filme A Vida Provisória, de Maurício Gomes Leite.
"Água de Meninos": quase um rascunho da "Domingo no Parque".
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Metafórica (a viola a cujo ponteio os versos aludem é a metralhadora guerrilheira), correta, com ótimo arranjo e as presenças simpáticas de Edu Lobo e Marília Medalha, foi a solução encontrada para não se premiar a sensação tropicalista; em termos criativos, contudo, não avançou um milímetro em relação ao que já se fazia.

Em 3º lugar, Chico Buarque com "Roda Viva", composta para a peça homônima (aquela cuja encenação foi vandalizada por uma horda do CCC) e defendida pelo autor com o MPB-4.

No 5º, a xaroposa "Maria, carnaval e cinzas", de Luís Carlos Paraná, por Roberto Carlos e O Grupo.

Como melhor letra, prêmio merecidíssimo para "A Estrada e o Violeiro", do precocemente falecido Sidney Muller (mesmo destino, aliás, da Nara Leão, que a interpretou em dupla com ele).

Finalmente, é muito estranho que este seja o festival do qual se conservaram mais e melhores gravações, com a única exceção de "Ventania", de Geraldo Vandré, cujo sumiço pode ter sido imposição dos militares, mas também uma mera pirraça dos mandachuvas da TV Record (vide aqui).
A fútil "Margarida". Melhor do que "Travessia"? Jamais!

O ano teve ainda o 2º Festival Internacional da Canção, em outubro. 

Era um certame que teimava em não esquentar. Mas, quando isto finalmente ocorreu, o calor gerado seria suficiente para incandescer toda uma cidade – que era maravilhosa, mas estava raivosa com os excessos bestiais da ditadura – e devorar em suas chamas um dos maiores talentos da música brasileira em todos os tempos (esta história contaremos depois).

Em 1967, valeu apenas pela revelação de Milton Nascimento, que classificou e defendeu "Travessia" (dele e Fernando Brant, 2ª colocada), "Morro velho" (7ª) e "Maria, minha fé",

A vencedora foi a pueril "Margarida", de Gutemberg Guarabyra, por ele e o Grupo Manifesto.

Em 3º, a xaroposa "Carolina", de Chico Buarque, por Cynara e Cybele.
O 2º FIC injustiçou esta obra-prima de Milton Nascimento

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