terça-feira, 26 de outubro de 2021

DOCUMENTOS COMPROVANDO A EXECUÇÃO DE CARLOS LAMARCA FICARAM OCULTOS NA POLÍCIA FEDERAL DURANTE 25 ANOS

Esta foto foi muito divulgada quando da morte de Lamarca. Mas fazia parte de uma farsa...
N
um longo artigo publicado nesta 3
ª feira, 26, no site do Estadão (acesse-o aqui), o repórter especial Marcelo Godoy escreve que o caso da indenização concedida pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos à família do comandante Carlos Lamarca contém lições importantes sobre como será necessário agir, depois de findo o pesadelo bolsonarista, para o restabelecimento de uma relação equilibrada entre os Poderes civil e militar.

Minha avaliação é que, para os leitores deste blog, o final do artigo de Godoy tem grande interesse, daí estar reproduzindo-o ipsis litteris abaixo (CL): 
.
"...ao falar de sua experiência como ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim mostrou um caminho para a convivência e a construção de consenso entre civis e militares, mesmo nos temas em que visões distintas sobre a história e a política predominam.

Um deles foi a criação, em 1995, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos PolíticosEra o desdobramento do acordo político que incluiu a Lei de Anistia na Constituição de 1988. Os torturadores não seriam punidos, mas o Estado reconheceria a responsabilidade pelos atos de seus agentes. 
...conforme ficou provado em 2012, ao vir a público esta foto com os ferimentos em destaque.
Jobim consultou a cúpula militar. Ficou acordado que, no caso de o desaparecido ou de o militante de organização de esquerda ter sido morto depois de preso, o Estado indenizaria a família da vítima.

Tudo ia bem até junho de 1996, quando Vicente Chelotti, diretor-geral da Polícia Federal, procurou o ministro com uma pilha de documentos. Eram laudos e relatórios mantidos por 25 anos em um cofre da superintendência do órgão, em Salvador, sobre o caso do ex-capitão Carlos Lamarca. 

Morto em uma ação do Exército em Brotas de Macaúbas, na Bahia, Lamarca era, para os integrantes do regime militar, o símbolo da traição. Ao se unir à Vanguarda Popular Revolucionária e, depois, ao MR-8, tornara-se um herói para a guerrilha. 

As feridas da luta armada no Brasil eram ainda recentes. Jobim apanhou a papelada e leu. Viu que os documentos mostravam que Lamarca fora morto quando estava sob custódia dos militares que o haviam localizado. Pôs tudo debaixo do braço e procurou o presidente Fernando Henrique. 
Memorial dos Mártires, no local exato onde
Lamarca e Zequinha foram executados

Disse que ia enviar os papéis à comissão, que ela decidisse o que fazer com o caso. Antes, porém, procurou o ministro do Exército, general Zenildo de Lucena, e o chefe da Casa Militar, general Alberto Cardoso. 

Zenildo folheou os papéis e concluiu: 'A Nação precisa 
tomar conhecimento desses documentos'. 

A lição do general Zenildo cobre de vergonha os guerreiros ideológicos do presente, os que buscam falsificar a história, divulgando informações falsas para manter arcana imperii [segredo de Estado] um passado violento, de quem renunciava à construção do consenso e, em razão do medo hobbesiano, queria substituir o diálogo e usurpar a soberania popular em nome do governo de poucos. O general pediu a Jobim uma semana para avisar seu pessoal. 

O próximo passo de Jobim foi chamar ao seu gabinete os advogados Sigmaringa Seixas e Luiz Eduardo Greenhalgh. Contou o que havia encontrado e a decisão de mandar o material à comissão. Mas queria que o fato não fosse utilizado para emparedar os militares. 

Seixas e Greenhalgh também pediram uma semana para informar seus colegas. Quando os documentos foram encaminhados á comissão, o processo sobre o ex-capitão andou. Acabaria aprovado em 11 de setembro de 1996 por 5 votos a 2.  

Na época, Jobim encerrou a polêmica, dizendo: 'Não cabe à comissão dizer se Lamarca era herói ou bandido, mas sim dizer se havia condições de preservar sua vida depois da prisão, que é responsabilidade do Estado'. 

Pode-se discutir o tamanho da indenização, seu alcance, as provas de cada caso. Mas não se pode negar o óbvio. Hoje, até isso é negado na Esplanada pelos militares do governo. Um exemplo são os votos do general Rocha Paiva, na
Comissão de Anistia.

Ao analisar o pedido de anistia da professora Cláudia de Arruda Campos, ex-militante da Ação Popular, que foi presa, perdeu estudo e trabalho durante o regime, o general se exaltou: 'O que aconteceu com ela não foi perseguição política, é porque ela era uma militante de organização terrorista! Se ela diz que era da AP tem de assumir a responsabilidade pelo que disse'. 

Rocha Paiva age como juiz auditor. Quer definir quem é herói e quem é bandido. Devia se limitar a cumprir a lei, fruto de acordo político, o mesmo que manteve fora das grades seu amigo Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Jobim mostra o caminho para reconstruir consensos destruídos por Bolsonaro. O ex-ministro conclui: 'A relação com o militar é fácil desde que seja transparente. Não se pode esconder o jogo'".
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