demétrio magnoli
SEGREDO DE CUBA ESTÁ NO SISTEMA TOTALITÁRIO
No Brasil, o regime militar perdurou por 21 anos; no Chile, a tirania de Pinochet prolongou-se por 17; na Argentina, a ditadura militar durou quase oito anos. Qual é o segredo da longevidade do castrismo?
A vontade do povo? O cínico argumento, repetido como mantra pelo PT e pelo PSOL, pode ser rebatido pela prosaica constatação de que ao povo cubano não se dá o direito de opinar em eleições livres.
Mas, sobretudo, ele descerra uma pungente duplicidade moral, pois a lógica exigiria estendê-lo ao Brasil e concluir que a ditadura militar –com seu cortejo de repressão e tortura– teria representado a vontade do povo entre 1964 e 1985.
O regime cubano beneficiou-se de vantagens circunstanciais. Na guerra fria, Cuba foi largamente financiada pela URSS. Em contraste, a ditadura argentina perdeu seu reduzido lastro externo na Guerra das Malvinas (1982) e os regimes ditatoriais no Brasil e no Chile enfrentaram pressões pela abertura desde a posse de Jimmy Carter nos EUA, em 1977.
Paradoxalmente, o castrismo extrai força da hostilidade dos EUA. A concessão quase automática de abrigo aos exilados cubanos propiciou o êxodo de quase um décimo da população da ilha, o que reduziu as taxas de crescimento demográfico e, principalmente, deslocou para o estrangeiro uma ampla base social de oposição ao regime.
Já o embargo econômico ofereceu à ditadura dos Castro um valioso álibi político, utilizado tanto para justificar as carências internas quanto para marcar a testa de dissidentes com o rótulo de traidores da pátria.
Falando como boneco de ventríloquo de Díaz-Canel, Lula acusou o embargo (bloqueio, na linguagem dele e dos Castro) pela pobreza e pela crise sanitária na ilha. Mas o embargo exclui alimentos ou remédios e o governo cubano escolheu não solicitar vacinas à Covax. De mais a mais, a China, principal parceira de Cuba, não se curva às restrições comerciais impostas pelos EUA.
Mas o segredo está noutro lugar: o sistema totalitário. A URSS sobreviveu por mais de 70 anos, um horizonte inviável para regimes meramente autoritários. Ditaduras comuns reprimem a sociedade civil a partir de fora, utilizando basicamente engrenagens estatais. Ditaduras totalitárias operam a repressão essencialmente a partir de dentro, por meio do Partido-Estado.
O Partido Comunista cubano tem 700 mil filiados, numa população de 11 milhões. Os revolucionários não são atraídos por elevados ideais socialistas mas por benesses materiais que se estendem de empregos no setor público à garantia de vagas nas universidades. O Partido-Estado forma uma rede de clientela política inimaginável em outros sistemas de poder.
Em Cuba, a vida social e cultural desenrola-se à sombra do Partido-Estado, que controla os sindicatos, as associações de bairro, as entidades profissionais e artísticas. Sem a chancela do Partido, ninguém recebe autorização para abrir um negócio, viajar ao exterior, publicar um livro ou produzir um espetáculo.
Participar de uma manifestação oficial confere pontos no ranking oculto de distribuição de benefícios. Participar de uma manifestação de protesto acarreta, além de eventual detenção, ostracismo social prolongado.
O Partido-Estado não é um aparato distante, mas um vizinho bisbilhoteiro. Os Comitês de Defesa da Revolução, que organizam os militantes por bairro, formam os olhos e ouvidos da revolução, na apropriada definição de Fidel Castro.
O participante de um protesto não permanecerá anônimo: será identificado, perderá o emprego e, com seus familiares, sofrerá assédios e experimentará o cancelamento de direitos. O totalitarismo é a ditadura perfeita.aqui
Cuba desistiu do socialismo, como sistema econômico. Restou o sistema de poder totalitário. É isso que Lula defendeu. (por Demétrio Magnoli)
TOQUE DO EDITOR – É sempre difícil fazer com que pessoas sinceras nas suas convicções, mas que as formaram sob a influência avassaladora de rolos compressores ideológicos, se convençam de que as opiniões discordantes da linha por elas tida como justa não são, necessariamente, coniventes com o inimigo. Mas, nosso dever de revolucionário, meu e do Dalton (vide aqui), é tentarmos.
O monolitismo, vale dizer, tem mais a ver com a infalibilidade que as religiões atribuem a seus deuses e profetas do que com a crítica e autocrítica que devem manter arejado e em permanente evolução o pensamento de esquerda. O marxismo e o anarquismo, desde o início, empenharam-se em construir um mundo com liberdade plena, no qual a administração dos homens (governos) fosse substituída pela administração das coisas, tendo o bem comum como prioridade suprema.
Marx, p. ex., atribuía ao proletariado a tarefa de emancipar a humanidade como um todo por ser a classe "que organiza melhor todas as condições da existência humana sob o pressuposta da liberdade social".
A exploração do homem pelo homem deixou mesmo de existir em Cuba? Lá é praticado o igualitarismo? |
— pregou o "o desenvolvimento livre das individualidades", numa sociedade de indivíduos associados e não antagonicamente opostos;
— anteviu a emancipação dos indivíduos enquanto indivíduos, "o desenvolvimento artístico, científico, etc., de indivíduos emancipados e com meios criados para todos eles";
— colocou como meta primordial conduzir o homem ao "reino da liberdade, para além da necessidade", quando, libertos do jugo do trabalho alienado, quaisquer proletários poderiam se tornar o que quisessem, inclusive grandes artistas.
Bem longe de tudo isso, Cuba se tornou um mero capitalismo de Estado tirânico, em que o poder é exercido por uma casta burocrática que desfruta de privilégios inacessíveis à maioria e distribui parte deles àquele quase 7% da população que lhe dá sustentação. Não é de espantar que o restante veja sua condição como a de vítima de uma ditadura e saia às ruas para protestar.
Então, entre opressores e oprimidos, meu posicionamento continua sendo sempre o mesmo: contra os opressores.
Certa vez, perguntaram a Trotsky o que ele faria se, depois de ter dedicado décadas de sua vida à revolução russa, concluísse que ela havia se dervirtuado, tornando-se uma tirania na qual os trabalhadores estavam submetidos a uma nova forma de exploração, não por parte de uma classe, mas de uma nomenklatura.
2 comentários:
olA
Vou discordar....Cuba deve ter muitos problemas..E várias inciativas de Reformas, embora tardias- estão em curso...Aos moldes chineses.....Vamos ver no que dá...............
https://www.brasildefato.com.br/2020/12/19/conheca-o-novo-plano-economico-de-cuba-que-entrara-em-vigor-em-2021
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