rui martins
BOLSONARO: NÃO HÁ LIMITE PARA MENTIRAS?
A cada semana surgem novas mentiras, ou ressurgem as velhas com roupagem nova. Isso há quase três anos. Quantas centenas (milhares?) de artigos já foram escritos, repercutindo publicações em jornais, revistas, on line, registrando as distorções espalhadas pelas fake news sobre diversos temas.
Desta vez, a mentira cabeluda atravessou fronteiras, ganhou espaço na imprensa internacional e ridicularizou não só o presidente Bolsonaro, nosso Pinóquio de plantão, como o próprio Brasil.
Não teria chegado a hora de se pôr um fim à repetição de shows e ridículos espetáculos que envergonham a maioria dos brasileiros? Não haverá limite para tal sequência deprimente, tantas vezes grotesca e insultuosa, como se a classe política desconhecesse o desgaste, os malefícios a que se expõe o país?
Essa absurda história de vacina poder provocar aids não poderia ser a gota d’água para se baixar a cortina e mandar o show-man para os bastidores?
Com minha experiência de correspondente, não posso imaginar nenhum país democrático do mundo tolerando um presidente tão mal-informado, afrontando cientistas, organizações internacionais de saúde, médicos, sanitaristas, para impor uma visão inspirada em charlatães, curandeiros, conspiradores, negacionistas e todo um rebotalho de extremistas.
Não se trata de uma questão de política de esquerda ou de direita, de privatização ou socialização, mas de um mínimo de bom senso.
A manutenção de Bolsonaro no poder vem se tornando prejudicial, onerosa e danosa para o país. Mesmo os setores que lhe eram os mais fiéis chegaram a esta conclusão; assim, p. ex., depois de terem investido o máximo na agropecuária, seus empresários se defrontam agora com embargos provocados pela repercussão mundial das frases tolas e nada diplomáticas.
A recusa de importação da carne, o encarecimento dos transportes e a desvalorização do real não estavam no programa dos desmatadores.
Hoje, Bolsonaro se cristalizou como símbolo mundial da irresponsabilidade em termos de ecologia. Às vésperas de um encontro mundial, no qual todos os países vão procurar discutir medidas capazes de reverter o aquecimento do planeta, o governo brasileiro irá a Glasgow, na Escócia,, sem um plano ou projeto contra a mudança climática, ao mesmo tempo em que continua o desmatamento da Amazônia, considerada o pulmão do planeta.
Mas a posição brasileira, como deixavam transparecer os ex-ministros Ernesto Araújo (Exterior) e Ricardo Salle (Meio Ambiente), não provinha de uma avaliação científica; era ditada apenas pelo interesse em aumentar os ganhos dos setores agrário e pecuário.
Agora que Donald Trump não se reelegeu. nos Estados Unidos, é Bolsonaro quem passou a simbolizar o movimento de resistência à vacinação e quem tipifica a pior gestão da crise sanitária, responsável pelo atraso na aplicação de vacinas no Brasil. Novamente, não se trata de uma posição científica, fruto de estudos de especialistas e cientistas brasileiros, porém de uma convicção pessoal do presidente, influenciada pelos grupos negacionistas trumpistas estadunidenses.
A decisão das principais plataformas mundiais de redes sociais Facebook, Youtube e Instagram de bloquearem o vídeo divulgado pelas numerosas redes bolsonaristas, nas quais Bolsonaro se servia do texto de um site inglês propagador de fake news, não deixa de ser um bocado vexatória para as autoridades políticas e judiciárias brasileiras, que têm tolerado a repetição esse tipo de alarmismo mentiroso por parte do Bolsonaro e seus seguidores.
Mostrando ter sido ultrapassado o limite tolerável do show de mentiras, o próprio presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, que tem segurado na gaveta mais de cem pedidos de impeachment do presidente, saiu pela primeira vez da neutralidade habitual, ao admitir que Bolsonaro terá de pagar por sua declaração, se não tiver base científica.
Renan Calheiros, por sua vez, informou haver ainda tempo para incluir essa nova sandice de Bolsonaro no relatório final da CPI do Senado.
Mentira tem perna curta, mas uma mentira puxa outra: consciente de ter ultrapassado o limite do tolerável, Bolsonaro tentou jogar a culpa sobre a revista Exame,
Mas, na matéria alegada da Exame, publicada em outubro de 2020, a própria revista ressalvou: "Até agora, não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus [da aids]".
A matéria da Exame, citando o jornal científico The Lancet, referia-se a uma mera possibilidade teórica que ainda dependia de confirmação na prática, não dando, portanto, margem à exploração mentirosa feita por Bolsonaro um ano depois, quando já se sabe que era apenas excesso de zelo e nada daquilo aconteceu.
Na verdade, Bolsonaro deve ter recebido do seu gabinete paralelo a mentirosa informação, já traduzida do inglês – no vídeo ele aparece lendo uma página impressa.
A agência Aos Fatos, num minucioso, mas saboroso, levantamento, fez um balanço das mentiras trombeteadas por Bolsonaro (quem se esqueceu daquela mentira de que vacina faz virar jacaré?):
"Em 1.028 dias como presidente, Bolsonaro deu 4.153 declarações falsas ou distorcidas. Esta base agrega todas as declarações de Bolsonaro feitas a partir do dia de sua posse como presidente. As checagens são feitas pela equipe do Aos Fatos semanalmente".
Enfim, a Jovem Pan, ardorosa defensora de Bolsonaro, pelo jeito também não quis encampar a fake vacina causa aids.
No Morning Show, a manchete era “Bolsonaro dá munição para a esquerda bater nele”, enquanto só o bolsonarista convicto Adriles Jorge desculpava o presidente por não saber bem expressar-se, mas foi totalmente contra a supressão dos vídeos nas plataformas, em nome de uma discutível e estranha liberdade de expressão, segundo a qual se poderia falar tudo, até mentira, já que – segundo ele – não existe monopólio da verdade.
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